Um caminho essencial para a mobilidade urbana será a busca de novas fontes de receita para manter o transporte público. Há algumas semanas, o Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento (ITDP) divulgou o estudo Desafios e Soluções para a Gestão Equitativa da Mobilidade no Brasil, que aponta alguns caminhos para garantir o acesso ao transporte a uma faixa mais ampla da população.
O estudo mostra que a pandemia de covid-19 ressaltou a fragilidade dos sistemas de transporte público, comprometendo sobretudo a circulação da população mais pobre. Para o ITDP, as fontes de financiamento poderão vir da gestão do estacionamento dos carros particulares nas ruas e de outras formas de cobrança de quem utiliza um automóvel. O instituto acredita que isso é justo porque os usuários de automóveis são os mais beneficiados pelo sistema viário e também aqueles que mais geram custos ao poder público, seja pela poluição, quebras, acidentes ou pelos congestionamentos.
“O caminho tem de ser a implementação aos poucos e é importante que haja uma estratégia de comunicação. A recepção ruim por parte da população sempre haverá”, admite Lorena Freitas, coordenadora de gestão da mobilidade e responsável pelo estudo do ITDP.
Francisco Christovam, presidente-executivo da Associação Nacional das Empresas de Transporte Urbano (NTU), concorda que é preciso obter novas fontes capazes de custear ao menos parte da tarifa: “Os passageiros já não têm mais como arcar com o valor real. Tarifa é questão política e social.”
Christovam usa como exemplo os R$ 4,40 cobrados na passagem de ônibus, metrô ou trem na capital paulista. “Para os ônibus, o valor real estaria acima de R$ 8”, diz.
O presidente-executivo da NTU afirma que, antes da pandemia, havia três grandes cidades com o custo da passagem subsidiado, Brasília, Curitiba e São Paulo. “Agora, são cerca de 250, incluindo quase todas as capitais.”
Ele cita como possíveis fontes futuras de financiamento do transporte a taxação de combustíveis e a cobrança do pedágio urbano, feita a partir de verificação por câmeras quando o veículo que entra em áreas mais centrais da cidade. E menciona exemplos de custeio do transporte público existentes no exterior: “Em Londres, há uma zona de baixa emissão e os veículos que não atendem ao requisito pagam para circular. Em Nova York, tem tributação sobre táxis. Em Paris, há uma taxa de 2,7% sobre a folha de pagamento de todas as empresas, recolhido para um fundo de transporte.”
Lorena Freitas reconhece que algumas medidas, como taxar os combustíveis, seriam muito polêmicas. “Mas será preciso usar uma parte das taxas e impostos para financiar o transporte público e de forma a não prejudicar ainda mais aqueles que pagam.”
Entre as medidas possíveis, Lorena acredita em propostas para tributar aqueles que têm mais de um veículo ou que compram automóveis maiores e mais potentes, oferecendo como contrapartida um transporte público mais eficiente e também incentivando a mobilidade ativa, sobretudo as bicicletas.
“É compreensível que uma parcela da população compre carro pela falta de transporte público. Por isso, é preciso haver uma oferta mais capilar e com mais horários.” Lorena diz ainda que é preciso ter um planejamento bastante cuidadoso e entender como é a dinâmica da cidade, sobretudo para fornecer transporte mais acessível para a população mais pobre.
Existem cerca de 50 municípios brasileiros em que o transporte público por ônibus é gratuito. “Em regra são cidades de menor porte e com uma importante fonte de receita, como Maricá (RJ), que tem os royalties do petróleo”, afirma Lorena Freitas. A frota da cidade tem 115 ônibus e transporta diariamente 110 mil pessoas por 38 linhas. De acordo com informações do município, são investidos R$ 10 milhões por mês no sistema de transporte. O serviço é gratuito desde 2014. Além dos ônibus, a cidade tem compartilhamento grátis de bicicletas. São 200 ao todo, distribuídas em 20 estações.
Outra cidade com ônibus urbanos gratuitos é Agudos (SP), com cerca de 40 mil habitantes. “A frota tem 12 veículos, dois deles de reserva. Eles cumprem seis itinerários”, afirma Antônio Marcos Messias, gestor do contrato de transporte gratuito. “Ele é de grande importância dentro de Agudos porque fomenta o comércio e atrai investimentos para a cidade”, garante. Segundo Messias, a gratuidade ocorre desde 2002.
Paulínia, com cerca de 110 mil habitantes, já teve transporte urbano gratuito há pouco mais de duas décadas. Atualmente a passagem custaria R$ 3,82, mas o usuário paga R$ 1,00 na catraca. Segundo o município, a frota tem 52 veículos em circulação e 13 itinerários. A arrecadação proveniente do polo petroquímico instalado na cidade ajuda a custear as passagens.