Um grave acidente no interior de Minas Gerais há nove anos mudou a história da Braspress, uma das maiores transportadoras do Brasil. Um motorista da empresa ia de Governador Valadares para Belo Horizonte, em Minas Gerais, quando, durante uma ultrapassagem indevida, bateu em van que levava pacientes para tratamento na capital.
Com o choque, quatro pessoas morreram no local, e outros ocupantes do veículo ficaram feridos. “Isso chocou a empresa, ficamos consternados”, relembra o CEO da Braspress, Urubatan Helou. A partir dessa tragédia, a empresa mudou. “Se esse evento não tivesse trazido nenhuma solução, essas pessoas teriam morrido em vão”.
O executivo conta que, até 2012, a contratação de motoristas era feita “de forma standard, como nas outras empresas”, diz. “O candidato fazia o teste, e, se aprovado, começava a viajar.” Depois do acidente, tudo mudou. “Foi quando criamos o Camb (Centro de Apoio ao Motorista Braspress), quando trouxemos a telemetria para a frota, o simulador de direção, quando começamos a nos preocupar com a saúde do profissional”, enumera Helou. O presidente da empresa diz que a transformação incluiu ainda outras ações. “Trouxemos o Instituto do Sono para a empresa, para avaliar as condições dos profissionais. Começamos a construir alojamentos individuais, com ar-condicionado, trouxemos psicóloga, assistente social, para cuidar da família”, diz. “De lá para cá, não tivemos mais acidentes fatais”, garante.
Aquela ideia do motorista que cruza o País de Norte a Sul e fica vários dias longe de casanão reflete a realidade dos 1.300 motoristas da Braspress, garante Helou. “O motorista não fica mais do que 48 horas longe de casa”, afirma. “O caminhão pode rodar 24 horas por dia; o motorista, não”.
Um caminhão que sai de São Paulo com destino a Salvador é conduzido em média por três motoristas. De acordo com Helou, o profissional que parte de São Paulo vai só até a filial de Belo Horizonte (são 117 no País). De lá, um segundo motorista continua a viagem até Itaobim, no norte de Minas. Ali, ele entrega o caminhão para um terceiro profissional, que vai até Salvador. Dessa forma, o motorista que saiu de SP dorme em Belo Horizonte e depois pega um caminhão que esteja vindo de Salvador, Fortaleza ou Recife e volta para São Paulo.
Segundo Helou, dessa forma o motorista nunca passa mais de dois dias fora de casa. “A presença do pai é indispensável em casa. A gente procura envolver o profissional com todos os cuidados possíveis”, afirma o executivo. “Temos 3 mil caminhões, sendo que cerca de 1.300 são carretas, que fazem a transferência de cargas entre as filiais. Isso potencializa a possibilidade de acidentes”, diz, acrescentando que, em média, cada carregamento transporta cerca de R$ 2 milhões de mercadorias. “Se não tivéssemos esses cuidados, teríamos acidentes todos os dias”, diz.
Antes de sair para uma viagem, o motorista passa por exames que incluem teste de alcoolemia (bafômetro), glicose e toxicológico. “Se for detectado algo, não vamos punir, vamos cuidar”, diz Helou, que informa que a empresa mantém parcerias com clínicas especializadas.
Ao contrário do passado, quando um teste prático era suficiente para a admissão do motorista, a prática adotada pela transportadora após o acidente em 2012 tem várias fases. Depois da aprovação no teste prático, o profissional passa por um processo de integração, para conhecer a empresa. Na sequência, realiza testes em um simulador de direção para caminhões, que, segundo Helou, foi utilizado pela primeira vez no Brasil pelaBraspress. O dispositivo entrou em operação em 2011. A transportadora tem dois sistemas. Um fica na matriz, em Guarulhos (SP), e o outro, instalado em uma carreta, percorre as filiais.
Aprovado no simulador, o novo motorista começa a fazer as viagens acompanhado por um monitor, antes de passar a fazer viagens sozinho. “Sozinho”, porém, ele nunca está. Aviagem é acompanhada remotamente por telemetria. A tecnologia, permite a interação entre a equipe, na base, e o motorista. “Atuamos na exceção. Podemos avisar, ‘amigo, você está dirigindo perigosamente’; ‘você está freando ou acelerando de forma muito brusca’, exemplifica. Segundo Helou, se ainda assim o motorista mantém vícios na condução, ele volta para o simulador de direção.
De acordo com o executivo, esses cuidados resultam em profissionais melhores e mais bem remunerados. “Nosso salário de entrada tem de ser 20% acima da média (do mercado). A telemetria permite estabelecer um ranqueamento entre os profissionais. A Braspress classifica os motoristas por classes: diamante, ouro, prata e bronze, de acordo com suas habilidades ao volante. Para cada uma, há um prêmio trimestral. Anualmente, aempresa realiza um evento para premiação. “Um motorista (do nível) diamante chega a levar até seis vezes o valor nominal do salário”, garante Helou. Segundo ele, 60% dos 1.300 profissionais da transportadora estão classificados nessas quatro faixas.
Em 1998, por pura estratégia de marketing – admite Helou -, a Braspress contratou a primeira motorista mulher, para fazer entregas em shopping. “Havia um preconceito muito grande com motorista”, relembra, referindo-se a casos ligados a prostituição, comuns em beira de estrada. “Decidi contratar uma mulher por puro marketing, fizemos um release e convocamos a imprensa”, relembra.
A estratégia foi muito além do planejado. “Atiramos no que vimos e acertamos no que nãovimos.” Com os bons resultados, ele decidiu contratar mais uma, depois outra, e assim por diante. Não parou mais. A empresa chegou a ter 60% de motoristas mulheres em seu quadro, número que atualmente caiu para cerca de 30%.
Segundo Helou, de forma geral elas são mais cuidadosas e mais interessadas que os homens. O executivo começou a perceber que o consumo de diesel era menor com mulher dirigindo, assim como o desgaste de pastilhas de freio. “O resultado é que, com a chegada da concorrência feminina, o nível do motorista homem melhorou. Virou case”, garante.