Sergio Jacobsen

Co-CEO da Micropower Energy

Mobilidade elétrica versus matriz fóssil: uma questão de coerência

Em 2025, deverá haver 70 milhões de carros 100% elétricos no mundo. Foto: Getty Images

30/11/2022 - Tempo de leitura: 3 minutos, 30 segundos

Nos anos mais recentes, a proporção de veículos 100% elétricos ou híbridos tem crescido de forma exponencial. Como aponta um levantamento da Fapesp, em 2016, essa frota chegou a 2 milhões de unidades em todo o mundo, número 60% superior ao do ano anterior.

Já existem projeções de que o volume de veículos dessa categoria chegue a 70 milhões em 2025, segundo o relatório Global EV Outlook de 2017, realizado pela Agência Internacional de Energia (AIE).

Projetando um futuro um pouco mais distante, um estudo da consultoria Morgan Stanley sugere que, em 2030, a proporção de veículos elétricos ou híbridos chegue a 16% do total.

Trata-se de uma ótima perspectiva, por vários motivos. Reduzir a quantidade de veículos movidos à combustão é, de fato, uma providência cada vez mais urgente em todos os países, particularmente nas grandes cidades.

Do ponto de vista urbano, atmosferas saturadas de partículas poluentes representam um efetivo problema de saúde pública. Nessa situação, registra-se aumento da ocorrência de diversas doenças, especialmente do trato respiratório, sobrecarregando hospitais e demais centros de atendimento. Como consequência, também ocorre o aumento do absenteísmo e, em última análise, a redução da produtividade geral da economia.

Sustentabilidade

Examinando a situação do ponto de vista do planeta, reduzir emissões é importante e urgente porque, de fato, os países precisam atuar de forma conjunta para frear o aquecimento global e essa é uma tarefa de todos, já que a atmosfera que recobre a Terra é a mesma para todos.

Adianta pouco, no âmbito geral, que um conjunto de países caminhe na direção da descarbonização enquanto os demais apenas assistam a esse movimento. Nesse sentido, restringir a circulação e mesmo a fabricação de veículos movidos a combustíveis fósseis é um caminho seguro para a redução de emissões, certo? Depende.

É preciso olhar esta questão de uma forma ampla, já que veículos elétricos, afinal, precisam de energia elétrica para cumprir sua função, e as fontes para a geração dessa energia importam, e muito.

Experiências globais

O continente europeu, por exemplo, é um dos mais empenhados em definir novas regulamentações para a restrição de carros com motores à combustão. No entanto, os combustíveis fósseis ainda respondem por cerca de 77% das necessidades energéticas dos países da região.

A China, outro mercado de alta relevância, tem 80% de sua energia gerada a partir de recursos fósseis, notadamente o carvão, um dos mais poluentes. Nos últimos anos, o gigante asiático tem empreendido esforços no sentido de ampliar a proporção de fontes renováveis em sua matriz energética. Além da construção de usinas hidrelétricas, a China também tem investido nas fontes solar e eólica, que, no entanto, ainda correspondem a cerca de 11% de sua matriz.

Lugar destacado

O Brasil ocupa uma posição privilegiada nesse contexto, já que tradicionalmente nossa demanda energética tem sido suprida por fontes hídricas, com aumento progressivo de fontes renováveis nos anos mais recentes.

No que se refere à eletricidade, mais de 80% do volume é produzido por meio de fontes renováveis. Essa condição muito mais cômoda não pode, de qualquer forma, servir para que o País se acomode.

O crescimento da população, as crises hídricas ocasionais e o aumento da atividade econômica são riscos habituais ao desabastecimento, e não têm sido raras as oportunidades nas quais o Brasil precisa lançar mão de suas usinas térmicas para despachar energia.

Portanto, tão importante quanto projetar um sistema de mobilidade baseado em eletricidade é dimensionar a geração de energia com foco em fontes renováveis.

O caminho para que essa transição seja executada de forma eficiente e coerente passa não apenas pela eletrificação, mas também, e, principalmente, por sistemas de geração distribuída e por mecanismos de armazenamento de energia, que possam dar conta da demanda, mesmo diante de instabilidades e da intermitência inerente às fontes renováveis.