Além da pandemia, há outro evento marcante para os brasileiros neste ano: as eleições municipais, em 15 de novembro. Para chamar a atenção dos eleitores sobre a importância da mobilidade nas eleições e fornecer subsídios aos candidatos para que tratem do tema em suas campanhas, a Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP) desenvolveu uma cartilha com uma síntese das ações esperadas para o aprimoramento do setor.
Com o título “Linhas Gerais para um Programa de Transporte Público Eficiente, Barato e com Qualidade para Prefeitos(as) e Vereadores(as)”, o documento foi estruturado em oito eixos, incluindo transparência, infraestrutura, custeio e financiamento.
“A ANTP acredita em um modelo em que a sociedade tenha um projeto de longo prazo para a mobilidade e a população escolha, entre os candidatos, aqueles que sejam vistos como mais capacitados para gerir esse projeto”, diz o presidente da instituição, Ailton Brasiliense Pires.
Infelizmente, ressalta Pires, a realidade no Brasil é bem diferente disso: os projetos de mobilidade costumam ser refeitos a cada nova gestão municipal. “É um grande equívoco essa falta de continuidade, a ideia de que é preciso estar sempre tentando reinventar a roda. Assim como ocorre na saúde e na educação, na mobilidade também não existe solução mágica, nem salvador da pátria.” Ele destaca bons exemplos no exterior, como o de Barcelona, na Espanha, que tem mantido um direcionamento claro na política de mobilidade ao longo das diferentes gestões.
Justamente por conta da importância dada à visão de longo prazo, a proposta da ANTP destaca temas que não têm execução rápida, em apenas quatro anos. “Estamos falando de um projeto para as próximas décadas”, reforça Pires.
A exceção são as ações emergenciais decorrentes da pandemia, incluídas no documento, já que os novos gestores municipais enfrentarão um quadro complexo nos sistemas de transporte, cuja sustentabilidade foi abalada pela queda no número de usuários em decorrência da covid-19.
Para o presidente da ANTP, o transporte público precisa ser visto pelos políticos e pela população como um eixo estruturante da vida urbana. É um tema que ganha importância proporcional ao tamanho da cidade. “Basta ver a influência que mobilidade tem sobre a vida de todo mundo em São Paulo”, observa Pires.
Na visão dele, o único caminho possível para as metrópoles é dar prioridade clara ao transporte coletivo. Essa decisão depende, fundamentalmente, dos poderes locais, tanto o executivo quanto o legislativo, aqueles que serão renovados nas eleições de novembro.
O documento da ANTP demonstra o que significa dar prioridade ao transporte público: desenvolver um planejamento que inclua faixas exclusivas para ônibus, com semáforos coordenados, espaçamento razoável entre os pontos, calçadas seguras e adequadas, tudo para dar previsibilidade aos deslocamentos.
“O cidadão tem que sair de casa sabendo qual vai ser o tempo de espera no ponto e com uma boa noção de quanto tempo a viagem vai durar. Hoje, nas grandes cidades brasileiras, esses dados são imprevisíveis por conta do trânsito, o que impacta não apenas a qualidade do serviço e o nível de satisfação dos usuários, mas também os custos”, avalia o presidente da ANTP.
Para o presidente-executivo da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU), Otávio Vieira da Cunha Filho, o principal problema do setor de transporte público no Brasil foi a definição de que esse serviço deveria ser mantido exclusivamente pela tarifa paga pelo usuário. “Esse modelo não é adotado em nenhum outro lugar do mundo, só aqui”, diz.
“Fazer transporte público de qualidade com tarifa barata para a população é possível, desde que a remuneração dessa atividade tenha fontes extratarifárias. Esse é o principal ponto de discussão”, observa Cunha. O presidente da ANTP concorda. “O transporte público precisa levar em conta que uma coisa é o que o cidadão paga, outra é o que o serviço custa”, considera Pires.
O presidente da NTU lembra que o transporte coletivo é um serviço de responsabilidade do poder público, operado pela iniciativa privada. “Há uma grande confusão na sociedade, uma falta de conhecimento sobre isso. O serviço é planejado, organizado e fiscalizado pelo poder público. A quantidade do serviço ofertado também é definida pelo poder público”, descreve Cunha.
Para ele, esse desconhecimento é a origem da imagem negativa que as empresas de transporte coletivo têm perante a opinião pública. “Dizem que as empresas só pensam no lucro, aumentam a tarifa todo ano e ainda assim o serviço não melhora. De fato é um serviço insatisfatório, mas por conta do modelo de remuneração e da falta de investimentos em infraestrutura e planejamento ao longo das últimas décadas.”
Não por acaso, o primeiro eixo do documento construído pela ANTP é “transparência”. A ideia é divulgar o máximo possível, de forma acessível à população, dados sobre a relação entre padrões de qualidade e custos do sistema. Outra ação é defender a ideia de que certos beneficiários devem contribuir mais para a cobertura dos custos, a exemplo das empresas de transporte individual por aplicativos e das gestoras de estacionamentos de automóveis.
Fonte: ANTP