Em 2020, em plena pandemia de covid-19, o setor aéreo viveu seu pior ano já registrado. Fechamento de fronteiras, quarentenas rigorosas e empregos perdidos foram alguns dos marcos que o segmento vai, aos poucos, deixando para trás.
Para entender o momento positivo e as novidades desse mercado tão importante, como aumento na demanda de por passageiros em todas as regiões do mundo na comparação com 2022 (confira na tabela abaixo) o Mobilidade Estadão conversou com Marcelo Pedroso, diretor de relações externas da International Air Transport Association (Iata), uma associação sem fins lucrativos criada, em 1945, logo após a Segunda Guerra Mundial, época em que as aeronaves usadas no conflito foram convertidas à recém-inaugurada aviação civil.
Segundo Pedroso, a Iata nasceu com a missão de estabelecer uma regulação para o setor e replicá-la no mudo todo. “Costumamos dizer que a associação participou, de alguma maneira, de toda a história da aviação civil desde então”, afirma.
Hoje, cerca de 300 companhias aéreas estão associadas, representando, juntas, 83% do tráfego aéreo global. No Brasil, são 40 empresas internacionais que voam tendo o País como origem e destino, além das quatro nacionais: Gol, Latam, Azul e Voepass. Confira, a seguir, a entrevista completa.
Em que momento o setor aéreo voltou a aquecer?
Marcelo Pedroso: Entre 2020 e 2022, o setor viveu ciclos, com aberturas e fechamentos na maioria dos países por causa das restrições da pandemia. Em 2022, a retomada foi mais sustentável: no Brasil, os voos domésticos reagiram mais rápido, mas, com os internacionais, o movimento foi mais lento, já que estão condicionados, principalmente, às regras de entrada e saída dos países.
Atualmente, ainda não atingimos os níveis anteriores à pandemia para voos internacionais no Brasil e, em escala global, até meados de 2024, projetamos que o mundo volte aos níveis de 2019. Esse aquecimento que temos notado reflete, em sua maioria, a demanda reprimida, com reflexos mais rápidos e diretos nos voos domésticos, mas com impacto, também, de forma mais lenta, nos voos internacionais.
Quais os principais destinos internacionais buscados pelos brasileiros?
Países da América do Sul foram muito procurados, inclusive durante a pandemia. E esse fato não se deveu tanto à escolha das pessoas, mas por um filtro dos locais em que não havia tantas restrições de viagem. A preferência por esses voos regionais, digamos assim, foi uma mudança de comportamento circunstancial naquela fase.
Já os destinos tradicionalmente mais buscados pelos brasileiros são os da América do Norte e Europa. Quando os fluxos retomarem em definitivo é que vamos compreender esse cenário, qual foi o impacto, como será a proporção entre lazer e negócios e, até mesmo, se há possibilidade de as pessoas conjugarem mais viagens a trabalho com lazer, o que pode ser uma tendência. Mas ainda não é possível prevermos como será o futuro das viagens, pois ainda estamos vivendo o que chamamos de ondas secundárias da pandemia.
Existem iniciativas que visem a descarbonização desse segmento?
A pandemia impôs ao setor aéreo a necessidade de antecipar sua estratégia com foco numa aviação com uma pegada menor de emissões. Já vínhamos participando de debates globais para redução de gases de efeito estufa e, especificamente, de CO2, que a aviação é um contribuinte, em nível global, no âmbito do Acordo de Paris e da Organização da Aviação Civil Internacional (Oaci).
Dessa forma, pelo Acordo de Paris, a Oaci ficou responsável por produzir um mecanismo para redução de emissões de CO2 em escala global, enquanto cabe aos países garantirem metas domésticas. Isso tem sido feito por meio do Corsia, um programa da Anac que determina que toda emissão precisa ser compensada pela companhia aérea por meio de crédito de carbono.
Esse esquema começou em 2021 e, numa projeção inicial, vai até 2035, dividido em fases. Ou seja: não são todos os países que participam da etapa atual, de 2021 a 2027, que tem adesão voluntária. O Brasil vai ingressar em 2027, período que será mandatório para a compensação, de maneira que, hoje, o País apenas reporta suas emissões.
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E a eletrificação, nesse segmento, tem sido discutida?
Falamos, basicamente, de eletrificação e de hidrogênio verde. Mas é importante compreendermos que a aviação tem um perfil diferente: ao contrário do que está ocorrendo com os drones, no curto prazo, nós não teremos tecnologia suficiente e aeronaves adaptadas para incorporar baterias ou mesmo o hidrogênio líquido, que resultam em uma pegada praticamente neutra de partida. De forma que ainda vamos depender da motorização atual disponível (combustão) para viagens de longo curso e com número superior a 200 passageiros na aeronave, com duração de 2h30 ou mais.
Então, no curto prazo, não temos alternativa para fazer uma transformação energética total, mas precisamos, além do Corsia, de um tipo de combustível que nos permita neutralizar as emissões de CO2. A tecnologia desse aditivo drop in, que significa que ele é igual ao da aviação, já existe e se chama combustível sustentável de aviação, ou SAF (sustainable aviation fuel), na sigla em inglês. Ele permite alcançar a descarbonização até 2050. Mas temos um desafio: embora os motores não necessitem de adaptação, esse composto ainda não é produzido em escala para atender à demanda necessária da aviação.
Região | Passageiros | Carga |
América do Norte | + 67,4% | – 3,2% |
América Latina | + 44,1% | – 2,7% |
África | + 90,7% | – 3,4% |
Europa | + 47,9% | – 15,9% |
Oriente Médio | + 75% | – 8,1% |
Ásia-Pacífico | + 378,7% | -6% |
Dados de fev./2023; demanda de passageiros medida em passageiro pagante por quilômetro (RPKs); demanda de carga medida em toneladas transportada por quilômetro (ICTKs)
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