A Medicina do Sono tem por objeto de estudo um estado fisiológico do organismo humano que ocorre com periodicidade – ritmo circadiano – a cada 24h. Nesse período, nosso organismo tem um funcionamento muito ativo, essencial para a saúde, porém diferente do momento de consciência. Regulação do sistema imune, do sistema cardiovascular, liberação de hormônios, sedimentação de memória, atuação do sistema glinfático, reparação neuronal são algumas das funções do sono.
Mobilidade segura significa fluidez e eficiência nos deslocamentos com baixos riscos de ocorrências e sinistros. Fatores envolvidos na qualidade do trânsito estão relacionados a concentração, capacidade de respostas a imprevistos – frenagem, desvios de rotas, seguir sinalizações, manter-se na faixa de rolamento.
Procuramos entender melhor o sono pelos impactos diurnos que a duração inadequada ou falta de qualidade podem determinar. Exemplos do que acontece no humor, na irritabilidade, na memória e concentração são comuns e todos já vivenciamos.
Entretanto, conseguir relacionar um problema crônico de sono não tratado a um motorista com carga horária de oito horas no trânsito de qualquer capital ou numa estrada parece ser algo que requer um pouco mais de entendimento.
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Estudos recentes publicados em importantes publicações internacionais trazem a sonolência como causa entre 10% a 30% das ocorrências (acidentes) de trânsito. Outro estudo cita que a morte do motorista ocorreu em 11,4% dos acidentes relacionados à sonolência, em contraste com 5,6% dos acidentes não relacionados ao sono. Uma revisão publicada em 2022 traz como conclusão que portadores de apneia do sono têm um risco de acidente de trânsito 2,36 maior em comparação com a população em geral.
Como causas principais de sonolência diurna, encontramos a privação de sono aguda ou crônica, dirigir em horários inadequados do ciclo circadiano, distúrbios do sono não tratados: apneia do sono e insônia, outros distúrbios médicos ou psiquiátricos e uso de medicamentos/efeitos da substância.
A prevalência populacional da apneia – paradas respiratórias – na população adulta na cidade de São Paulo foi estimada em 32,9% em 2010. A insônia – dificuldade para iniciar e manter o sono – foi estimada em 34%. Dados de 2022 informam que, no Brasil, há 78 milhões de condutores habilitados.
No Brasil, a Medicina do Sono foi reconhecida como área de atuação médica desde 2011. Em todo o Brasil, existem apenas por volta de 500 especialistas, com poucos locais de formação concentrados na região Sudeste.
Durante a graduação, há poucas aulas sobre sono, o que determina uma limitação de difundir conhecimentos. Também temos limitação para se fazer o diagnóstico em função da indisponibilidade de exames de monitorização do sono – polissonografia – e culminando com poucos tratamentos efetivos para a maioria das doenças do sono tanto na questão de indisponibilidade de medicações, cirurgias e aparelhos de pressão positiva.
A probabilidade de encontramos motoristas com sonolência diurna no nosso dia a dia se mostra significativa. A capacidade de resposta às necessidades do trânsito ficam muito reduzidas em função dos impactos cognitivos, do raciocínio e da performance em dirigir.
Temos uma sociedade com horários cada vez mais extensos, uso de equipamentos com luminosidade (celulares, tablets, computadores, TV) e cada vez menos horas de sono. Temos reduzida capacidade para diagnosticar e tratar distúrbios do sono e temos cada mais motoristas nas ruas e estradas do Brasil.
Dentre as prioridades atuais tanto em saúde como em mobilidade urbana o fator econômico é fundamental. Problemas de sono são diagnosticáveis e tratáveis. Por isso, diminuir o número de ocorrências por sonolência trará significativo impacto na redução de custos de atendimento hospitalar, danos materiais e vidas.