O uso do celular é um problema para o trânsito nacional. A infração gravíssima aumenta o risco de acidentes em até 400%, atrapalha o tráfego e tem crescido anualmente. Ao mesmo tempo, é apontada como a atitude que mais incomoda outros condutores. Levantamento divulgado pela concessionária CCR na última semana indica que para 31% dos motoristas o que mais irrita no trânsito é ver outra pessoa ao telefone enquanto dirige. O estudo foi realizado em 11 praças de pedágio no Estado de São Paulo e ouviu 8.979 pessoas.
Se incomoda ver o outro ao celular, por que grande parte da população não deixa de cometer essa infração gravíssima? O número de multas no Estado de São Paulo pelo uso do telefone ao volante quase dobrou, saltando de 6,9% no primeiro semestre de 2021 para 12,5% no mesmo período de 2022. Nada menos que 77,7% dessas multas foram registradas na capital, onde 600 motoristas são flagrados por dia cometendo a irregularidade.
“Apesar do nível semelhante de risco, o ato de usar celular ao volante ainda não sofre a mesma pressão social que dirigir alcoolizado e a prerrogativa legal é mais branda”, avalia Mauro Voltarelli, gerente de Educação Para o Trânsito do Detran-SP.
Essa infração gera sete pontos na Carteira Nacional de Habilitação (CNH) e multa de R$ 293,47. A autuação pode ser combinada com outro tipo de infração, a condução de veículo sem as duas mãos ao volante, com valor de R$ 130,16 e mais cinco pontos na carteira.
Voltarelli informa que, para quem está dirigindo, é proibido não apenas segurar o celular, mas também mexer no aparelho mesmo quando ele está no suporte instalado no painel. Outro ponto importante é que estar parado no semáforo ou em ritmo lento durante um congestionamento não são situações que liberam o uso do celular.
Qualquer distração acrescenta ao ato de dirigir uma série de variáveis que fogem do controle do motorista — e o celular se tornou a mais comum e perigosa das distrações. “Conduzir um veículo é tarefa que exige atenção plena. Infelizmente, muita gente ainda resiste a esse entendimento básico”, observa o médico Antonio Meira Jr., presidente da Associação Brasileira de Medicina do Tráfego (Abramet).
A entidade realizou, em parceria com o Instituto de Ortopedia do Hospital das Clínicas de São Paulo, um teste no Autódromo de Interlagos. Com o celular na mão, os voluntários fizeram guinadas bruscas e curvas exageradas na execução de manobras simples para percorrer uma fileira de cones. Em outro momento, mesmo orientados a manter a velocidade em 90 km/h, os voluntários acabaram reduzindo sem perceber para a média de 60 km/h enquanto conversavam ao celular.
Quando se comete a mais arriscada das práticas — digitar uma mensagem —, o risco de acidente é multiplicado por 23. Quem faz isso pode percorrer até 100 metros (o equivalente a um campo de futebol, de trave a trave) sem olhar para a rua ou rodovia. Nesse meio-tempo, há uma infinidade de possíveis interferências: um pedestre, uma bicicleta, um animal que atravessa o caminho, um veículo que freia inesperadamente.
De forma geral, os motoristas que demonstraram previamente os maiores níveis de confiança em lidar com distrações apresentaram os piores desempenhos. “A confiança não resolve o problema. Poucos segundos de desatenção no trânsito podem ter consequências graves”, alerta o presidente da Abramet.
No ano passado, 250 mil condutores foram flagrados em todo o País utilizando o celular. Líder desse ranking, o Estado de São Paulo concentrou 22% dos registros. Essa participação deve aumentar, já que, no primeiro semestre de 2022, o Detran-SP registrou um aumento de 160% no volume de punições no Estado para quem usa o celular ao volante, em comparação ao mesmo período do ano passado — um salto de 54 mil para 140 mil.
Para controlar a ansiedade provocada pelas ligações e pelos sinais sonoros de mensagens recebidas, os especialistas sugerem a adoção de uma ferramenta já disponível em muitos modelos de celular — a ativação do aviso “estou dirigindo e retorno assim que possível”. “É também uma forma de educar e conscientizar as outras pessoas sobre a necessidade de respeitar esse momento”, ressalta o presidente da Abramet.