Dentre os quase 3 mil ciclistas que participaram de um passeio organizado pela Shimano Fest, em São Paulo, no domingo, 21 de agosto, eram raros aqueles que não usavam capacete. O item, no entanto, não é obrigatório pela legislação de trânsito, e o assunto é sempre cercado de polêmica. Em uma enquete promovida no Twitter, o site Jornal Bicicleta perguntou à comunidade se o uso deveria ser obrigatório. Do total de 82 respostas, 51,2% dos participantes responderam que não, 39% marcaram o sim e 6,1% entenderam que o equipamento devia ser mandatório para crianças. O restante não soube opinar.
Em outra manhã fria de inverno, a nova ciclovia da Avenida Jaguaré, zona oeste de São Paulo, atrai trabalhadores ciclistas. Por ali, Luan Badan, analista de inteligência comercial, pedala sem capacete, mas por pouco tempo. Ele diz que acabou de comprar a bicicleta e o item de segurança vai chegar em breve à casa dele. Pergunto se sabe que o Código de Trânsito Brasileiro (CTB) não obriga o uso. “Não sabia”, responde, sem se importar. “Precisa usar. É para segurança”, vaticina.
Durante meia hora, pelos menos 20 ciclistas circularam pelo entroncamento de ciclovias e ciclofaixas que ligam os bairros do Rio Pequeno e Jaguaré à Lapa, do outro lado do Rio Pinheiros. Assim como na enquete, metade usava capacete, metade não. A manicure Vanderli Moreira me diz que não o veste mais por uma questão de conforto. “É por causa do meu cabelo. Se vou com capacete, eu transpiro. Depois, não consigo deixá-lo preso nem solto. Por isso, não uso”, explica.
Para Vanderli, que começou a usar bicicleta, em 2018, para se locomover até a Vila Leopoldina, pedalar sem a cobertura de isopor e plástico não a deixa insegura. “Só utilizei no começo, pois ainda tinha medo. Agora, como não sou uma pessoa imprudente, não considero necessário. Eu vou pela ciclofaixa; às vezes, pela calçada. Procuro meios alternativos”, esclarece.
Daniel Valença, conselheiro da seção Nordeste da União de Ciclistas do Brasil, defende vigorosamente a flexibilidade do uso do capacete. Para ele, tudo aquilo que deixa menos prático ou parece mais inseguro diminui o interesse das pessoas pela bicicleta. “Algumas pesquisas indicam que, quanto mais gente usando capacete, menos pessoas pedalam, porque bicicleta parece algo perigoso, sendo que o perigo geralmente é externo à bicicleta”, esclarece.
A explicação de Valença é corroborada pela Federação Europeia de Ciclismo (ECF), que reúne 60 instituições, em 40 países, e é contra qualquer obrigatoriedade, tal como é visto na Holanda e no Reino Unido. “Uma lei desencoraja o ciclismo, retratando-o como perigoso. É menos provável que você seja morto em 1,6 quilômetro de ciclismo do que na mesma distância de caminhada”, atesta.
Em outro argumento, a ECF cita um estudo de caso realizado na Austrália, onde uma lei vigora desde 1998. Como consequência, a entidade explica que a taxa de crescimento de pessoas indo de bike ao trabalho caiu após a criação da regra e, ao mesmo tempo, não ficou comprovado que tenha contribuído para qualquer redução nos índices de traumatismos cranianos sofridos por ciclistas, apesar do aumento das taxas de uso do capacete.
“Sei que o tema é controverso, e alguns são contrários. Mas eu, pessoalmente, uso e recomendo”, diz Victor Pavarino, assessor em segurança viária e mobilidade sustentável da Organização Panamericana da Saúde (Opas). Ciclista habitual nas ruas e avenidas de Brasília (DF), ele encampa uma frase usada pela cicloativista Renata Falzoni em um vídeo, disponível na internet, em que ela discorre sobre a ineficácia do capacete para proteger o ciclista de atropelamento por carro e ônibus. Ela ironiza: “O capacete é inútil, mas não ando sem”.
Pavarino indica o estudo Segurança do Ciclista – Um recurso de informação para tomadores de decisão e profissionais, publicado pela Organização Mundial da Saúde, em 2020. Nele, o uso do capacete aparece na coluna de medidas que comprovadamente contribuem para reduzir mortes e lesões graves. Figuram ali também a redução de velocidades de carros para 30 km/h, a implantação de ciclovias e ciclofaixas e a obrigação de uso de sinalização nas bicicletas.
O estudo diz, ainda, que não é qualquer capacete que protege a cabeça do ciclista, e a eficácia pode ser limitada pelo uso incorreto. “Capacetes que ficam muito altos na testa, têm tiras mal ajustadas ou se movem excessivamente de frente para trás podem resultar em maior risco de lesão na cabeça”, alerta.
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Capacetes não são feitos para evitarem atropelamentos, mas para proteger parte sensível e pesada do corpo em caso de impacto (que pode ser causado, inclusive, por atropelamento). Porque nas competições, onde os ciclistas são os mais experientes, e cujos trajetos são em boa parte em circuitos fechados, onde não há risco de atropelamento por outros veículos, o uso é obrigatório? Na descida, uma bicicleta pode atingir a mesma velocidade que uma moto. Alguém duvida da eficácia do uso do equipamento neste caso?