O setor de transportes foi um dos mais atingidos pela crise da covid-19. Desde o fim de março, quando a ficha caiu no Brasil e a quarentena começou a ser implementada, a demanda (e a oferta) por viagens domésticas de ônibus e avião caiu em, pelo menos, 80%. A procura por voos internacionais, diante do fechamento de fronteiras, evaporou.
Para piorar, um levantamento da Confederação Nacional do Transporte (CNT) indica que 65% das empresas do segmento tiveram queda de faturamento em maio, em relação a abril, e 61% em junho, em relação a maio, indicando uma intensificação da crise.
Na BlaBlaCar, aplicativo líder global e nacional em caronas intermunicipais, com mais de 7 milhões de usuários no Brasil, não foi muito diferente, com diminuição de cerca de 50% na oferta de caronas
A queda menor que a do mercado é explicada por dois fatores principais. Primeiro: os condutores oferecem caronas nas viagens que fariam de qualquer maneira, com ou sem passageiros, com o objetivo de dividir custos. Como muitos continuam tendo que viajar, é natural que a carona seja mais resiliente.
Segundo: a plataforma vinha em expansão, dobrando em relação a 2019 até fevereiro. É como uma bola de neve descendo a montanha: aplicar energia no sentido contrário pode até diminuir sua velocidade, mas é muito difícil pará-la.
Tão importante quanto analisar o atual impacto da crise é inferir sobre sua influência futura. Nas viagens intermunicipais – assim como, por exemplo, as bicicletas no meio urbano –, a carona poderá se tornar uma das protagonistas do pós-pandemia.
Diante do receio de contaminação no transporte público, os modos individuais de mobilidade serão favorecidos. Uma pesquisa da consultoria Ipsos na China mostrou que 66% dos entrevistados consideram comprar um carro nos próximos seis meses – versus 34% antes da pandemia. Destes, 77% alegam o temor de contaminação no transporte público como motivo.
Mas, se há uma preocupação sanitária, os condutores oferecerão caronas? Primeiramente, se considerarmos os cuidados básicos como uso de máscaras e álcool gel e limitação no número de pessoas no veículo, o automóvel é uma maneira sanitariamente segura de viajar.
Adicionalmente, vivemos também uma grave recessão, o que cria ainda mais incentivos para compartilhar os custos, ainda tão altos, de uma viagem de carro.
De fato, apenas 14% dos condutores mais ativos da BlaBlaCar dizem que, certamente, oferecerão menos caronas após a pandemia, e quase 150 mil pessoas se cadastram na plataforma por mês, mesmo no auge da crise.
O argumento econômico também se aplica aos passageiros, que irão procurar formas mais econômicas de deslocamento – caso da carona.
Seria leviano afirmar que tenho absoluta certeza, mas estou confiante de que as caronas crescerão em importância na matriz de transportes do Brasil, principalmente devido à economia proporcionada e às camadas de confiança e organização criadas pelos aplicativos, aproximando-as dos modais convencionais como ônibus e avião.
Independentemente disso, a carona é uma forma eficaz de mitigar o efeito negativo do crescimento de modos individuais de transporte, majoritariamente, dependentes de combustíveis fósseis, como o automóvel.
Dadas as metas de redução na emissão de gases causadores do efeito estufa, não seria responsável deixar vazios assentos do carro. Mas esse é assunto para um próximo artigo.