A economia da bicicleta no Brasil

Um dos reflexos da pandemia foi o crescente uso das bikes como meio de transporte ou lazer. Resultado: tem faltado até peças e acessórios. Foto Getty Images

26/01/2021 - Tempo de leitura: 4 minutos, 34 segundos

O Brasil é o quarto produtor de bicicleta no mundo, com aproximadamente 4 milhões de unidades ao ano. Em 2020, por causa da covid-19, os números do setor caíram, em um primeiro momento, para, depois, registrarem altas históricas. “Esse mercado já estava em um movimento de crescimento moderado antes da pandemia, mas, na fase mais rigorosa do isolamento, o comércio varejista registrou redução de até 50% em seu faturamento. Isso foi mantido até abril de 2020, com as vendas de bicicletas se reaquecendo a partir de maio”, explica Daniel Guth, diretor executivo da Aliança Bike, associação que trabalha para o fortalecimento do segmento. Com o isolamento social, a “magrela” passou a ser usada como meio de transporte por pessoas físicas, além de se transformar em ferramenta de trabalho para os cicloentregadores, serviço que se tornou essencial.

Uma pesquisa feita pela Aliança entre 15 de junho e 15 de julho de 2020, com 40 associadas, revelou que as vendas no segmento aumentaram 118% na comparação com o mesmo período de 2019. Entre setembro e outubro, novo estudo mostrou alta de 64%. A elevada procura causou até dificuldades no fornecimento de peças e acessórios, que tem persistido ainda neste ano, principalmente de componentes vindos dos países asiáticos, já que o mesmo movimento de aquecimento nas vendas acontece no mundo todo.  

Consumo e concentração

De acordo com a Aliança Bike, os modelos mais procurados pelos ciclistas brasileiros continuam sendo as chamadas bicicletas de entrada, com valores que variam entre R$ 800 e R$ 2 mil. Elas possuem três funções principais de uso urbano: meio de transporte, prática de atividades físicas e lazer. A busca por modelos intermediários, entre R$ 2 mil e R$ 5 mil, também cresceu nos meses de setembro e outubro de 2020 – especialmente as mountain bikes, um modelo com muita aceitação no Brasil. Para a Aliança, o dado demonstra uma mudança no perfil de consumo, mas ainda não é possível confirmar se se trata de uma tendência para os próximos meses. 

Outro ponto que merece atenção é a queda de participação dessas bicicletas de entrada, sobretudo em cidades menores. “É um dado estimulado pela concorrência com motocicletas e a facilidade de acesso a esses veículos motorizados, que possuem políticas públicas e tarifárias que contribuem nesse sentido”, afirma Guth. 

O Brasil conta com aproximadamente 8.936 estabelecimentos fazendo o comércio varejista de bikes, equipamentos e acessórios e empregam diretamente 14.147 pessoas. O Estado de São Paulo concentra em torno de 22% do total de lojas, seguido por Minas Gerais (12%) e Paraná (6,6%). São Paulo também lidera a participação na força de trabalho, com 44% do total dos empregos diretos. “O perfil mediano de composição do faturamento das lojas é de 50% de venda de bicicletas inteiras, 20% de componentes, 20% de acessórios e os últimos 10% de reparos e mecânica”, explica o diretor executivo da Aliança Bike.

Elétricas

Mesmo ainda com pouca participação no total de unidades comercializadas anualmente, as vendas de bikes elétricas têm demonstrado crescimento contínuo e sustentado. Entre janeiro e junho de 2020, foram importadas 7.427 elétricas, número 28% superior em relação ao ano anterior.  Soma-se a esse número a produção e montagem, no mesmo período, de 8.350 bicicletas elétricas (2.409 na Zona Franca de Manaus e 5.941 no resto do País). “Elas não competem com as tradicionais, mas com os carros. Uma pesquisa que fizemos mostra que 56% das pessoas que as utilizam para trabalhar ou estudar costumavam se deslocar de automóveis”, afirma Guth.

A carga tributária ainda é um dos principais entraves para o avanço desse mercado no Brasil. Ao todo, os impostos relacionados a esse meio de transporte alcançam 85% do custo final do produto e o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), por exemplo, tem alíquota de 35% – enquanto a das convencionais é de 10%. “Essa é uma das nossas frentes de trabalho. Temos pleiteado, junto ao governo federal, desde 2018, a equiparação do IPI das bikes elétricas às convencionais, além de uma campanha de esclarecimento à sociedade sobre o tema”, afirma.

Mais desafios

Um estudo feito pela Aliança Bike com lojistas de todo o Brasil em 2020 revelou alguns dos principais fatores que, na análise desses revendedores, são empecilhos para o aumento do uso da bicicleta no País. A alta carga de impostos sobre os produtos e seus componentes aparece em primeiro lugar no ranking (apontada por 95% dos consultados), seguida da necessidade de aumento na segurança contra roubos e furtos (90%), além da expansão da oferta de ciclovias, ciclofaixas e bicicletários (88%).

Em relação aos tributos, a associação trabalha em diversas frentes, junto ao Poder Público, para tornar as bikes mais acessíveis aos brasileiros. “Uma das conquistas do ano passado foi a redução da TEC, ou Tarifa Externa Comum, um imposto de importação para câmbios e outros componentes de 16% para 2% para todos os países do Mercosul, explica Guth. Outra iniciativa é um processo que está no Ministério da Economia e a decisão deve ocorrer nos próximos meses. “O pedido é para que a alíquota de imposto de importação das bicicletas retorne para 20%, pois, desde 2011, ela está em 35%. Isso não faz nenhum sentido e atualmente é superior a itens como bebida alcóolica, revólver, entre outros”, explica o diretor executivo da Aliança Bike.