“Até 2025, todo Toyota terá opção eletrificada”

Rafael Chang, presidente da Toyota do Brasil, atuou nas áreas de marketing e vendas no Japão e comandou a empresa na Venezuela. Foto: Divulgação Toyota
Tião Oliveira
28/01/2022 - Tempo de leitura: 10 minutos, 41 segundos

Formado em Engenharia Industrial, Rafael Chang ingressou na Toyota do Peru, seu país natal, em 1993. Trabalhou em marketing e vendas até 2011 e foi para o Japão atuar na mesma área. Regressou à América Latina para assumir o posto de presidente da empresa na Venezuela.

Desde janeiro de 2017, é o presidente da Toyota do Brasil. Ele participou de momentos importantes, como o lançamento do Corolla híbrido flexível, primeiro carro do tipo no mundo. Bem como da Kinto, divisão focada em serviços de mobilidade.

Em 2021, lançou o Corolla Cross, primeiro SUV médio da fabricante feito na região e exportado para mais de 20 países. Por chamada de vídeo, Chang falou ao Estadão sobre esses e outros assuntos.

Como o sr. avalia o desempenho da Toyota aqui no Brasil em 2021?

Rafael Chang: Nossa prioridade sempre foi preservar e cuidar da saúde de todos os funcionários. Um dos grandes desafios foi na cadeia de logística, com muitos gargalos e dificuldade até para conseguir contêineres em navios.

Até para conseguir transporte aéreo foi difícil. Isso prejudicou o fornecimento de matérias-primas e trouxe aumento de custos. Mas, mesmo com esse desafio, muitos setores da economia avançaram. Seja com for, a recuperação foi muito mais rápida do que nós esperávamos.

Qual é a expectativa da Toyota para 2022 e o que será feito para alcançar essas metas?

Chang: Em 2021, conseguimos manter o nível de produção e atingimos as metas de vendas. Fizemos o lançamento do (SUV) Corolla Cross, que é feito no Brasil e exportado para 22 países. Também abrimos a Kinto, que oferece diversos produtos do conceito de mobilidade. Para 2022, vamos continuar nessa linha.

Planejamos de olho no potencial do Brasil. Sabemos que existem dificuldades de curto prazo. A pandemia continua, assim como os problemas no fornecimento de peças. Há assuntos macroeconômicos globais, como a inflação. Porém, sempre olhamos para o médio e longo prazos.

Uma das prioridades para 2022 vai ser a continuidade do fortalecimento dos nossos serviços aos clientes, sobretudo no processo de digitalização que acelerou muito durante a pandemia. Estamos adaptando toda nossa rede de concessionários para oferecer esses serviços.

Nos serviços de mobilidade, a Kinto abriu recentemente um serviço para pessoas físicas. E, mesmo em maio às dificuldades, com a falta de peças, começamos a operar o terceiro turno na fábrica de Sorocaba (SP). Ou seja, para atender essa demanda que acreditamos que vai crescer. Em 2021, também iniciamos as atividades da Gazoo Racing, nossa marca de veículos esportivos.

Vamos continuar fortalecendo esses produtos e essa marca para ficarmos mais perto dos clientes que são apaixonados por carros. Também estamos trabalhando muito a questão da redução das emissões de carbono, precisamente o lançamento do Corolla híbrido flex que começou a produção em 2019.

O lançamento do Corolla Cross híbrido flexível faz parte desse processo da busca pela neutralidade de emissões de carbono.

A Toyota informou que antes de 2050 não deve ter 100% da gama eletrificada. Como será a evolução da eletrificação da marca?

Chang: Temos esse compromisso, que é zerar nossas emissões até 2050. Esse plano inclui várias áreas e uma delas é o nosso portfólio de produtos. Até 2025, todo Toyota vai ter ao menos uma opção eletrificada. Não significa que toda linha vai ser eletrificada, mas que pelo menos uma versão vai oferecer essa opção.

Agora, se vai ser híbrida, híbrida flex, híbrida plug-in, elétrica ou a hidrogênio, vai depender das características de cada país e de cada região. Para nós, o importante não é a tecnologia em si, mas o propósito final, que é zerar as emissões. Então, isso vai depender muito da matriz energética, da infraestrutura, do grau de desenvolvimento e da estrutura para entender qual será a melhor tecnologia para o momento certo.

Entendemos que o etanol, por exemplo, que é produzido no Brasil, é um dos combustíveis mais limpos do mundo. Considerando o investimento que precisa ser feito para desenvolver a infraestrutura de recarga elétrica, decidimos começar pelos carros híbridos flex. Daqui para frente, vai depender dessas variáveis para decidirmos qual será a próxima tecnologia que vamos trazer ao Brasil. Mas não é uma questão apenas do portfólio de produtos.

Tem a ver com o tipo de energia utilizada para mover os carros. E também envolve os fornecedores. O plano inclui zerar as emissões dentro das nossas fábricas em 2033. Então, entendendo o propósito de zerar as emissões e os componentes do ciclo de vida dos produtos, definimos a estratégia para 2050.

Essa versão eletrificada de cada produto é em nível global ou em cada mercado?

Chang: Primeiro, será global. Depois, em cada mercado. Creio que a próxima pergunta que você vai me fazer é se isso será feito também no Brasil. A resposta é sim. Quando isso vai ser feito e qual será a tecnologia eu ainda não posso contar.

Como é que o senhor vê o futuro de soluções de mobilidade como a locação de curto período?

Chang: Se você quer saber como vai ser a composição do nosso negócio daqui a, digamos, dez anos, qual porcentagem terá a venda tradicional e quanto será de aluguel, eu não tenho a resposta. O que posso dizer é que há tendências avançando rapidamente. O conceito de mobilidade é amplo e vai muito além dos carros.

Falo sobre como nós, montadora, criamos soluções de mobilidade para todos. Sejam PCDs ou não, pessoas de mais idade ou que têm dificuldade de locomoção. E não estamos pensando apenas em carros, mas também em outras soluções de mobilidade. Ou seja, carros, transporte público, infraestrutura das cidades para conectar os serviços de mobilidade.

Sem esquecer a questão das emissões de carbono. Temos de pensar em formas mais eficientes de utilização de energia. O conceito mais amplo da mobilidade para Toyota tem a ver com a nossa missão. Ou seja, queremos criar felicidade para todos. E um dos jeitos de criar felicidade é facilitar a mobilidade. Falando sobre ações mais concretas, lançamos a Kinto em 2021.

O Kinto Share é um sistema de aluguel de veículos para pessoas físicas que pode ser por um dia ou uma semana. Avançamos com o Kinto One Fleet, voltado à gestão de frota. Por sua vez, o Kinto One Personal é uma assinatura de longo prazo para pessoas físicas. Os três estão crescendo.

O que a Toyota pretende com o lançamento da Gazoo Racing no Brasil?

Chang: A Gazoo Racing é mais que um produto, é uma filosofia. E a paixão gerada por nossos produtos e focada no cliente que gosta de carro. Parte dessa paixão vem das competições.

Então, temos de entender como está nosso modelo de negócio. Há o sistema tradicional, de produção e venda de veículos para quem quer possuir um carro. Depois, temos a opção para quem quer usar, mas pensa em ser dono do carro. E, para os apaixonados por carros, nós temos a Gazoo Racing.

O que o governo teria de fazer para estimular a indústria de mobilidade, de veículos e a economia?

Chang: Um aspecto importante é previsibilidade. E não me refiro ao que vai acontecer no próximo ano ou em cinco anos. Falo de criar uma base de políticas públicas e industriais que você possa entender o País e para onde ele está indo. É o caso da reforma tributária. O sistema tributário no Brasil é muito complexo e que cria custos.

A questão do carbono é outra muito importante. E não afeta apenas a indústria automotiva, mas todas as indústrias e a economia em geral. Como executivos e empresas, sabemos que as políticas podem mudar. Por isso, temos de planejar pensando em diversos cenários. Com base nisso, estamos agora avaliando nosso próximo ciclo de investimentos.

Houve alguma vez em que o sr. chegou a perder o sono antes ou depois de tomar uma decisão importante?

Chang: Sempre há momentos em que temos de decisões difíceis, mas tento administrar isso bem. O Brasil é um país desafiador. Já trabalhei na Venezuela e sou peruano. Então, sei que a América Latina é assim.

Sempre me perguntam como faço a tradução desses cenários para a matriz no Japão. Lá, a economia é mais estável. É um desafio interessante.

E como o sr. faz para trazer um novo investimento ou convencer a matriz de que um produto deve ser feito aqui?


Chang: Há concorrência (com outras filiais) para trazer investimentos ao Brasil e para a região. Uma das características de quem atua na América Latina e, possivelmente, em alguns países em desenvolvimento, é a capacidade de administrar oscilações com velocidade e agilidade.

Também temos de demonstrar que a operação é competitiva. Por exemplo, vamos produzir mais, exportar mais  e aumentar nossa competitividade. Bem como temos de fazer planos de redução de custos. Temos de mostrar que estamos fazendo a lição de casa.

A Toyota está focando a oferta de maior agregado?

Chang: Essa é uma tendência não só da Toyota, mas das montadoras em geral. Há cada vez mais regulações, como as sobre emissões, que exigem cada vez produtos mais tecnológicos. E como fazer par a equilibrar as contas? Então, fizemos ajustes em nosso portfólio para oferecer veículos de maior valor agregado.

Mesmo porque, o conceito de veículo sem opcionais, “pelado”, ficou na história. Também estamos vendo novas oportunidades, como, por exemplo, oferecer acessórios e gerar negócios com usados. Tudo isso, que chamamos de cadeia de valor, faz parte dos pilares da nossa estratégia no Brasil.

A conectividade abre grandes oportunidades para negócios. O que há de novo nesse tema?

Chang: Isso faz parte desse processo de transformação da indústria. O conceito é cada vez mais tecnológico, de software, e não de hardware.  Então, até o conceito de concorrência está mudando.

Temos parcerias com outras montadoras para desenvolver plataformas que possam dar origem a veículos para outras marcas, por exemplo. Também temos parcerias com empresas de tecnologia, entre outras. Obviamente, não podemos ficar fora. Todos os sistemas estão ficando cada vez mais conectados.

Atualmente, nossos carros trazem o sistema TSS, que incorpora mecanismos que ajudam o motorista a ter mais segurança. É o caso do leitor de faixa, que pode corrigir automaticamente a direção, entre outros. Essas tecnologias estão avançando e fazem todo sentido quando falamos de carros conectados, autônomos, compartilhados e eletrificados.

Qual foi o impacto da aceleração da digitalização para a Toyota do Brasil?

Chang: Houve impactos internos na organização e também externos, como nos nossos clientes, fornecedores e rede de concessionários. É o caso dessa nossa conversa, que, se não fosse a pandemia, estaria sendo na nossa planta ou na na redação do jornal. Seja como for, a Toyota já tinha planos para balançar melhor o trabalho presencial e o remoto, por exemplo. Muitos dos processos que eram manuais ou presenciais agora são digitais.

A modificação da linha de produção para fazer o Corolla Cross foi feita no meio da pandemia. Normalmente, viriam pessoas da matriz para fazer a implementação de novos sistemas e processos. Mas foi tudo feito digitalmente. Isso ajudou muito no desenvolvimento dos engenheiros locais. Eles tiveram de aprender mais rápido e criar várias soluções localmente.

A forma de relacionamento com nossos distribuidores, concessionárias e força de vendas também mudou. Possivelmente, o único processo que continuou sendo presencial foi a entrega da chave e do carro. Todos os outros viraram digitais. Essa aceleração da digitalização continua acontecendo. Temos projetos para melhorar essa digitalização e estamos entendendo as demandas de nossos clientes.

Que mensagem o sr. mandaria para o Rafael que há cerca de 30 anos estava saindo da faculdade e iniciando a vida profissional?

Chang: Não é uma questão de se fiz certo ou errado. Obviamente, nas nossas carreiras cometemos muitos erros. Mas eu diria: “Continue na mesma linha. Faça o que gosta de fazer, seja consistente em seus valores, trabalhe muito e com disciplina.”