A cada quatro segundos acontece uma situação de assédio no transporte público no Brasil, de acordo com estimativas do Fórum Nacional de Segurança Pública de 2018. Embora seja um problema gravíssimo, não há estatísticas oficiais sobre ele, da mesma forma que não existe um canal unificado para denúncias.
“Com medo e sem saber o que fazer, as mulheres são desencorajadas a denunciar e, com isso, um percentual mínimo de casos chega até as autoridades. E, sem informação, é muito difícil elaborar políticas públicas de combate ao problema”, diz Simony Cesar, 29 anos, fundadora da Nina, startup que, desde 2017, vem desenvolvendo uma tecnologia que pode ser integrada a aplicativos em geral para centralizar denúncias de violência no transporte público.
Simony conta que a ideia da empresa surgiu da vivência como mulher e usuária do transporte coletivo na cidade e da certeza de que o assédio limita as mulheres em vários aspectos, desde a ocupação dos espaços públicos até o ingresso no ensino superior. “Como filha de uma ex-cobradora de ônibus, eu vivia o medo diário de perder minha mãe para a violência. Também fiz estágio em uma administradora de frotas e vi que os casos de assédio eram reportados no SAC, mas não iam nem para um arquivo Excel. Era como se eles não existissem”, conta.
Pouco tempo depois, cursando a Universidade Federal de Pernambuco, um episódio de violência sexual sofrido por uma aluna, quando um homem a obrigou a sair do ônibus, resultou em evasão escolar de outras estudantes e medo. Ela conta que sentiu que precisava criar algum instrumento para organizar as denúncias, pois quem não desistiu do curso passou a evitar os deslocamentos dentro do campus. “Comecei a pesquisar a violência de gênero na mobilidade e, para minha surpresa, descobri que o assédio não era crime, o que só mudou em setembro de 2018”, lembra.
Foi um longo percurso até implementar a tecnologia, com erros, acertos e muitas premiações recebidas no caminho. “Minha ideia inicial era criar um aplicativo, mas estudando o público entendi certas limitações, como a capacidade de armazenamento do celular dessas mulheres”, diz. A virada de chave veio em 2019, quando a prefeitura de Fortaleza adotou o recurso como base para a construção de políticas públicas e a tecnologia foi aplicada, em formato API (Application Programming Interface), no app já existente e conhecido Meu Ônibus, de monitoramento do transporte coletivo em tempo real.
Outro fator fundamental foi a integração do NINA com as câmeras que equipam todos os 2 mil veículos da capital. “Com as denúncias, as empresas de ônibus são notificadas a coletar e salvar as imagens da agressão, que são enviadas para a Polícia Civil em 72 horas. E a vítima recebe a orientação de onde deve buscar acolhimento e registrar a queixa”, explica. Vítimas ou mesmo testemunhas acessam o ícone do app Nina Denunciar Assédio de forma silenciosa e rápida, o que encoraja a todos.
A mudança cultural em curso é o aspecto visível do sucesso do programa. “As mulheres sabem o que fazer e denunciam os agressores, que passaram a ver que os casos podem ser investigados e têm consequências”, conta.
Operando neste momento apenas em Fortaleza, a fundadora diz que pessoas de outros Estados baixam o aplicativo e enviam denúncias. “Mas é fundamental ter integração com as câmeras dos ônibus para podermos notificar as empresas. Tendo isso, a tecnologia pode operar e ser efetiva em qualquer lugar, o que é nosso sonho.”
* Ocorrências coletadas pela NINA em Fortaleza desde 2019
Flexibilização da parada noturna fora dos pontos de ônibus: o horário foi estendido com base nos dados armazenados pelo NINA, como horários e locais mais perigosos.
Protocolo de ação imediata: as pessoas, principalmente as mulheres, já conhecem o funcionamento e sabem o que têm de fazer.
Pesquisas de monitoramento: a sistematização das informações coletadas ajuda a colocar em prática planos e a analisar as medidas tomadas ao longo do tempo. Exemplo: hoje, 100% da frota de ônibus da cidade possui câmeras, que, após as denúncias, podem ser verificadas para a identificação dos agressores.
Iluminação das paradas: os dados forneceram insights do que precisava ser feito para a melhoria da segurança pública do sistema como um todo, dentro e fora do transporte coletivo – por exemplo, o reforço na iluminação pública em cerca de 200 pontos.