Como as chuvas de verão comprometem a mobilidade
Ações para evitar inundações, desabamentos e deslizamentos nesta época deveriam ter sido tomadas pelas autoridades durante o ano passado.
7 minutos, 24 segundos de leitura
12/01/2021
Por: Daniela Saragiotto

É uma tragédia anunciada, que se repete todos os anos. No início das chuvas de verão na região Sudeste do País, o alerta para o aumento de ocorrências de desastres, como inundações, desabamentos e deslizamentos, é acionado.
A preocupação é ainda maior dos moradores de áreas de infraestrutura precária, que vivem perto de encostas de morros ou à beira de rios. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) aponta que, em 2018, eram 8,27 milhões de brasileiros vivendo em áreas de risco em 872 municípios. Desse total, 26,1% não contavam com saneamento básico e 4,1% estavam sem destino adequado para o lixo. A incidência desses acontecimentos impacta diretamente na mobilidade, ou na falta dela, uma vez que esses incidentes bloqueiam vias e limitam o ir e vir das pessoas, desencadeando uma série de outros prejuízos.
No dia 10 de fevereiro de 2020, por exemplo, as precipitações na cidade bateram recorde, atingindo 200 milímetros em dez dias – a maior marca para fevereiro em 37 anos, segundo dados do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet). O Centro de Gerenciamento de Emergências Climáticas, da Prefeitura de São Paulo, registrou, na data, 159 pontos de alagamento em São Paulo, 101 deles intransitáveis, como mostram as imagens que ilustram esta reportagem.
De acordo com Renato Cymbalista, arquiteto e urbanista graduado pela Universidade de São Paulo (USP), as perdas, após cada um desses acontecimentos, são enormes e difíceis de serem contabilizadas. “Ruas e estradas são interrompidas por enchentes e deslizamentos, sistemas de transporte coletivo param de funcionar e, após os desastres, é necessário reparar todos os danos. Mas o mais o mais importante são os prejuízos em sofrimento e vidas perdidas”
, afirma.
De maneira geral, as áreas de risco estão associadas à deficiência de infraestrutura urbana e saneamento básico. “São regiões de mananciais ou encostas ocupadas de forma desordenada, com ausência de sistemas de drenagem para águas pluviais, com córregos não canalizados. Localizam-se, em sua maioria, na periferia das cidades, em áreas de grande densidade populacional e onde a atuação do Poder Público, por meio de obras de infraestrutura, tem menor alcance”, explica Luciano Machado, engenheiro civil e sócio da MMF Projetos, empresa de engenharia especializada em projetos de infraestrutura.
Repermeabilização do solo poderia ser uma solução
De acordo com o engenheiro, as medidas para evitar os que são chamados pelas autoridades de “desastres naturais” deveriam ter sido tomadas ao longo do ano. “Agora, não há mais tempo hábil para se realizar as obras necessárias. O mais eficaz, em grande parte, seria investir de forma consistente em infraestrutura básica; porém, o tema enfrenta resistência pela complexidade e pelo alto custo de execução”, diz Machado.
Os custos das obras são os principais empecilhos, alegam as autoridades, mas, quando observamos o impacto das catástrofes, esse argumento não faz sentido, principalmente se pensarmos nas vidas perdidas. Prejuízos causados por desastres naturais, no Brasil, custaram ao menos R$ 182,8 bilhões, entre 1995 e 2014, uma média de R$ 800 milhões por mês
, de acordo com um estudo feito pelo Centro de Estudos e Pesquisas sobre Desastres (Ceped), da Universidade de Santa Catarina, feito com o apoio do Banco Mundial. Estão incluídas na pesquisa tragédias como as que atingiram a Região Serrana do Rio de Janeiro em 2011, que deixou 918 mortos, além das inundações do Vale do Itajaí (SC) em 2008, em São Luiz do Paraitinga (SP) em janeiro de 2010 e a seca que atinge diversas cidades do Nordeste desde 2013.

De acordo com Luciano Machado, engenheiro civil e sócio da MMF Projetos, as medidas recomendadas para os órgãos responsáveis variam de acordo com a situação de cada local. Pensando na prevenção de deslizamentos, a solução mais consistente para áreas instáveis é a chamada “cortina atirantada”, uma estrutura de concreto feita nas encostas que impede movimentações de terreno.
Também podem ser realizadas soluções de terraplanagem, que tem custo menor na comparação com a estrutura de concreto e implementação mais simples. “Tudo deve ser inspecionado por um engenheiro especializado para que seja tomada a melhor decisão para cada terreno. É importante reforçar, também, que não existe solução única”, avisa Machado.
Para o arquiteto e urbanista Renato Cymbalista, desastres naturais como deslizamentos ou mesmo enchentes são, em grande medida, evitáveis com o uso responsável do solo e com boas políticas de habitação para que as pessoas não precisem ocupar áreas de risco. “Nas regiões já densamente ocupadas, é possível remediar a situação, com a repermeabilização do solo e com o engajamento da população – por exemplo, na instalação de lugares de drenagem e jardins de chuva”, explica.
Como a população pode contribuir
As mudanças estruturais, na opinião do engenheiro da MMF Projetos, devem partir do Poder Público, que, além de desenvolver as reformas e melhorias, também tem a responsabilidade de alertar as pessoas para mudanças preventivas de comportamento, tanto de topografia como de volume das precipitações. Na falta de uma atuação efetiva pelos órgãos competentes, algumas ações, tomadas pela própria população, podem ajudar a diminuir os danos desencadeados pelas chuvas constantes
. São elas: descartar o lixo de forma correta, nunca jogando os resíduos em encostas, córregos e bocas-de-lobo; manter limpos ralos, esgotos, galerias e valas; e, de maneira nenhuma, construir às margens de cursos d’água, sobre aterros ou próximo a brejos.

Moradores de áreas consideradas de risco também devem estar atentos a alguns sinais durante o período mais intenso das chuvas. Alguns dos mais comuns são árvores inclinando nos arredores, trincas nas paredes ou mesmo no chão. De acordo com Machado, é preciso redobrar a atenção em caso de movimentações do terreno e observar se a água da chuva está barrenta ou se contém plantas e troncos, que são indícios de inundação. “É importante fortalecer muros e paredes poucos confiáveis e providenciar a poda ou o corte de árvores com risco de queda”, afirma o especialista.
Alagamentos mais comuns
De acordo com a Prefeitura de São Paulo, existem na cidade 287 rios, riachos e córregos que atravessam o município. O Projeto Rios e Ruas registra, além destes, em torno de 300 cursos d’água nas imediações. Com a urbanização e a consequente pavimentação das ruas e avenidas, a absorção da água pelo solo fica cada vez mais difícil, e os alagamentos, cada vez mais comuns. Com a chegada do período chuvoso, os paulistanos sabem que é só esperar pelos alagamentos.
“Inicialmente, o que deveria ter sido feito era a ocupação controlada das áreas de mananciais e adjacentes a rios e córregos na cidade. Considerando o nível de ocupação que já existe, o Poder Público deve intervir realocando as famílias que se encontram em locais mais críticos”, diz Machado.
De acordo com ele, o lixo descartado incorretamente agrava ainda mais o problema. “O descarte irregular dificulta o escoamento de córregos, cria pontos de estrangulamento do fluxo das águas, gera superfícies propícias a deslizamento de solo e detritos. Essa condição também está associada a áreas com deficiência de infraestrutura urbana”, completa.

5 passos que ajudam na prevenção de desastres
- Descarte o lixo corretamente, sempre em local elevado e protegido da água em caso de alagamento
- Nunca construa em áreas de risco, como encostas, às margens de cursos d’água, sobre aterros ou próximo a brejos.
- Fique atento a sinais dentro da residência, como trincas nas paredes ou mesmo no chão, que indicam que a estrutura pode estar comprometida
- Observe a cor da água: se estiver barrenta, é indício de inundação
- Providencie, na Prefeitura, a poda de árvores no entorno da residência que estão com risco de queda.
Prejuízos das enchentes de 10 de fevereiro
- R$ 110 milhões em perdas para o comércio, de acordo com a Fecomércio/SP
- R$ 24 milhões de prejuízo, registrado pela Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais do Estado de São Paulo (Ceagesp), com 7 toneladas de frutas, legumes e verduras que foram para o lixo
- 159 pontos de alagamento em São Paulo, 101 deles intransitáveis, registrados pelo Centro de Gerenciamento de Emergências Climáticas da Prefeitura de São Paulo na data, que pararam a cidade.
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