Mobilidade e planejamento urbano andam juntos, ou pelo menos deveriam. Foi nas últimas décadas que a palavra “mobilidade” ganhou destaque no vocabulário das cidades. Antes disso, o foco era em transporte. Sobretudo, no transporte individual: foi para os carros que se planejaram as cidades, que se construíram viadutos e alargaram as vias urbanas.
Mas este não é mais um artigo sobre como aumentar a infraestrutura para carros não garantiu a fluidez do trânsito e ainda impulsionou o aumento da frota e os congestionamentos. Olhemos para outro efeito colateral dessa perspectiva rodoviarista: o espraiamento das cidades e seus impactos negativos sobre a vida das pessoas e sobre o planeta. Porque é preciso agir agora para conter o espraiamento que virá depois. E, sem planejamento adequado, ele sempre vem.
A cidade espraiada afasta as pessoas das oportunidades, torna ineficiente a mobilidade e o transporte, exclui da vida urbana as populações de menor renda. Promover cidades compactas, por outro lado, é uma das mais eficientes medidas para cortar emissões de carbono do transporte urbano. Cidades em que a moradia e a infraestrutura de mobilidade estão conectadas, e em que as pessoas podem acessar emprego, educação e serviços com facilidade e a distâncias mais curtas.
Não é por acaso que as populações ocupam áreas de risco, sujeitas a deslizamentos e a todo tipo de inconveniente. Todos queremos estar perto da cidade e das oportunidades urbanas. A mobilidade e o acesso, em uma cidade dispersa e desconectada, são um desastre cotidiano – sobretudo para as populações já desassistidas.
Não há espaço viário que dê conta de hordas de motoristas que precisam percorrer quilômetros e quilômetros para ir ao trabalho, à escola, ao parque. Nem sistema de transporte coletivo que consiga manter a tarifa a valores razoáveis diante dos custos operacionais que crescem e da demanda que diminui.
Como reverter os impactos negativos de uma cidade espraiada? Como aproximar a periferia do centro? É certo que seria desejável poder fazer isso como quem edita uma imagem no computador. Infelizmente, não há photoshop que conserte o mapa da cidade. A forma mais custo-efetiva de combater o espraiamento é evitá-lo. Uma vez que ele já é uma realidade em nossas cidades, desfazê-lo é um processo gradual, que requer ação imediata e contínua de quem planeja e gere o desenvolvimento urbano – seja no ordenamento territorial, nos investimentos em infraestrutura ou na necessária promoção de novas centralidades.
Confira o que pensam outros embaixadores da Mobilidade Estadão
Um exemplo são as habitações do programa Minha Casa, Minha Vida, relançado pelo governo federal. No passado, os investimentos para sanar o déficit habitacional das faixas mais vulneráveis se deram onde a terra é mais barata. Ou seja, na periferia. Seria desastroso repetir esse equívoco. Os custos sociais, ambientais e econômicos são tremendos, e não oneram “apenas” a população mais pobre.
Em 2017, o WRI Brasil fez um estudo com o governo federal que mostrou que os custos de se prover transporte, infraestrutura e serviços para novas habitações em áreas de expansão urbana chegam a ser 60,5% maiores do que construir próximo a uma região consolidada. Quem paga é o município e a população.
Dá para levar esses custos para perto de zero se as habitações forem dentro da cidade. Além de aumentar o acesso a oportunidades de emprego, de lazer e de educação. Um impacto enorme na qualidade de vida da população. O preço da terra pode parecer proibitivo, mas há inúmeros instrumentos estabelecidos pelo Estatuto da Cidade e nos planos diretores para viabilizar o acesso a terrenos bem localizados. Afinal, o que torna a terra cara ali? Em última – ou primeira – instância, a infraestrutura, os serviços e o investimento público.
Quando as pastas de planejamento urbano, mobilidade e economia olham juntas para os desafios urbanos, a leniência com a expansão da cidade deixa de parecer uma boa ideia. A habitação, sem o uso eficiente e sustentável do solo e da infraestrutura, não vai resolver a trágica desigualdade socioeconômica, que seguirá fazendo as mesmas vítimas de sempre.
Artigo escrito em parceria com Henrique Evers, gerente de Desenvolvimento Urbano do WRI Brasil