O preço da ‘imobilidade urbana’. Congestionamentos causam prejuízos de até 2% do PIB brasileiro. Saiba por quê

Lentidão do trânsito ‘rouba’ diariamente produtividade das pessoas e torna as cidades menos saudáveis. Foto: Adobe Stock

Há 3h - Tempo de leitura: 5 minutos, 22 segundos

Quem vive em grandes metrópoles já se acostumou com congestionamentos, deslocamentos casa-trabalho que, dependendo da situação – como condição metereológica, acidentes, manifestações, entre outras – podem até levar o dobro do tempo usual para serem percorridos. E esse desafio diário não poupa ninguém: ele atinge usuários de transporte público e de veículos particulares.

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Os custos da falta de mobilidade urbana, ou da ‘imobilidade urbana’ são altos, mas difíceis de mensurar. Mas suas consequências são facilmente percebidas pela população: essa ineficiência rouba tempo, produtividade e qualidade de vida e, para as cidades, se traduz em locais menos inteligentes e inclusivos e mais poluídos.

“Existem vários estudos para monetizar a falta de mobilidade urbana nas principais metrópoles brasileiras, alguns citam prejuízos de R$ 200 bilhões anuais, outros falam em até 2% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional. Mas são números que dependem muito do critério da amostra e da sua metodologia”, explica Marcus Quintella, diretor da FGV Transportes.

Mais de um mês improdutivo por ano

De acordo com Quintella, mesmo sem um consenso sobre o valor, contudo, os prejuízos são enormes. Ele explica que nas regiões metropolitanas de São Paulo e Rio de Janeiro já existem estudos que mostram que as pessoas gastam, em média, entre 1h30 e 2h30 em deslocamentos diários e algumas levam esse tempor para cada trecho, chegando a 5 horas por dia dentro do meio de transporte. “Isso equivale a mais de um mês por ano em horas ‘roubadas’, que poderiam ser produtivas”, afirma.

O especialista chama atenção também para o impacto na qualidade de vida das pessoas. “Esse tempo perdido poderia ser usado para o trabalho, para estudar, para conviver com a família, para descanso e lazer. Então, esse problema afeta tanto a produtividade quanto a saúde física e mental das pessoas”, diz.

Transporte público de qualidade

De acordo com Luiz Carlos Nespoli, superintendente da Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP), entidade que se debruça sobre e esse tema e possui vários estudos nesse sentido, é fundamental levar em conta que não existe uma solução física, como interferências nas vias como túneis e viadutos, entre outros, sem que se promova mais congestionamento.

“Saíamos de 1 automóvel para cada 9 habitantes no Brasil, no início da década de 1990, para 1 automóvel para cada 2 habitantes em 2025”, diz. Nespoli explica que mesmo com os investimentos na ampliação da infraestrutura viária ao longo de anos – que, de acordo com ele, foram 4 vezes maiores que os feitos na infraestrutura para transporte público – eles não têm se mostrado suficientes.

“Não é possível absorver, com a infraestrutura existente, essa quantidade de carros sem provocar lentidão e congestionamento. Tampouco é possível ampliar esse infraestrutura”, diz Nespoli.

Para o superintendente, para reverter essa situação é preciso priorizar os investimentos no transporte público. “A velocidade média de ônibus circulando em meio ao tráfego geral é de 14 km/h, enquanto a do metrô é 32 a 34 km/h. Em corredores de BRT [exclusivos para ônibus] a velocidade média chega entre 22 a 24 km/h. Este aumento, segundo estudos da ANTP, já reduziria o custo do transporte público em 16% na capital paulista”, declara.

Para Quintella, o foco do poder público deveria ser uma combinação de modais. “Faltam investimentos consistentes em transporte público de alta capacidade, que é metrô e o trem e, em paralelo, investimentos em corredores de média capacidade, que são os BRTs, VLTs e monotrilhos. E todos eles precisam estar integrados, de forma física e tarifária”, lembra.

Lentidão no trânsito gera prejuízo de R$ 10 milhões por dia em SP

Um estudo publicado em 2023 pela FGV Cidades para o Banco Mundial calculou o atraso nos congestionamentos na capital paulista, considerando veículos particulares e transporte público (ônibus).

De acordo com Ciro Biderman, professor e diretor do FGV Cidades, a pesquisa indica que o congestionamento reduz o tempo de deslocamento dos outros automóveis em cerca 1 milhão de horas por dia.

“Ou seja, se somarmos o tempo perdido por cada veículo por conta do congestionamento ao longo de um dia útil, comparando o tempo que levam para se deslocar com o tempo que levariam se não houvesse congestionamento, temos um total de 1 milhão de horas ou 999 mil horas para ser mais preciso”, explica.

O estudo revela, também, que o efeito sobre os deslocamentos somam 1,2 milhões de horas – ou exatas 1.152 mil horas. “Ou seja, isso é resultado da soma do tempo perdido por cada um dos usuários de ônibus, da mesma forma que contabilizamos para usuários de carros”, afirma.

Perda de produtividade em valores

Ciro explica que uma estimativa da perda de produtividade comum na literatura é feita multiplicando o número de horas ‘perdidas’ por metade do salário do indivíduo.

“Dessa forma, fazendo essa conta, chegamos em um custo de R$ 6,6 milhões por dia para os usuários de carro e de R$ 3,9 milhões por dia para os usuários de ônibus. Isso porque os salários dos que utilizam ônibus é consideravelmente mais baixo do que o dos usuários de carro, levando em conta valores de 2017”, diz.

Para o professor, se parte dos usuários dos carros migrassem para o transporte público já melhoraria consideravelmente a lentidão. “Com 10% menos carros em circulação, o trânsito já despencaria. Mesmo que fosse necessário aumentar o número de ônibus”, diz.

Para o professor, é necessário fazer investimentos corretos em transporte público. “Assim, ao criar vias segregadas para os ônibus começamos a deixá-los mais rápidos e mais atrativos. É a única forma de competir com carros”, afirma.

Investimentos em vias segregadas, corredores e BRTs são oportunidades de melhorias, de acordo com Ciro. “Porque eles garantem frequência e a precisão de saber que você levará 10 minutos no deslocamento e não 20 minutos, o que é muito importante para o usuário”, finaliza.

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