Ana Patrizia Lira

Diretora executiva da ANPTrilhos

É preciso dar velocidade aos trilhos

Brasil tem 21 sistemas urbanos de trilhos, atendendo a 73 municípios em 11 Estados e no Distrito Federal, sem qualquer avanço no número de cidades atendidas em 2025. Foto: Divulgação/CPTM

Há 3h - Tempo de leitura: 3 minutos, 52 segundos

Enquanto países desenvolvidos e emergentes apostam na expansão de suas redes ferroviárias como solução estratégica para mobilidade, integração regional e redução de emissões, o Brasil segue preso a uma malha tímida e avança lentamente. Mesmo com o reconhecimento crescente do transporte sobre trilhos como modal estruturante e sustentável, a realidade é que nossas cidades e regiões ainda não têm o protagonismo que poderiam, e deveriam, exercer nesse campo. Aqui, seguimos com uma malha limitada e em alguns locais até subutilizada, um contrassenso diante do potencial transformador que os trilhos oferecem.

O investimento em infraestrutura metroferroviária tem implicações que vão muito além do transporte em si. Ele redefine o acesso à cidade, amplia as possibilidades de deslocamento de maneira mais justa e conecta pessoas a empregos, serviços e oportunidades. Ao criar novas centralidades urbanas e induzir um padrão mais compacto e sustentável de ocupação do solo, os trilhos atuam como ferramenta poderosa de requalificação urbana. Ignorar isso é continuar empurrando os desafios da mobilidade para um futuro que já chegou.

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A retórica oficial já reconhece o transporte sobre trilhos como modal sustentável, eficiente e estruturante. Mas é preciso que o discurso se traduza em ação, com decisão por novos investimentos com a urgência e a escala necessárias. Para potencializar o que está em operação e impulsionar novos projetos, deve haver a definição de políticas tarifárias que prevejam integração com outros modais e facilitem os meios de pagamento para os usuários. É fundamental marcos legais que organizem a pulverização de competências entre União, estados e municípios, para se chegar a gestão integrada do transporte público.

Transporte sobre pneus está saturado

O transporte baseado essencialmente em veículos sobre pneus já mostra sinais de saturação nas médias e grandes cidades. À medida que os centros urbanos crescem em população e área, a mobilidade sobre trilhos torna-se não apenas desejável, mas necessária para sustentar o funcionamento da vida urbana. Modais como metrôs, trens urbanos e VLTs não apenas transportam mais pessoas com eficiência, mas ajudam a redefinir a forma como as cidades se organizam e se desenvolvem. Onde há trilhos, há oportunidade de densificação inteligente, uso racional do solo e redução de emissões.

Essa estagnação de investimento em transporte público tem impacto direto na vida dos brasileiros. A Pesquisa de Mobilidade Urbana da CNT (2024) mostrou que o transporte é hoje um dos três principais problemas das cidades, citado por quase um quarto da população. Em 2017, esse índice era de 12,4%.

De 2015 a 2024, a malha metroferroviária urbana do País cresceu apenas 124,8 km, passando de 1.012,7 km para 1.137,5 km. Esse avanço, que representa pouco mais de 12 km por ano, não acompanha as necessidades crescentes da população nem o agravamento da crise de mobilidade urbana. Nos últimos dois anos, foram apenas 8,2 km de expansão e permanecemos com 21 sistemas urbanos de trilhos, atendendo a 73 municípios em 11 Estados e no Distrito Federal, sem qualquer avanço no número de cidades atendidas em 2025. 

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Projetos importantes estão em andamento e merecem atenção, como a expansão das Linhas 4-Amarela e 5-Lilás na capital paulista, a implantação do VLT de Salvador e região metropolitana, a retomada das obras do Metrô de Belo Horizonte e o novo trecho do Metrô do Distrito Federal. No âmbito regional destacam-se os estudos de trem regional conduzidos pelo Ministério dos Transportes entre Luziânia e Brasília e Salvador e Feira de Santana. Além disso, iniciativas como o novo Marco Legal do Transporte Público Coletivo (PL 3.278/2021) e os estudos conduzidos pelo Banco Nacional do Desenvolvimento Social (BNDES) e Ministério das Cidades podem abrir novos caminhos, se acompanhados da prioridade política necessária. 

Os empreendimentos metroferroviários exigem planejamento, capital intensivo e maturação de longo prazo e, por isso, é fundamental a responsabilidade regulatória, estabilidade institucional e um compromisso real com a construção de um ambiente de negócios confiável, que enxergue os trilhos como eixo do futuro. Cidades mais humanas, produtivas e sustentáveis só serão possíveis com redes estruturadas de transporte coletivo sobre trilhos. A hora de acelerar é agora.