Economia compartilhada entra no radar dos pequenos negócios

Pedro Santelmo, fundador da Vem de Bolo, e a confeiteira Stephanie Parizi, cadastrada na plataforma. Foto: Felipe Rau/Estadão

14/07/2019 - Tempo de leitura: 5 minutos, 47 segundos

O carro que não é usado alguns dias da semana pode ser compartilhado com outra pessoa, não necessariamente conhecida. O objetivo é dividir os custos ou mesmo monetizar esse período ocioso do veículo. Como o arranjo acontece? Geralmente por meio de um aplicativo, que concentra da busca ao pagamento. Essa é a base da economia compartilhada: acesso de um ativo (carro, casa, roupa, etc) baseado em tempo de uso e intermediado pela tecnologia. Mesmo com grandes multinacionais no setor, como Airbnb e Uber, empreendedores começam a entrar de vez no mercado, principalmente em segmentos como mobilidade e alimentação.

“O setor passou a ser representativo nos últimos 15 anos, com o avanço não apenas das plataformas digitais, mas principalmente com a evolução da segurança da avaliação, tanto do prestador de serviço como do interessado no mesmo”, diz o professor de empreendedorismo do Insper, Marcelo Nakagawa.

É justamente esta preocupação com a qualidade do produto e segurança que faz Pedro Santelmo, fundador da Vem de Bolo, entrar com cautela no mercado. A empresa que conecta boleiras com clientes na capital paulista foi fundada no fim do ano passado e começou a operar com 15 profissionais. Atualmente, são 43 confeiteiras ativas e uma lista de espera de 280 profissionais. “Todas passam por uma curadoria, com entrevista, visita ao local de trabalho, degustação e check list da Anvisa, com as diretrizes do guia de boas práticas para a manipulação de alimentos”, conta Santelmo.

A interferência da empresa na gestão do pedido é mínima. Quando efetuado na plataforma, as confeiteiras são avisadas por ligação ou mensagem. No site, a profissional tem um painel de controle, para ver data, região e ainda falar com o cliente por meio de um chat. A plataforma cobra 16,2% de cada pedido (12% de taxa e 4,2% de despesas de pagamento). 

“Na economia compartilhada se trabalha com dois clientes. No meu caso, a boleira e o consumidor. Tenho que manter essa gangorra equilibrada para deixar a empresa saudável”, diz, sobre os desafios do setor. A empresa fechará o mês com 100 pedidos e planeja encerrar 2019 com 70 boleiras ativas.

Com foco na mobilidade, Tamy Lin criou, em 2017, a Moobie, plataforma P2P (pessoa para pessoa) de compartilhamento de carros. Um proprietário com o veículo ocioso pode cadastrá-lo na plataforma e então alugá-lo, com valor baseado na tabela FIPE. O negócio, inicialmente inédito no País, atua hoje em mais de 100 cidades, tem 320 mil clientes na plataforma e 20 mil veículos cadastrados.

“Ainda é um desafio, se pensarmos que, no Brasil, temos milhões de carros particulares subutilizados. Mas acredito que é um trabalho de educação e estruturar o produto para que as pessoas confiem”, diz Tamy. 

O maior investimento da Moobie foi na segurança da comunidade. “Desenvolvemos tecnologia na detecção de fraudes.” Apenas com aluguel de diárias, a empresa cobra taxa de 20% do proprietário do carro e R$ 10 do usuário, para cobrir taxas do pagamento. A Moobie já recebeu R$ 15 milhões de aporte de investidores-anjo.

Também no segmento de mobilidade, a Jaubra ganhou notoriedade na cidade de São Paulo após o Uber classificar, em 2017, a região da Brasilândia como área de risco e, assim, deixar de atender o local. Alvimar da Silva, que era motorista do aplicativo, identificou então uma oportunidade. Começou, sozinho, a fazer corridas na região e logo criou uma cooperativa de motoristas, que atendia via ligações ou mensagens. 

Após passar por um processo de aceleração e conseguir capital-semente de R$ 20 mil, a empresa se profissionalizou e começou a atender os chamados em uma plataforma terceirizada. O próximo passo foi, com aporte de R$ 32 mil de um segundo processo de aceleração em 2018, investir em um aplicativo próprio, que estará ativo até o fim deste mês. 

“Meu pai colocou a ideia em prática com um notebook, um celular e uma ferramenta gratuita, o Google Maps, na qual ele fazia o cálculo do trajeto. Mas sabemos que precisamos de mais investimento para levar a empresa para outras regiões e Estados”, diz Aline Landim, filha e braço direito de Alvimar na Jaubra. A empresa tem atualmente 60 motoristas ativos e 400 cadastrados, que esperam a implementação do aplicativo. A Jaubra cobra 15% do valor da corrida. 

Desafios. Segundo o professor de empreendedorismo do Insper, Marcelo Nakagawa, o mercado de economia compartilhada exige estratégia de escala e grandes investimentos

O especialista também cita algumas armadilhas. “Existe o risco do bypass, quando o vendedor entra em contato direto com o cliente e não paga a comissão da plataforma. Outro risco é que soluções de economia compartilhada tendem a ser feitas com aplicativos, que precisam de atualização constante, gerando custo. Por fim, como o negócio tende a ser novidade, o nível de profissionalismo dos envolvidos é baixo, exigindo treinamento dos prestadores de serviço e convencimento dos usuários.” 

Para se consolidar, Nakagawa diz que a solução criada precisa resolver todas as demandas do público. “Pode ser uma plataforma de demanda única, como transporte, ou de jornada do cliente.”

B2B. Com foco em atender produtores de cerveja que não têm fábrica própria, os chamados cervejeiros ciganos, André Franken criou junto com um sócio a Startup Brewing, que iniciou as operações em setembro de 2018 já produzindo 30 mil litros de cerveja no primeiro mês.

O empreendedor enxergou esta lacuna no mercado quando quis transformar o hobby de cervejeiro caseiro em negócio. As dificuldades em encontrar uma fábrica terceirizada para produzir a sua cerveja fez com que Franken formatasse uma estrutura com o objetivo de atender diferentes marcas ao mesmo tempo.

“O primeiro passo foi criar um aplicativo, para que o cervejeiro pudesse acompanhar toda a produção sem precisar sair de casa”, conta. O empreendedor ainda diz que o aplicativo também contribui para solucionar questões tributárias. “Os cervejeiros têm muitos tributos para pagar, e um delesé  o ICMS, que muda em cada Estado. Por isso, muitas vezes é melhor produzir a cerveja no Estado em que se quer distribuí-la, para diminuir este custo. Com o aplicativo, ele pode ser de qualquer local do País e fabricá-la aqui”, afirma. 

A estrutura de 6 mil m² localizada em Itupeva (SP) atende atualmente 15 cervejeiros ciganos e produz 70 mil litros por mês. O valor cobrado, chamado de taxa de industrialização, é de R$ 5 por litro. Conforme o volume aumenta, este valor cai. A Starup Brewing ainda cobra pelos insumos (malte e lúpulo, por exemplo).