“Em 2025, vamos concluir os testes da célula a etanol”

“Não será preciso ligar o veículo na tomada. Para o consumidor, bastará parar no posto e encher o tanque com etanol.” Foto: Divulgação: Nissan

24/01/2022 - Tempo de leitura: 13 minutos, 2 segundos

A trajetória de Airton Cousseau na Nissan é impressionante. O gaúcho presidiu a empresa no México, país onde a marca tem sua maior participação de mercado no mundo. Também foi o primeiro ocidental a comandar a operação da companhia na China e liderou a empresa nos Estados Unidos – ou seja, nos dois maiores mercados de veículos do planeta.

Ele conta que ama o Brasil e, por isso, não perdeu a oportunidade de voltar e ter, como afirma, “uma churrasqueira com um apartamento em volta”. O presidente da Nissan Mercosul e diretor geral da empresa no País repetiu ao Estadão, como um mantra, que sente orgulho de ser brasileiro e do time com o qual trabalha.

A menina dos olhos de Cousseau é o projeto que pretende lançar a célula a etanol antes de 2030. O executivo falou sobre o sistema, que gera energia elétrica por meio de reação química, não produz CO2 e poderá ser utilizado em qualquer tipo de veículo, bem como sobre os resultados e as perspectivas da empresa.
 
Que balanço o sr. faz do desempenho da Nissan em 2021?

Airton Cousseau: Em 2021, houve vários desafios. Não só para a indústria automotiva. Então, decidimos cuidar da saúde das pessoas. Não tivemos muitos casos (de contaminação por covid). E a produção não foi paralisada por isso, mas por causa da determinação de autoridades de saúde e, depois, por questões ligadas aos fornecedores. Além da falta de semicondutores, tivemos grandes desafios na logística, que virou um caos.

Houve até casos de contêineres descarregados em portos de outro país. Não foi em porto errado, mas em país errado. Seja como for, 2021 talvez tenha sido o ano em que eu mais aprendi. Tivemos de fazer muita coisa para manter as operações funcionando, inclusive com a rede de concessionárias. Mas isso nos deixou ainda mais próximos da rede.

Na comparação com 2021, crescemos 6,4% em volume, enquanto o setor cresceu 3%. Ganhamos um pouco mais de participação. Isso é ainda mais importante considerando que atuamos em apenas três ou quatro segmentos de mercado. A gente anunciou investimentos para a abertura do segundo turno de produção na fábrica de Resende (RJ) e vamos contratar mais gente.

No mês passado, o Kwid, que é feito lá, foi o líder de vendas do segmento na Argentina. Outro aspecto muito bom é que estamos liderando o processo de eletrificação. O Leaf foi o carro elétrico mais vendido no Brasil em 2021. Os volumes ainda são pequenos, mas o crescimento é enorme.

O carro elétrico está chegando para ficar. E a Nissan está na vanguarda disso. A filosofia da empresa é “Zero emissões e zero fatalidade”. Fizemos uma parceria com a (locadora) Movida para desmitificar o veículo elétrico no Brasil. Assim, criamos a oportunidade para que mais brasileiros possam dirigir nosso carro.

Portanto, posso dizer que 2021 foi um ano extremamente positivo para Nissan.

O consumidor ainda tem muita dúvida em relação ao carro elétrico. Por exemplo, como faz para carregar…

Cousseau: É tão fácil como recarregar o celular. À noite, você chega em casa e conecta na tomada. Na manhã seguinte, desconecta e pode rodar muito. Se você anda 70, 80 quilômetros por dia, é muito tranquilo. E, para quem vai viajar para mais longe, a rede de pontos de recarga está se desenvolvendo rapidamente no Brasil.

Empresas grandes, como a Raízen e a Shell, têm planos agressivos de implementação de infraestrutura para recarga de veículos elétricos. Não é o trabalho de uma empresa ou um setor, mas todo mundo junto. Estou muito satisfeito de estar nesse momento no Brasil, porque a Nissan pode ser uma das empresas de ponta na eletrificação veicular do País.

Como está o projeto de geração de energia elétrica a partir de biocombustível, que a Nissan vem desenvolvendo no Brasil?

Cousseau: Está andando bem. Essa pesquisa tem quase seis anos. A gente consegue rodar quase 800 km com um tanque de etanol, com a vantagem de ser neutro em emissões. O etanol tem uma enorme capacidade de gerar energia na célula a combustível.

A gente consegue  produzir hidrogênio dentro do carro e o hidrogênio gera a energia que será enviada ao motor elétrico. Então, não vai ser preciso conectar o veículo na tomada. Para o consumidor, basta parar no posto e encher o tanque com etanol. O projeto conta com parcerias com universidades no Brasil e empresas como a Raízen, que está cooperando sobretudo na parte do desenvolvimento do etanol. Esse projeto é muito forte dentro da Nissan.

A célula a combustível pode ter vários tipos de aplicação. Dá para usar em carros, motos, aviões, barcos e até em motores estacionários. O board no Japão está tão entusiasmado que mandou antecipar de 2023 para este ano a instalação, na fábrica de lá, de um sistema estacionário a célula a etanol. O combustível vai ser enviado do Brasil.

Eu gostaria de acelerar o processo de lançamento, mas é preciso respeitar os planos de desenvolvimento. O mais importante é que todos os obstáculos já têm solução. Em 2025, ou seja, em menos de três anos, vamos concluir os testes da célula a etanol e iniciar a fase de marketing. Quando eu ouvi falar desse projeto, e que foram os engenheiros brasileiros que desenvolveram, eu senti ainda mais orgulho do nosso pessoal e do País.

A genialidade do nosso pessoal é fantástica. Estou muito entusiasmado porque como esse não é um negócio só para a Nissan. É para o Brasil e para o mundo, porque o etanol é brasileiro é há mais países adotando o biocombustível. Além disso, o fuel cell funciona também com gás natural, que muito forte na Rússia, e qualquer outro biogás. É muito bom estar aqui neste momento.

“O board no Japão mandou antecipar, de 2023 para este ano, a instalação de uma célula a etanol na fábrica de lá.”” Foto: Divulgação: Nissan

O sistema deve chegar ao mercado antes do fim da década?

Cousseau: Sim. E dá para desdobrar esse produto. Não estamos falando apenas de automóveis, mas de qualquer outra aplicação que precisa de motor. Essa é a parte que mais me deixa mais entusiasmado. Imagine a gente produzindo fuel cell no Brasil e exportando?

Normalmente, a gente cria alguma coisa aqui e a produção acaba indo para outro lugar. Eu não quero deixar que isso aconteça.

A Nissan tem um sistema em que um pequeno motor a combustão gera energia para o motor elétrico. Esse híbrido virá ao Brasil?

Cousseau: A gente chama de e-Power. É um veículo elétrico, mas a eletricidade é gerada por motor a combustão pequeno, de três cilindros. Tive o prazer de participar do início desse projeto no Japão. Quando trabalhei na China, propus que o sistema fosse levado para lá também e, em dezembro do ano passado, as vendas começaram por lá.

Estamos estudando trazer o sistema para o Brasil. Além de ser muito econômico, esse tipo de carro oferece uma ótima sensação para quem dirige, pois as respostas são a de um elétrico. Trouxemos algumas unidades para teste, mas ainda não há data de lançamento. Outra coisa que precisamos melhorar é a conectividade.

Na China, por exemplo, dá para saber o momento em que o motorista está dirigindo. Assim, o seguro só é cobrado pelos períodos em que o carro não está parado na garagem. Por meio da conectividade, dá para saber se o carro está em uma cidade ou na estrada e customizar os preços e serviços de acordo com o uso.

Para o cliente, isso é muito vantajoso. Temos um centro de desenvolvimento de novas tecnologias em Curitiba (PR). Foi lá que criaram a célula a etanol. Mas também estão trabalhando em novos sistemas de conectividade, entre outras soluções.

O que é preciso para que o desenvolvimento de tecnologia seja mais eficaz?

Cousseau: Infraestrutura é tudo. Mas a duplicação da estrada que liga Curitiba e São Paulo demorou 50 anos para ser feita. Na China, por exemplo, as coisas acontecem de forma muito rápida e profunda. Eu morava em Guangzhou, no sul do país, perto de Hong Kong. Quando cheguei ao país, o metrô da cidade já era espetacular.

O pagamento era feito com um cartãozinho, como o de Nova York (EUA). No ano seguinte, já dava para pagar com o celular. No outro ano, o sistema poderia usar reconhecimento facial. Ou seja, uma velocidade incrível de atualização. Então, no Brasil a gente precisa investir mais em infraestrutura.

O agronegócio, por exemplo, está explodindo e a gente não tem conexão no campo. Deveria ter e de boa qualidade. Há máquinas altamente sofisticadas e até autônomas, mas não dá para utilizar todos os recursos porque não há infraestrutura. Então, o investimento em infraestrutura é fundamental para desenvolver o Brasil.

Qual foi o momento mais difícil para o sr.?

Cousseau: Essa é uma crise diferente, por causa da pandemia. A maior que eu vivi foi no Uruguai,  quando o país quebrou. O mercado era pequeno. Então, a matriz veio e disse: “Fecha a operação!” Eu respondi: “Mas de jeito nenhum. Os uruguaios não vão voltar a andar a cavalo e o progresso vai continuar.”

Fizemos algumas mudanças e, por realmente acreditar que o negócio iria se recuperar, passamos de 12% para 25% de participação. Então, nos momentos de crise eu não ponho o pé no freio não, eu acelero. Tem um monte de gente querendo que eu freie, mas a minha característica é acelerar. Obviamente, a parte de investimento tem de ser muito discutida com o Japão. Sobretudo na fase em que estamos agora no Brasil. Somos uma empresa muito jovem aqui. Porém, estamos quase no ponto de sermos sustentáveis.

Quando você passa a ser autossustentável, não precisa pedir tanto a bênção da matriz para fazer investimentos. Seja como for, tomamos a decisão de abrir o segundo turno de produção lá no meio da pandemia, não foi agora. Para mim, o processo de decisão é muito simples.

Creio que é nos momentos de dificuldade de mercado que a gente tem de fazer as coisas acontecerem. Porque quando o mercado voltar um pouco ao normal você já vai estar lá, já conquistou mais espaço. Portanto, as  coisa só vão andar melhor do que antes.

O que há de novidade chegando?

Cousseau: Não posso contar, mas tem bastante coisa chegando. Quando a gente vai para a área de conectividade, por exemplo, está prestando um serviço. Ou seja, oferecendo novas opções para melhorar a vida do consumidor. Cada vez a indústria automotriz vai mirar a oferta de serviço. Por exemplo, todas as montadoras têm locação de veículos. No futuro, não vai haver um único tipo de negócio.

Tem gente que diz que a locação vai reduzir a propriedade do veículo e impactar as vendas. Acredito que a venda vai aumentar. A locação vai ajudar as pessoas que não tinham acesso à compra de um veículo. Há vários tipos de consumidor. E essa opção deve ampliar o tamanho do mercado.

Sobre assinatura e locação, há um paradoxo. Em geral, o jovem tem menos interesse pela propriedade, mas não pode pagar. Os mais velhos podem, porém, em geral estão mais ligados ao conceito de propriedade. Como equalizar essa equação?

Cousseau: Normalmente, quem faz contas tem poder aquisitivo maior. Mas vai chegar o momento em que o serviço vai ser acessível. O segmento de SUVs médios, onde, infelizmente, a gente não atua, cresceu 60% no ano passado.

Isso indica que o consumidor tem bom poder aquisitivo. No passado, no Brasil eram vendidos 3,4 milhões de veículos. Com isso, o País era o quarto maior mercado do mundo.

Em 2021, foram 2,1 milhões, o que nos deixou na sétima posição, em que em um empate técnico com a França. Mas o Brasil tem um grande potencial. Com a locação, é possível ampliar o mercado.

O que o governo deveria fazer para fomentar a indústria e da economia?

Cousseau: O Brasil tem uma carga tributária insana, que não ajuda a indústria a se desenvolver. Ou seja, cerca de 45% do preço do carro é imposto. Também é preciso haver estabilidade  jurídica, que impacta de certa forma a estabilidade fiscal. Em São Paulo, por exemplo, o governo recentemente subiu o ICMS.

Embora o Brasil seja o sétimo maior mercado do mundo, está na 20ª posição nas importações. Isso não faz sentido. Não deveria haver imposto sobre a industrialização, mas apenas o imposto sobre o consumo.

Se a gente tirasse o imposto sobre industrialização, a redução não iria cair. Aliás, até aumentaria porque isso iria estimular a cadeia produtiva. Ou seja, ampliaria o número de fornecedores, por exemplo. Ter imposto sobre importação não é a melhor forma de proteger a indústria nacional. É melhor dar condições para o setor ser competitivo.

O mercado lá espera por nós, mas estamos meio que dormindo. E temos condição de fazer melhor.

Quando a falta de componentes deve dar uma trégua?

Cousseau: É um pouco difícil de saber. Eu gostaria de acreditar que a questão seria resolvida em 2022. Porém, isso não deve acontecer. O que a gente faz é acreditar que as coisas vão melhorar. Tanto que estamos abrindo o segundo turno (na fábrica). Em algum momento a pandemia vai ser solucionada.

Creio que no fim da primeira metade deste ano vamos ter uma visão um pouco mais clara. Por enquanto, as coisas ainda estão incertas. No lançamento do novo iPhone, por exemplo, a Apple teve de cortar umas 10 mil unidades dos planos, porque não tinham como entregar.

Se você pudesse mandar uma mensagem ao jovem Airton, quando ele estava saído da faculdade, qual seria?

Cousseau: Eu diria: “Vai para a indústria automotriz. Ela é a mais divertida que existe. Ela vai evoluir muito e você vai se divertir muito lá. A minha mensagem sempre vai ser positiva. Este ano vai ser o melhor ano das nossas vidas. Temos de acreditar muito mais no Brasil e no brasileiro.

Temos de investir mais na educação e na pesquisa. O brasileiro é muito criativo. Quando perguntaram sobre para onde eu queria ir, se iria para o Japão ou para a América do Sul, respondi que viria para cá. Tenho certeza absoluta de que anos melhores virão. Mas para isso temos de fazer coisas melhores hoje.

Obrigado pelo apoio de vocês. A imprensa é muito importante. Quando vocês trazem notícias positivas, todo mundo acredita e as coisas melhoram. Então, agradeço muito tudo o que vocês têm feito pela sociedade brasileira e pelo progresso do nosso País.