Excesso de velocidade é a principal causa de acidentes graves no Brasil

Aliado: Projeto Vias Calmas, da CET, tem foco na redução da velocidade em áreas e fiscalização em áreas com grande concentração de pedestres. Foto: Getty Images

27/09/2023 - Tempo de leitura: 5 minutos, 24 segundos

Mais de 100 crianças morrem por mês, em ocorrências viárias no Brasil, e uma a cada quatro minutos no mundo, de acordo informações disponibilizadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS). E o Brasil atingiu outra triste marca: um aumento de 3,35% no total de óbitos registrados no trânsito, totalizando 33.813 mortes por sinistros, conforme os dados divulgados, em maio deste ano, pelo Ministério da Saúde, relativos a 2021. São 94 mortes por dia (ou mais).

“É como se um avião com esse número de pessoas caísse todos os dias. Por uma série de razões, fomos ‘aceitando’ as mortes no trânsito como algo natural”, afirma Sergio Avelleda, coordenador do Núcleo de Mobilidade Urbana do Laboratório Arq.Futuro de Cidades, do Insper.

Ele explica que é preciso estabelecer medidas mais rigorosas para combater o problema, a exemplo do Visão Zero, conceito de segurança viária com origem na Suécia, implementado em vários países com sucesso: o modelo preconiza que nenhuma vida perdida no trânsito é aceitável.

Vias que perdoam

Avelleda comenta que, mesmo se fôssemos todos “educados” para o trânsito, é preciso considerar a dimensão do erro humano – seja se distraindo, seja dirigindo com sono, seja consumindo drogas, seja trafegando mais rápido do que o permitido, seja atravessando fora da faixa.

Por isso, defende um novo sistema de trânsito que não “condene as pessoas à morte pelo erro”, com ações que incluem, principalmente, a redução da velocidade. “As ruas e estradas precisam ser redesenhadas para ‘perdoar o erro’. Se um carro atropela alguém a 40 km/h, há 90% de chance de sobrevivência. Já a 70 km/h, essa probabilidade cai para menos de 20%”, compara.

“E, em um atropelamento a 30 km/h, o pedestre tem 90% de chance de sobreviver. Já a 80 km/h, apenas 10%. Ou seja, um em cada nove vai morrer. Portanto, a variável fundamental que determina a morte ou a vida no trânsito é a velocidade.”

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Limites baixos

De acordo com o especialista, a primeira reação que as pessoas têm quando se fala em reduzir e/ou limitar a velocidade é achar “bobagem” ou que isso fará com que “demore mais no trânsito”. “Quanto mais rápido for o tráfego, maior o engarrafamento, com mais acidentes e interferências”, alerta.

Alterar os limites, reduzindo-os e controlá-los por meio de fiscalização são as medidas mais efetivas para zerar os acidentes. As medidas mexem com as infrações de trânsito e, consequentemente, com as multas. “Elas não existem porque há radar, mas porque os limites de velocidade são altos e não são obedecidos”, reforça.

Avelleda diz que a raiz do problema está na glamourização da rapidez, sendo necessário desconstruir vários conceitos em relação ao tema, inclusive o da questão de gênero, que sugere uma equivocada relação entre velocidade e poder masculino. De acordo com dados do Detran-SP, 93% dos motoristas que morreram em acidentes de trânsito no Estado, em 2020, eram homens.

“A indústria automobilística e a publicidade criaram um charme em torno da aceleração, fazendo com que as pessoas ‘achem bonito’ pilotar a 100 km/h, como estar dentro desse veículo fosse sinônimo de segurança. Quem fabrica um carro que chega a 200 km/h, permitindo que o motorista atinja essa velocidade, também é responsável pela tragédia.”

Ele não está sozinho ao apoiar novos parâmetros. Paulo Guimarães, CEO do Observatório Nacional de Segurança Viária (ONVS), entidade que está à frente de campanhas realizadas no País em defesa da redução da mortalidade nas ruas. “O mais urgente é a regulamentação em ambientes urbanos. Na esfera técnica, já é forte um consenso sobre a correlação entre altas velocidades e a ocorrência e gravidade dos sinistros”, reforça Guimarães.

“O Brasil ainda vai na contramão das diretrizes estabelecidas pela OMS, em relação aos limites nessas áreas, que recomenda 30 km/h, em locais com a possibilidade de conflitos entre veículos e outros usuários mais vulneráveis, como pedestres e ciclistas; e 50 km/h, nos casos em que esses acidentes ocorram com menos frequência [ou não ocorram].”

Ele explica que as intervenções que envolvem a aplicação ou manutenção da sinalização viária são relativamente mais simples do que outras de infraestrutura. “São ações que ajudam muito na redução de sinistros e na gestão de conflitos no sistema de trânsito”, acrescenta.

“As ruas e estradas precisam ser redesenhadas para ‘perdoar o erro’, sendo que reduzir as velocidades é a principal ação. Porque as pessoas, em algum momento, podem se distrair, estar com sono ou atravessar fora da faixa.”

Sergio Avelleda, coordenador do Núcleo de Mobilidade Urbana do Laboratório Arq.Futuro de Cidades, do Insper

Além das ruas

O CEO defende o papel da escola em estabelecer um ambiente de aprendizado sobre a segurança viária como elemento fundamental de cidadania. “É onde os alunos precisam entender que todos fazem parte desse sistema, inclusive antes de tirar a primeira habilitação, e que a responsabilidade é compartilhada entre todos”, detalha.

O principal passo, para Guimarães, é que os cidadãos se conscientizem dos seus direitos e deveres como usuários das vias públicas. “Muitos já se organizam em grupos ou coletivos para cobrar melhorias nas condições de segurança em seus bairros ou cidades, como grupos de ciclistas que se comunicam sobre os problemas de segurança enfrentados nas cidades brasileiras.”

Avelleda ainda propõe alertar dos riscos da velocidade na formação dos motoristas, além de discutir a produção/publicidade da indústria automobilística. Entre elas, a venda de carros que vão além do limite de 120 km/h, nas vias.

“Temos recursos para parametrizar isso, como o georreferenciamento, além de limitar o tamanho dos veículos que trafegam nas cidades. Talvez quando os autônomos forem uma realidade, a responsabilidade será exclusivamente de quem os produz.”

Atropelamentos

  • A 80 km/h, a chance de sobrevivência a menos de 10%
  • Já a 40 km/h, a chance de sobrevivência é de 90%.

Fonte: Fonte: Organização Mundial da Saúde (OMS)