Intermodal: ‘Nosso maior desafio é fazer a integração nacional da logística’, diz executivo do setor

O setor de logística cresceu muito depois da pandemia, tanto na forma quantitativa quanto qualitativa. Foto: Adobe Stock

04/03/2024 - Tempo de leitura: 9 minutos, 43 segundos

Para o diretor-geral de Tecnologia e Infraestrutura do grupo britânico Informa, Hermano Pinto Jr., o maior desafio da logística no Brasil é integrar o País de forma eficiente. “Nossa logística não é ainda nacional. São várias logísticas regionais, e talvez o grande desafio é fazer essa integração”, diz. “Em uma mesma viagem, muitas vezes a carga passa por rodovia, ferrovia, barcaça. Mas temos evoluído, seja na parte dos embarcadores (o dono da carga), seja na parte dos transportadores. Ele vê progressos na automação e na integração entre os modais rodoviário, ferroviário, aquaviário e aéreo.”

O executivo diz que algumas empresas estão construindo ferrovias próprias, para escoamento de produção até os portos, como o caso da Suzano, no Espírito Santo. Também acredita nos caminhões elétricos movidos a hidrogênio, e adianta que o Porto de Santos deverá ter um terminal adicional para hidrogênio. “Na Europa, os caminhões a hidrogênio já indicam uma redução do custo do frete de quase 40%. Você ganha muito em eficiência.”

Estes assuntos estão sendo debatidos na Intermodal South America 2024. A feira, que começa amanhã (5/3) e vai até quinta-feira (7/3) no centro de exposições São Paulo Expo, na zona sul da capital, é o maior evento do setor de transporte de cargas da América do Sul.

A seguir, os principais trechos da entrevista.

Como o sr. analisa a situação atual da logística no Brasil? Evoluímos em algum ponto ou tudo precisa ser repensado?

Hermano Pinto Jr.: Acho que a gente tem evoluído, até numa velocidade boa. É claro que nossos gaps são grandes. Ainda temos muito a fazer. Mas, quando eu vejo hoje uma discussão ampla na parte de automação de portos e aeroportos, a questão de aplicação mais intensiva de free flow (pedágio sem cancelas) nas rodovias, automação de pesagem e controle de cargas nas estradas, sistemas que estão sendo adotados entre as empresas de logística para transbordo de carga de forma mais eficiente, vejo boa evolução. Mas o Brasil é gigantesco, com grande diversidade regional. Tudo é um desafio. Às vezes tem uma carga que sai do Centro-Oeste para o porto de Itaqui, no Maranhão, por exemplo. Passa por rodovia, ferrovia, barcaça. As distâncias são continentais, e isso tem efeito sobre a logística. Nossa logística não é ainda nacional. São várias logísticas regionais, e talvez o grande desafio é fazer essa integração. Mas temos evoluído, seja na parte dos embarcadores, seja na parte dos transportadores.

O que a Intermodal propõe?

Pinto Jr.: A gente propõe cada vez mais o uso de tecnologia para automação, desburocratização na parte documental. Recentemente, acompanhamos o lançamento da cartilha do blockchain, na Fiesp. É uma solução adequada para contratos logísticos. Após o leilão de (internet) 5G no Brasil, a gente tem a obrigatoriedade de fazer a cobertura das estradas, de áreas rurais. Cada vez mais a gente vê que centros logísticos, ou centros intermodais, como Rio Verde, Goianésia (ambos em Goiás), no centrão do Brasil, vão estar conectados com as regiões de população mais adensada. Toda essa parte de conectividade, automação, rastreabilidade, a gente traz para a Intermodal. E também sobre a pegada de carbono. Cada vez mais falamos sobre eletrificação, uso de hidrogênio, ferramentas para tornar os processos mais eficientes, e com isso reduzir emissão.

Hermano Pinto Jr.: “Atualmente, há maior integração entre os operadores logísticos, maior cooperação”. Foto: Intermodal/Informa Markets

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O setor evoluiu com a pandemia?

Pinto Jr.: Sim, cresceu tanto na forma quantitativa quanto qualitativa. A gente viu a multiplicação da logística de última milha. Cada vez mais aqueles grandes CDs (centros de distribuição) que a gente via se tornaram em CDs distribuídos (menores). Cada vez mais o produto (está mais) próximo do consumidor.  E maior integração entre os operadores logísticos, maior cooperação. Vejo que melhorou muito o atendimento ao cliente, por meio de chatbots, rastreabilidade para saber onde está a carga. Todos nós já fizemos isso para saber onde está a encomenda. Acho que foi um grande ganho, e foi a pandemia que nos trouxe isso. A gente ficou mais exigente.

Existe algum benchmark no setor de logística? Em que modelos dá para se inspirar?

Pinto Jr.: No tráfego marítimo, a gente trabalha muito com os benchmarks da Europa. São os portos de Roterdã e Antuérpia, na Holanda; os portos alemães, Bremen, Hamburgo; ou Barcelona, onde fiz uma visita agora (o executivo estava em viagem durante a entrevista). Acho que o grande segredo desses benchmarks é a integração cada vez maior da indústria, e quando falo em indústria é uma forma ampla. Pode ser petróleo, cimento, eletrônica, ao redor do porto. Um modelo desses é o Porto do Açu, no Rio de Janeiro. No transporte ferroviário, na intermodalidade, a gente tem algumas referências importantes tanto na Europa como na China. A China tem um grande desenvolvimento na logística sobre trilhos, conectados aos portos. Você não sabe onde é porto e onde é ferrovia, tal a integração. Temos de observar todos os meios. Ainda temos um impacto muito grande do (meio) rodoviário, e aí nossa referência passa muito pelos Estados Unidos. Mas acho que cada vez mais no Brasil vamos observar a integração das práticas feitas na Europa, nos EUA e na China.

Como a tecnologia pode ajudar a minimizar os impactos da entrega final, a chamada última milha?

Pinto Jr.: Acabei de passar por uma área de startups aqui em Barcelona, e vi um carrinho de entregas. É um (projeto) piloto ainda, mas ele faz entregas de supermercado de forma autônoma. Substitui as entregas feitas por motos, por exemplo. Outra aplicação que eu vejo de forma importante é o ‘trackeamento’ da carga, por meio de tags, para saber onde ela está. Aí entra também a internet das coisas, iot, que permite a comunicação entre máquinas. A sua máquina, que pode ser o celular, com a máquina do pacote. Dá até para estabelecer um histórico, e saber se o pacote sofreu queda, por exemplo. Essas tecnologias vão ser os diferenciais das empresas logísticas de última milha.

O que define a localização de um centro de distribuição atualmente? A reforma tributária tem efeito sobre isso?

Pinto Jr.: Tem. Quando eu era varejista, tinha dificuldade de vender para certos Estados do Brasil por causa da substituição tributária. Em alguns Estados ela é tributada pelo remetente e não pelo comprador. A gente vê alguns Estados e alguns municípios se desenvolverem mais em termos logísticos. É o caso da região de Hortolândia, em São Paulo, por exemplo. É um grande centro logístico para o Brasil. Fortaleza também está se desenvolvendo para chegar a uma situação dessas, com o Porto de Pecém. Sem dúvida, a questão burocrática, a documentação, e a tributária, se não bem tratadas, serão inibidoras da logística.

Vocês dizem que uma melhor combinação entre os diferentes modos de transporte pode reduzir custos em até 30%. Como isso seria possível?

Pinto Jr.: A gente tem de olhar o custo em duas partes. O custo em termos de perdas e o custo em termos de eficiência. A gente fala muito da questão do transporte a granel no Brasil. Seja ele de líquido, de grãos ou minério, ele sofre com as condições das estradas, de armazenagem. A gente tem poucos silos no País. Pouca segurança. Aí você começa a fazer uma busca de combinação dos melhores modais, para melhorar a eficiência. É o caso do uso mais intensivo de ferrovias para o mercado agrícola. Você transporta uma quantidade muito maior por um custo muito menor e diminui a perda. O uso das barcaças, para áreas no norte do Brasil, é importante de ser observado nessa configuração de intermodalidade. E a preparação dos portos, para que esses modais possam chegar de forma adequada. Santos já tem uma série de tecnologias para que não haja entupimento da entrada do porto. Os caminhões vão se comunicando, máquina a máquina. Não é o motorista falando com um operador por rádio. O caminhão recebe uma flag, verde, vermelha ou amarela. Aí ele sabe se espera em algum ponto da estrada ou se pode descer a serra para o porto. São pontos que têm melhorado, mas podem melhorar ainda mais, com redução de tempo de transporte e maior segurança da carga.

Qual é a participação hoje no Brasil entre os modais? O sr. vê alguma mudança nessa divisão, tendo em vista fatores como infraestrutura rodoviária deficiente no País?

Pinto Jr.: O modal dominante é o rodoviário, que responde por mais de 2 ⁄ 3 do transporte brasileiro. Mas o ferroviário tem crescido, depois da mudança da lei. Agora você não precisa ter uma concessão efetiva. Várias empresas estão fazendo ferrovias próprias, com autorização. É o caso da Suzano, que construiu uma ferrovia entre a fábrica, no Espírito Santo, até o Porto de Vitória, para o transporte de celulose líquida. Em dois anos, ela paga o investimento realizado na ferrovia. A gente tem visto o modal ferroviário crescer, apesar de algumas questões de infraestrutura. Nós temos no País dois tipos de bitola, então isso ainda é um pouco impactante. E ainda temos muitos ramais que precisam ser reativados. Mas o modal ferroviário tem potencial de retomar seus 15, 20% nessa conta. Aquaviário é mais restrito, e o aéreo tem a questão do custo, mas para cargas de alto valor, e para fármacos, por exemplo, o aéreo faz sentido, porque o custo do seguro pode pagar o custo adicional da logística. Porque quanto mais tempo você usa um seguro elevado, mais vai impactar no custo da carga. Então, se você transporta em cinco horas, em vez de em cinco dias, tem custo menor em seguro.

A frota de caminhões no Brasil é antiga. Basta circular por estradas como a via Anchieta para ver caminhões quebrados, que vêm do porto de Santos. O programa do governo de renovação de frota, com subsídios, lançado no ano passado, surtiu algum efeito prático?

Pinto Jr.: Surtiu algum efeito. Algumas transportadoras fizeram uso dessa possibilidade de crédito, mas eu diria que nossa solução é um pouco mais ampla, e passa pela produção de caminhões a custos mais alinhados com nossa realidade. Existe uma tendência de eletrificação. Acredito no caminhão elétrico movido a hidrogênio, não a bateria. Isso já é operacional na Europa. Nós seremos um país muito rico em hidrogênio. Temos um potencial de biomassa muito forte em São Paulo. Deveremos ter um terminal adicional em Santos para hidrogênio. Na Europa, os caminhões a hidrogênio já indicam uma redução do custo do frete de quase 40%. Você ganha muito em eficiência.