Jogo simula rotina dos motoristas de app em São Paulo

Mobilidade Estadão teve acesso exclusivo a pesquisa que baseou o desenvolvimento do jogo. Foto: UnrealHands.com/ Adobe Stock

Há 3h - Tempo de leitura: 3 minutos, 24 segundos

Você aceitaria uma corrida de 8 km por R$ 9,90? E se essa decisão significasse não bater a meta do dia? Agora imagine fazer essa escolha dezenas de vezes, em poucos segundos, enfrentando trânsito, sono acumulado e contas atrasadas. Esse é o desafio proposto pelo novo jogo gratuito lançado pela GigU, comunidade de motoristas de app do Brasil, com mais de 250 mil membros.

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O jogo, online e de fácil acesso, simula a rotina de Carlinhos, um motorista de app de 25 anos que trabalha em São Paulo. Portanto, o jogador recebe propostas de corridas com valor, distância e destino e precisa decidir, rapidamente, se aceita ou não a viagem. A experiência convida o público a vivenciar, ainda que por alguns minutos, os dilemas reais enfrentados diariamente por quem depende desse tipo de trabalho.

“Queremos mostrar, de forma simples e acessível, como funciona essa dinâmica. O jogo ajuda a ilustrar os desafios que estão por trás das escolhas que os motoristas precisam fazer a cada minuto do dia”, explica Pedro Inada, co-CEO da GigU.

Longas jornadas, baixa rentabilidade são realidade de motoristas de app

A realidade vivida por Carlinhos no jogo é baseada nos dados da pesquisa Sua Voz Importa, feita pela própria GigU em 2025 com 951 trabalhadores de aplicativos em todo o Brasil. O estudo mostra que 50,2% dos motoristas trabalham mais de 8 horas por dia, sendo comum a atuação em dois ou mais aplicativos ao mesmo tempo.

Mesmo com essa carga de trabalho, 74,6% dos respondentes ganham até R$ 2 mil líquidos por mês. Além disso, quase metade (49,9%) gasta mais de R$ 1.500 mensais em custos diretos, como combustível, manutenção e alimentação.

Contas atrasadas e incerteza financeira

A instabilidade financeira é um dos principais pontos de atenção no levantamento. Quase 73% dos motoristas já atrasaram ou deixaram de pagar contas básicas, como luz, água e aluguel. Além disso, 45,1% dizem ter dificuldades para pagar as contas do mês e 7% dependem de ajuda financeira de terceiros para fechar o orçamento.

Os números mostram ainda que 66,6% dos motoristas trabalham por necessidade e não por opção. “O jogo traz à tona esse debate: muita gente já se perguntou se conseguiria ganhar a vida como motorista de app. A experiência mostra que não é tão simples quanto parece”, comenta Inada.

Falta de suporte e transparência

Outro dado relevante da pesquisa é a percepção dos motoristas sobre o suporte das plataformas. Para 61,3% dos entrevistados, falta transparência sobre valores, taxas e bloqueios. Além disso, quase 33% avaliam o suporte recebido como muito ruim, e 29,3% como ruim.

Questionados sobre o que poderia tornar o trabalho mais digno e sustentável, 97,4% dos motoristas pedem aumento no valor das corridas. Além disso, 72,7% desejam redução das taxas cobradas pelas plataformas e 56,9% reivindicam mais clareza sobre as regras.

Insegurança e saúde dos motoristas de app

Além dos desafios financeiros, a segurança é uma preocupação constante. Quase 40% dos motoristas disseram já ter sofrido algum tipo de violência ou assédio enquanto trabalhavam, e 58,3% afirmam se sentir inseguros na maior parte do tempo.

Problemas de saúde também são recorrentes: 16,7% já tiveram problemas relacionados à atividade e 12,4% sofreram acidentes no trabalho. Outros 8,9% passaram pelas duas situações.

Uma experiência para refletir

Ao colocar o público no lugar do motorista de aplicativo, o jogo lançado pela GigU propõe uma reflexão sobre o sistema de transporte urbano e a precarização do trabalho digital. “Os dados mostram que ser motorista de app é lidar com pressão e incerteza o tempo todo. Com o jogo, a gente quer abrir essa conversa”, diz Inada.

O jogo é gratuito e pode ser acessado online, sem necessidade de baixar aplicativos.

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