Nos últimos dois anos, a questão da mobilidade elétrica tem ocupado cada vez mais espaço e ganhado relevância entre os especialistas do assunto. Motivos não faltam, pois se tornou uma urgência mundial substituir o uso de combustíveis derivados do petróleo, responsáveis pelo aquecimento do planeta, por formas mais sustentáveis. Uma delas é o uso de veículos movidos a bateria elétrica.
Esse movimento, que já ganhou tração em vários países da Europa e na China, também vem crescendo no Brasil. Em 2021, por exemplo, segundo dados da Associação Brasileira de Veículos Elétricos (ABVE), foram vendidos 34.990 modelos eletrificados – o que significa crescimento de 77%, em relação a 2020.
O aumento poderia ser maior se o preço fosse menor. Mesmo assim, nota-se que muitas pessoas desistiram de comprar automóveis a combustão para rodar pelas ruas do Brasil com carros 100% elétricos ou híbridos.
Dentro desse universo, já nasce outro movimento – ainda incipiente, é verdade. Muitas empresas começam a colocar em prática suas políticas de transição energética ao substituir antigos veículos a combustão por novos modelos 100% elétricos.
Isso ocorre por vários motivos. Um deles é para aderir à sigla da vez, a ESG, referência, em inglês, às práticas ambientais, sociais e de governança, e um dos principais critérios para definição de investimento para grandes empresas. Outro pode ser, de fato, por uma real consciência ambiental.
Ou, ainda, para se enquadrar aos chamados Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), criados pela ONU. Eles representam uma agenda mundial adotada durante a Cúpula das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável, realizada em setembro de 2015, composta por 17 objetivos e 169 metas a serem atingidos até 2030.
Estão previstas ações mundiais nas áreas de erradicação da pobreza, segurança alimentar, agricultura, saúde, educação, igualdade de gênero, redução das desigualdades, energia, água e saneamento, padrões sustentáveis de produção e de consumo, mudança do clima, cidades ecoeficientes, proteção e uso sustentável dos oceanos e dos ecossistemas terrestres, crescimento econômico inclusivo, infraestrutura, industrialização, entre outras.
Seja como for, todas essas iniciativas têm como objetivo reduzir as emissões de dióxido de carbono (CO2) por parte do setor de transporte de carga. De acordo com o Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SEEG), do Observatório do Clima, que, anualmente, calcula a geração de poluição climática do País, em 2020, foram geradas 2,16 bilhões de tonCO2eq (toneladas de gás carbônico equivalente, resultado da multiplicação das toneladas emitidas de gases de efeito estufa pelo seu potencial de aquecimento global).
O segmento de transporte de cargas foi responsável pela emissão de 99,9 milhões de toneladas na atmosfera – o que representa 4,62% do total. Ainda que seja um número bastante alto, os dados apontam queda de 3,58%, quando analisado o período de 2015 a 2020.
Segundo Felipe Barcellos e Silva, pesquisador do Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA), essa redução está mais relacionada a uma retração da economia e diminuição na circulação de cargas e, consequentemente, no consumo de combustíveis, do que ao resultado de uma política de transição energética e de redução da intensidade de carbono do setor de transportes.
“O Brasil depende demais do transporte rodoviário e, por outro lado, tem uma extensão territorial enorme. E, para os veículos mais pesados, ainda existem desafios tecnológicos relevantes para a mobilidade elétrica. Um deles é aumentar a autonomia de rodagem. Por isso, por enquanto, ainda vemos pouco impacto das iniciativas de mobilidade elétrica no transporte de cargas, apesar de serem muito importantes”, conclui Silva.
Como se vê, os desafios para o setor são grande, inclusive, em relação ao custo, já que os veículos elétricos têm um preço mais elevado, quando comparados aos movidos a combustão. Mas, ao menos, algumas empresas, como gigantes do varejo, estão dando os primeiros passos e experimentando novas possibilidades.
A Americanas S/A, por exemplo, que há oito anos integra o Índice de Sustentabilidade Empresarial da Bolsa de Valores de São Paulo, totalizou, no ano passado, 4,6 milhões de entregas por meio de modais ecoeficientes – mais que o dobro de 2020. A empresa tem o compromisso de se tornar Net Zero, ou seja, zerar as emissões de gases de efeito estufa até 2025. Para alcançar esse objetivo, desenvolveu uma série de estratégias, entre elas, a eletrificação da frota.
Atualmente, a empresa tem mais de 270 veículos elétricos, entre tuk-tuks e utilitários Renault Kangoo E-Tech Electric e BYD T3. Em função dessa estratégia verde, que também conta com bicicletas, a companhia afirma ter reduzido 370 tonCO2eq, em 2021.
“Fizemos muitos estudos de mercado. Era preciso definir, de acordo com a autonomia dos modais, qual seria a melhor estratégia para a distribuição e chegamos à conclusão de que o melhor formato seria o de rotas curtas, de 5 a 10 quilômetros”, explica Patrícia Bello Sampaio Pinto, gerente de operações da Americanas.
A Americanas conta com uma rede de 110 eletropostos em seus centros de distribuição, localizados em diversas cidades, e realiza entregas ecoeficientes em nove Estados (São Paulo, Rio de Janeiro, Ceará, Pernambuco, Bahia, Minas Gerais, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul) e no Distrito Federal.
Outra empresa que tem procurado caminhos mais sustentáveis é a Via, Holding detentora de grandes redes como Casas Bahia, Ponto (antigo Ponto Frio) e do e-commerce Extra.com.br, que também assumiu o compromisso “de incorporar os conceitos de economia circular em suas operações, além de buscar o uso de energias renováveis e reduzir continuamente suas emissões de CO2”, informa Daniel Ribeiro, diretor executivo de logística da Via.
A companhia possui dez furgões BYD T3, com autonomia de 300 quilômetros, cada um, e recarga rápida de até duas horas. Essa recarga é feita no Centro de Distribuição, localizado em São Bernardo do Campo (SP). Dessa forma, os veículos atendem, prioritariamente, à região sul da capital paulista e, desde abril de 2021, já percorreram 195.600 quilômetros, o que equivale a uma redução de 82 tonCO2eq, de acordo com a empresa. Ribeiro esclarece que o custo ainda é o maior desafio.
“No entanto, o valor investido na recarga e na manutenção é menor do que aquele exigido pelos veículos tradicionais”, conclui.
Outra gigante do varejo, a Magalu, começou a eletrificar sua frota em outubro de 2021. O projeto é uma parceria das áreas de logística e sustentabilidade com transportadores parceiros, que adquiriram veículos da JAC Motors. Atualmente, são 51 veículos urbanos de carga (VUCs) elétricos circulando pelos Estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Paraíba e Bahia. “Para nós, era importante entender como eles se comportariam em diferentes terrenos”, conta Grasiella Nascimento, gerente de transportes da Magalu.
A executiva relata que, por ainda se tratar de um projeto piloto, e a empresa optar por adotar, além do modelo de entrega em domicílio, o abastecimento das lojas com produtos pesados, como geladeiras e sofás, era necessário entender como esses veículos se comportariam nos diferentes terrenos.
Em cidades com muito tráfego, como São Paulo, eles acabam se recarregando sozinhos, devido às constantes freadas (isso acontece por meio de um sistema chamado freio regenerativo). Já em locais mais acidentados, como é o caso de Salvador (BA), o consumo de energia é maior.
Em setembro de 2021, a C&A incluiu uma moto e um caminhão elétricos para realizar as entregas em São Paulo. Um mês depois, fechou acordo para adquirir mais dez caminhões totalmente elétricos, em São Paulo, e quatro no Rio de Janeiro. Ainda neste ano, deve receber mais três motos elétricas para atividades de e-commerce.
Segundo Alan Yarschel, diretor de supply chain da C&A Brasil, um dos principais desafios da rede foi solucionado antes mesmo de o projeto sair do papel. “Uma das preocupações era como fazer o descarte e a utilização correta das baterias. Dentre as possibilidades, encontramos algumas opções, como o uso para iluminação interna dos centros de distribuição, espalhados pelo território nacional, em substituição aos geradores a diesel”, diz Yarschel.
Uma das maiores frotas de elétricos no País, o e-commerce Mercado Livre conta, atualmente, com 271 veículos, um crescimento de 531%, quando comparado com 2020. Com a frota totalmente terceirizada, a empresa emitiu um título verde, no valor de US$ 400 milhões, para investir em uma série de iniciativas, entre elas a mobilidade elétrica. “Assim como grande parte das agendas de sustentabilidade, a logística é um desafio para o setor e para o País, exigindo esforços de diferentes atores dessa cadeia para avançar mais rapidamente”, afirmou a companhia, em nota enviada ao Mobilidade.
Empresa estimula compartilhamento de baterias
O iFood, que visa ter 50% das entregas limpas até 2025, encerrou janeiro com mais de 360 mil pedidos entregues em modais elétricos. O principal impulsionador é o projeto iFood Pedal, que utiliza e-bikes da Tembici. A novidade, porém, é a parceria que foi firmada com a Voltz, fabricante de motos elétricas, que desenvolveu uma versão exclusivamente para os entregadores da empresa. Além de estimular a negociação, que conta com facilidades no financiamento, o projeto prevê o compartilhamento de baterias – o maior custo dos modais elétricos.
“Além de o entregador ter facilidades na compra, como descontos e financiamento, ele pagará uma mensalidade para a utilização da bateria com o preço bastante atrativo. Funciona assim. Ele deixa a unidade descarregada na base de recarga e leva outra com carga completa. Além de não perder tempo, no final do mês, ele terá um custo menor, em relação ao que pagaria com combustível, óleo e manutenção”, explica Fernando Martins, líder da área de logística do iFood.