“O senhor não é daqui, não, né?”, diz em tom de pergunta o motorista de táxi que parou para o meu sinal de mão na Avenida Paulista, anos atrás, muito antes da internet e dos aplicativos. Referia ele ao meu sotaque, imaginei, na época. Sou dos Estados Unidos. Vim para o Brasil pela primeira vez aos 17 anos e apesar de muito esforço dedicado ao aprendizado de português, língua que amo e que, sem falsa modéstia, falo com certa desenvoltura, nunca consegui perder inteiramente o sotaque.
“Não, não sou daqui, não. De onde o senhor imagina que sou?,” respondo para o motorista. A ideia é me divertir. Gerar assunto. Pensei que pudesse dizer: Da Alemanha, já que alguns me chamam de “Alemão”. O taxista pensa um pouco. Não diz nada de imediato. Vai tocando o barco. Passa a Padre João Manuel e, também, a Peixoto Gomide em silêncio.
Na altura do Parque Trianon, em frente ao Masp, vira para mim no banco ao lado e chuta: “Tatuí?” Dou uma boa risada, feliz da vida. Passara por brasileiro. Caso não se saiba, Tatuí é uma cidade no interior de São Paulo, conhecido, tal como Sorocaba e outras cidades interioranas, por sua pronúncia característica, chamada sem muito rigor histórico de “caipira”. Muitos paulistas do interior e eu pronunciamos da mesma forma a palavra, “porta”, por exemplo.
Esta história me veio à cabeça, dia desses, em San Diego, na Califórnia, onde tento acompanhar, sem muito sucesso, o ritmo dos outros motoristas numa das muitas estradas de alta velocidade que cruzem a cidade. Voltávamos para a casa do meu irmão, eu e meu filho caçula, depois de ter ido às compras no shopping. As “freeways” são inúmeras no sul da Califórnia, bem feitas, de pistas mil e velozes, ao menos fora da hora do “rush”, quando por incrível que pareça lotam e param. Tá aí a prova de que não adianta mais estrada para resolver o trânsito, como sempre disseram os urbanistas, aliás.
Ocorre-me, na estrada, a 128 quilômetros por hora, como a mobilidade de cada cidade define o seu caráter. Quando penso em São Paulo me vem à cabeça os taxistas antigos, os busões abarrotados de gente, a CPTM, e meu querido metrô, que prefiro, sempre que possível. Imagino que os jovens paulistanos se lembrarão dos motoristas de aplicativos, também.
Já San Diego é definida pelos automóveis bonitos, muitos deles elétricos (já), a andar em velocidades altíssimas. São eles e a busca por uma vaga em estacionamentos sem fim que dão o tom. A gente passa muito tempo no carro aqui. Não existe San Diego, ao menos na minha cabeça, sem automóveis aos montes. O carro reina na cidade. Eu e meu filho, Samuel, passamos o tempo nas freeways a identificar os diferentes modelos de Tesla e outros carrões e carrinhos elétricos.
Você não vai acreditar, mas na volta do shopping paramos para tomar um açaí. Sim, tem bastante aqui e o mais legal e que gera renda para a Amazônia e o Brasil, sem maiores desmatamentos. É um dos nossos produtos mais sustentáveis. Entramos na loja, onde como se não bastasse, oferecem ainda pão-de-queijo sem glúten (“cheeseballs”). Será que existe isso em Minas Gerais?, penso alto. Sammy não sabe. Depois de um tempinho, sou atendido por um jovem bem arrumado, que sai com essa, em português: “O senhor não é daqui, não, né?”