Fortaleza é uma das capitais mais amigas dos ciclistas, segundo levantamento feito pelo Mobilidade Estadão. Foto: Divulgação/Prefeitura de Fortaleza
A região central da cidade de São Paulo, é como um retrato da desigualdade. De um lado, restaurantes chiques e cafés gourmet. Do outro lado, cobertores e alimentos são distribuídos para os órfãos da Cracolândia, recentemente desalojados do bairro de Campos Elíseos, e agora com usuários espalhados por toda a região.
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Eles jogam as marmitas no chão, já que não há latas de lixo, urinam na entrada da estação do metrô República e defecam nos cobertores, pois não há banheiros públicos nas proximidades.
A ciclofaixa é utilizada como apoio para os craqueiros que sentam no meio fio. O policiamento ostensivo, seja da Guarda Civil Metropolitana ou da Polícia Militar, de carro, bike ou a cavalo, é importante, mas não impede o furto de celulares e também fecha os olhos para as drogas entregues aos usuários nas ciclovias.
Nesse cenário, violento e degradante, cabe uma pergunta. Como incentivar que mais mulheres usem a bicicleta como meio de transporte ou lazer? A resposta pode vir de uma experiência internacional.
Especialista no tema, a diretora da Associação dos Delegados de Polícia do Brasil, Raquel Gallinati, esteve recentemente em Paris, a convite da polícia francesa, quando atuou como Secretária de Segurança Pública de Santos (SP).
Segundo ela, o uso das bikes na capital francesa não é apenas simbólico, é estratégico. “A infraestrutura cicloviária é pensada não só para a mobilidade urbana, mas também para garantir segurança, com iluminação adequada, câmeras, sinalização eficiente e presença constante de policiamento ciclístico”, diz Raquel.
“Esse modelo me inspira a defender, no Brasil, uma maior valorização do policiamento de proximidade com bicicletas, tanto para prevenção de crimes quanto para promover uma cidade mais segura e humanizada”, acrescenta Raquel, que também dá dicas de segurança.
A primeira delas é planejar o trajeto e sempre optar por vias mais movimentadas e bem iluminadas. Ficar atenta ao entorno e evitar distrações com fones de ouvido ou uso de celular no percurso. Em situações de abordagens suspeitas, manter distância, não confrontar e, se possível, acionar a polícia imediatamente.
Aliás, foi o que fez Andressa Lustosa, em setembro de 2021, após ser assediada enquanto pedalava em uma rua da cidade de Palmas (PR). Um caso emblemático que viralizou no País e no mundo.
Imagens de câmeras de segurança registraram o momento em que um carro se aproximou e o passageiro passou a mão na ciclista. Em seguida, ela caiu. Após ela acionar a polícia, foi registrado o Boletim de Ocorrência.
Depois, veio o processo e a sentença chegou em março deste ano, com o caso completamente esquecido pela mídia. O motorista foi condenado a pena privativa de liberdade fixada em 4 anos e 7 dias, sendo 3 anos e 7 dias de reclusão e 1 ano de detenção, iniciado o cumprimento pela primeira reclusão em regime semiaberto.
O passageiro foi condenado a pena privativa de liberdade em 2 anos, 7 meses e 15 dias de reclusão, com regime inicialmente aberto. Ambos foram condenados a indenizar Andressa em R$ 5 mil cada.
Incorreram nos crimes de importunação sexual, lesão corporal qualificada, condução de veículo automotor sem carteira de habilitação e ainda no artigo 232 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), já que o irmão menor de um deles também estava no interior do veículo. R$ 10 mil não pagam o trauma que fica para sempre e Andressa não pretende executar os valores.
“Eu recebi a sentença e joguei fora, não quis ler. Sinceramente, nunca mais pedalei e, se fizer isso, será acompanhada. Não consigo ir sozinha. O trauma sempre vai permanecer”, conta a ciclista.
Aguardamos agora a sentença do juiz aposentado que, no dia 24 de julho, atropelou e matou a ciclista Thaís Bonatti, em Araçatuba (SP). Segundo testemunhas, ele estava bêbado e com uma mulher nua em seu colo dentro do veículo. O juiz foi solto após pagar fiança de R$ 40 mil.
No Brasil, não se trata apenas de ampliar a malha cicloviária. A falta de segurança pública ainda é um dos maiores obstáculos para as mulheres, quando nossa vida e dignidade não valem muita coisa, quer estejamos de bicicleta ou não.