De maior poluidora do mundo a referência em pesquisa de energia limpa e desenvolvimento de tecnologia sustentável: a trajetória recente da China mostra que o país não só tem driblado bem seus problemas de poluição como também ganhou expertise em sustentabilidade. Embora esse seja um desafio que cabe a qualquer local, é fácil entender por que a nação asiática precisou enfrentar a questão da mobilidade de forma urgente.
A cidade de Shenzhen exemplifica bem o compromisso em retomar o modelo de desenvolvimento, melhorar a qualidade de vida nas cidades e vender outra imagem para o restante do mundo.
Em apenas 10 anos, a cidade, que era menor e mais poluída que São Paulo, tornou elétrica toda sua frota de ônibus e táxis. A qualidade do ar, a diminuição no consumo de combustível e a melhoria nas ilhas térmicas já podem ser percebidas por lá.
Para tratar de locomoção chinesa, faz sentido começar pelas bicicletas. Assim como na Holanda, esse é um sistema de mobilidade bastante tradicional, embora o tamanho das cidades dificulte sua utilização como alternativa exclusiva. Em razão disso, a China tem dado atenção às bikes compartilhadas, alugadas via aplicativos.
É possível somar esse modal nos trajetos e contar com ele para chegar até um ponto de ônibus ou metrô ou após descer dele. Além disso, como as bicicletas chinesas são elétricas, a solução se encaixa em deslocamentos maiores, uma vez que atingem até 25 quilômetros e não cansam o usuário.
Outra medida importante que segue ganhando adesão massiva é o carro elétrico, que tem ampliado seu mercado tanto em táxis quanto em veículos particulares. Isso ocorre graças à isenção de impostos e aos investimentos no desenvolvimento de novas tecnologias, o que permite uma demanda maior pelos serviços e o barateamento do custo final.
Mas os principais ganhos vêm dos veículos maiores: ônibus. Embora boa parte das cidades chinesas tenha metrôs movidos a eletricidade e que não impactam a malha viária superficial, esse é um modal com alto custo de implantação, por isso é frequente que os ônibus de trânsito rápido (BRT) sejam preferidos.
O modelo já é adotado em Pequim, capital do país, e em Guangzhou, que ganhou o Prêmio de Transporte Sustentável e o Prêmio Lighthouse da Organização das Nações Unidas (ONU).
O plano passa, agora, por eletrificar os BRTs. A tendência é que toneladas de dióxido de carbono deixem de ser emitidas, o que vai melhorar a qualidade do ar e a saúde da população e diminuirá gastos com combustíveis fósseis, tornando o transporte coletivo menos suscetível às contínuas crises do petróleo.
Por décadas, a China teve crescimento excepcional e um modelo produtivo pouco atento à questão ambiental. Paradoxalmente, foi o desenvolvimento econômico promovido por essa dinâmica que permitiu ao país fazer os investimentos necessários para iniciar a substituição de uma economia agressiva em termos ambientais, sociais e econômicos por uma economia capaz de empregar saídas mais sustentáveis.
Segundo a antropóloga brasileira Rosana Pinheiro-Machado, que em seu doutorado se dedicou a compreender a transformação cultural da China, é justamente esse movimento combinado que explica como a nação asiática surge como uma potência deste século.
Foi o crescimento pautado nas exportações de artigos eletrônicos com preço acessível que gerou o milagre chinês: um longo período de crescimento econômico, suficiente para financiar outros modelos de desenvolvimento, a exemplo do que ocorre com as inovações no transporte coletivo.
Por isso, é provável que a China passe a ser referência de exportação de itens de alta tecnologia também em soluções urbanas: assim como smartphones capazes de concorrer com as gigantes do mercado, carros e ônibus elétricos tendem a se consolidar no rol de criações do país.
Resta saber como o impacto da covid-19 vai afetar as economias nacionais e em que ritmo elas serão capazes de absorver as inovações do país.
Fonte: BBC, ONU, Diálogo Chino.