A pandemia do novo coronavírus chegou de maneira avassaladora em 2020, colocando pressão sem precedentes sobre a sociedade em escala global. O setor automobilístico viu-se desafiado como nunca, em especial em nosso País, que já estava atrasado em seus deveres de casa no sentido de melhorar o ambiente de negócios e a competitividade.
Quando o mercado caminha relativamente bem, as deficiências estruturais de um país tendem a ser ignoradas. Costumo comparar essa situação com a de uma represa. Em tempos de cheia, ninguém reclama, pois o grande volume esconde o que está submerso. Mas, quando vem a estiagem, surgem as carcaças e os esqueletos que estavam lá há décadas.
Extrapolando para o setor automotivo brasileiro, tivemos um tombo inesperado na crise de 2016, mas nada foi feito para remover as tais carcaças, que dificultaram muito nossa lenta recuperação no triênio de 2017 a 2019. O início de 2020 sugeria a continuidade da retomada, mas esse bom momento foi solapado pela covid-19 a partir de março, fazendo com que encerrássemos o ano retrocedendo aos pífios volumes de 2016, e sem perspectivas de recuperação plena a curto prazo.
Sinal de alerta
Pior que os resultados negativos foi ver novamente as carcaças do Custo Brasil expostas num curto período de quatro anos. E, desta vez, elas estão fazendo estragos na economia como um todo, inclusive em nosso setor. O recente anúncio do fechamento de fábricas fez um sinal de alerta se acender sobre toda a cadeia automotiva.
Mais de um ano se passou desde a reforma previdenciária e, depois disso, a agenda do Governo Federal e do Congresso Nacional empacou. A expectativa é de que as reformas estruturantes sejam retomadas com força e senso de urgência.
A pandemia escancarou a necessidade de mudanças profundas nas estruturas tributárias e administrativas do governo, e de reformas pontuais que removam entraves burocráticos, jurídicos e fiscais que pesam sobre os ombros do sistema produtivo. Também ‘para ontem’ é a necessidade de intensificar obras de infraestrutura capazes de melhorar os custos logísticos.
Estamos vivenciando uma crise gravíssima, que desarticulou a cadeia de fornecimento e afetou a produção de veículos. E agora em escala global – o que amplia a ociosidade industrial, gerando competição ainda mais acirrada entre países produtores na busca de mercados para exportar.
A Anfavea vai continuar pontuando as mudanças que devem ser feitas e atuando proativamente para que sejam implementadas, de forma a beneficiar horizontalmente todas as atividades produtivas no País. A cadeia automotiva é resiliente e tem se mostrado especialmente unida nesta inédita crise.
Em meio a todos esses desafios conjunturais e estruturais, a indústria automobilística não vai poupar esforços para continuar sua transformação rumo às novas demandas globais de mobilidade, conectividade, automação, serviços compartilhados e propulsão limpa.
Vamos continuar exercitando nossa vocação de inovação e desenvolvimento tecnológico, trazendo retorno à sociedade na forma de arrecadação robusta de impostos, de geração de empregos de qualidade, de desenvolvimento regional e de aumento do PIB.
Nosso mercado interno tem grande potencial de crescimento, é um dos que apresenta a menor relação de motorização per capita no mundo. E temos todas as condições de ser um polo exportador de veículos de alta tecnologia. Para isso, precisamos de mais acordos comerciais, menos entraves às exportações e um ataque frontal ao Custo Brasil.
Devemos ser mais ambiciosos. Temos pressa em crescer, gerar riquezas e, principalmente, empregos. O Brasil tem, hoje, 20 milhões de desempregados e desalentados, o equivalente à população do Chile. É um crime se cogitar a desindustrialização do nosso País, nos relegando à condição de colônia fornecedora de produtos primários. Isso é prova de profundo desconhecimento. Sorte do país que detém um setor automobilístico tão robusto como o Brasil.”