A música da Amazônia vai dominar o mundo? A artista paraense Layse Rodrigues acha que sim

Layse Rodrigues se inspira nas mulheres paraenses e canta a saudade em bregas, boleros e bachatas. Foto: Gabriel Dietrich/Divulgação

22/03/2022 - Tempo de leitura: 5 minutos, 53 segundos

O encontro do rio com o mar, a pororoca, causa fortes ondas e renova a paisagem por onde passa. Um movimento parecido com esse fenômeno de recomeços pauta a trajetória pessoal e profissional da cantora paraense Layse Rodrigues.

Vida natural Povos originários da Floresta Amazônica têm um relacionamento orgânico com a natureza, um contato indissociável no cotidiano das populações indígenas, quilombolas e ribeirinhas e que também tem muitos pontos de contato com a vida de tantos moradores de vilarejos e cidades de todos os tamanhos na região

Layse tem 29 anos de idade e sete de carreira. “A família da minha mãe é toda musical, da cidade de Breves, na Ilha do Marajó (PA)”, conta. “Todo mundo é autodidata. Meu avô sabe tocar todos os instrumentos. Aos 10 anos, aprendi a tocar violão sozinha.”

Quando tinha 19 anos, a artista foi fazer faculdade de Física em Curitiba (PR), a capital mais fria do País. Só que a musicalidade do Pará fazia falta e ela teve de bolar um jeito de contornar a saudade — a dela e a de outros paraenses longe de casa. Ao criar a festa Fervo do Jambu, em que era DJ e produtora, veio a ideia de montar uma banda.

Na companhia de colegas curitibanos, a cantora acrescentou ao grupo, batizado de Farofa Tropical, a alegria e os ritmos no Pará. “Um tocava baixo e o outro guitarra. Foi a minha primeira banda de circulação. Tocávamos em Curitiba, compunha as músicas. Sempre voltada pra essa parada do ritmo latino-caribenho.” Em um ensaio, Layse até descobriu outro talento. “A gente estava tocando carimbó [música típica paraense] e fui para a bateria”, conta. O que começou como brincadeira, deu certo. Ela viu que conseguia tocar — mesmo sem ter estudado — e cantar.

Raízes que chamam — Quando Layse já não suportava mais viver longe de casa, avisou os colegas que ia voltar para Belém. Eles decidiram ir junto. “Foi assim que surgi no cenário paraense: trazendo a Farofa Tropical para cá, tocando em vários lugares.” Mas veio outra mudança. Por causa de sua luta feminista e problemas que enfrentou no grupo, Layse abandonou o projeto.

Em fevereiro de 2021, saiu o primeiro EP solo da artista, o Layse — Caso Raro, apresentado em uma live ainda no auge da pandemia de covid-19. “É um show mais voltado para o brega, o bolero. Uma pegada mais romântica, como se fosse um evento de vanguarda. Esse negócio do baile da saudade, do passadão, é muito presente.”

Que passadão é esse? Caleidoscópio de sons, cheiros e cores que ficam na memória, o Pará tem tradição de baile “da saudade” e “do passado”. Daí vem a gíria passadão, uma referência a músicas mais antigas — com pegada brega — que sempre rolam nas festas. “Não é o nome oficial de um gênero, mas de uma vertente do brega”, explica a cantora e compositora paraense Lays Rodrigues.

Na sequência desse trabalho, uma nova pororoca: Layse montou outra banda. “O Tim Maia tinha a banda Vitória Régia. O Jorge Ben tinha a Banda do Zé Pretinho. Aí inventei Os Sinceros ou As Sinceras, dependendo da formação. Os Sinceros é uma formação mista, comigo, a Catarina e outros três amigos instrumentistas. As Sinceras é totalmente feita por mulheres”. Sobre os nomes, ela dá uma pista. “Tem uma piada aqui em Belém, quando toca uma música, a pessoa fala ‘égua, essa música só me lembra o sincero, a sincera’. Tem uma sacanagenzinha aí. Como se fosse ironizando.”

Ilha de Marajó, Curitiba, Belém: a mistura e as mudanças marcam a carreira da cantora paraense. Foto: Estúdio Tereza e Aryanne/Divulgação

Vertentes musicais — Os sons de que Layse Rodrigues mais gosta são boleros, bregas e bachatas. Uma música latina com referências do passado. “No boteco, falamos: ‘Coloca um passadão aí, uma saudade’. Esses são sinônimos para explicar esse estilo da periferia, onde a galera vai para esses bares dançar. Uma forma de alcançar esse público de 40 anos para cima. Do jeito que a gente faz, acaba trazendo [também] os mais jovens pra essa cultura.”

A artista ressalta ainda a importância de incorporar ritmos caribenhos. “Temos também essa pegada em que tocamos zouk, merengue, salsa. É como se o nosso som fosse um só universo amazônico”, diz. Não e ao acaso que um dos sonhos do Sinceros é viajar a países vizinhos. “Tenho uma vontade muito grande de levar esse nosso ritmo latino e amazônico para toda a América do Sul, as Guianas, Cuba. Já pensou? Ia ser lindo demais!.”

O que faz do Pará um Estado tão rico musicalmente, avalia Layse, é a mistura e a capacidade de “fazer o simples ser aceito por todos os públicos”. Ela conta que estava em uma palestra com o cantor Pepeu Gomes e o trio de percussão local Manarí, quando Pepeu disse que a música da Amazônia ainda vai dominar o mundo. “Eu acredito muito nisso. Às vezes fazer o simples é muito mais difícil. É isso que o paraense faz, não é só música.”

Outras paradas e ativismo — Em seu perfil nas redes sociais, Layse se apresenta como musicista, vocalista, baterista, cantora, instrumentista, coordenadora do Clube da Guitarrada, DJ e diretora musical. “Todas essas coisas que eu faço se encaixam. A DJ me ajuda no palco; a Layse do palco me ajuda como DJ;  elas duas me ajudam como produtora, DJ, cantora, baterista, compositora. Isso tudo também é movido pelo Clube da Guitarrada. Não sei como consigo fazer tantas funções, mas eu tenho muito amor e muito orgulho de misturar tudo isso.”

Clube da Guitarrada É uma organização sem fins lucrativos pela memória e a história dos mestres da guitarrada, “que é nosso ritmo musical. Nossa lambada tocada na guitarra. Isso entra na bachata, no bolero, na cumbia [ritmo colombiano], carimbó”, explica Layse.

Dar aulas gratuitas de bateria para mulheres e crianças é outra atividade importante na rotina de Layse. “Muitas mães me falaram que o sonho das filhas delas era tocar instrumentos musicais. Tenho um projeto, parado por falta de recursos, que são aulas de bateria de forma voluntária. São aulões, uma vez por semana, abertos ao público, mas com foco para mulheres e crianças. Ensino todos a tocarem os ritmos amazônicos.”

Nos palcos, ela sempre levanta a bandeira do feminismo. “Minhas músicas são inspiradas nessas mulheres poderosas, que cuidam do filho cedo, que cuidam da casa, mas estão tomando a sua cerveja”, diz Layse. Em sua análise, se as músicas do passado tinham falas muito machistas, agora elas podem voltar com a presença lírica de mulheres. “A mulher paraense é muito independente e muito charmosa”.