Nos últimos dois anos, sobretudo desde o fortalecimento do Black Lives Matter — causa global antirracista que ganhou o mundo nos protestos contra a morte de George Floyd — as empresas têm adotado mais ações afirmativas e de inclusão, a favor da diversidade. Para o casal de empreendedores Talita Matos, antropóloga, e Eliezer Leal, especialista em tecnologia, aquele momento foi um ponto de virada para as organizações. “Inicialmente, nos Estados Unidos, os funcionários negros e a sociedade começaram a exercer uma pressão muito grande por um posicionamento”, diz Eliezer.
A dupla fundou em 2021 a consultoria Singuê. Seu objetivo é juntar experiências e conhecimentos para promover ambientes corporativos mais igualitários para mulheres, pessoas negras e moradores das periferias brasileiras.
A antropóloga Talita é de Itajaí, em Santa Catarina. Foi a primeira negra de sua família a entrar na universidade e a morar fora do Brasil. Em 15 anos de atuação em projetos sociais, conheceu o País pelo trabalho junto à periferia e a pessoas com deficiência. “O Brasil real é preto, pardo e periférico”, diz. Carioca nascido na Vila da Penha, periferia do Rio de Janeiro. Eliezer é formado em Sistemas de Informação e sempre trabalhou com tecnologia
Os pontos de trabalho da Singuê junto às empresas que contratam seus serviços são a diversidade, a equidade, a inclusão e a educação antirracista. É a partir desses temas que a consultoria ajuda as organizações a criar ações afirmativas, como programas de desenvolvimento de carreira para profissionais negros.
A edição de 2021 do relatório Síntese de Indicadores Sociais, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostra que pessoas negras são a maior parte da população desempregada ou em sub ocupações
Um dos problemas a ser enfrentado é a falta de representatividade. A necessidade de uma segunda língua e ser formado em uma faculdade conceituada são obstáculos evidentes para um profissional negro e periférico, mas Talita acrescenta à lista a falta de referenciais. “A gente não tem um horizonte de referência, isso está tão distante do imaginário, do dia-a-dia”, comenta.
Aquilo que nos entrelaça. Em língua africana, a palavra singuê remete ao que acolhe, ampara. Ações de afeto que para a população negra e periférica foram negadas por muito tempo. No mercado de trabalho, as pessoas negras são as mais prejudicadas, indicam pesquisas
Ambientes igualitários — A Singuê não trabalha no processo seletivo dos profissionais. Ela atua no ambiente de trabalho, nas estratégias de diversidade e acolhimento, no que acontece após a contratação. “Como você garante que tem uma liderança inclusiva? Como você garante que não exista uma cultura que reproduz de forma intencional exclusão? Como você garante que pessoas negras vão ter o mesmo ritmo de progressão?”, indica Talita. Entre os casos de sucesso da empresa, se destaca uma parceria com o banco digital Nubank, onde fizeram um projeto de aceleração de carreira e desenvolvimento de estratégias do Instituto Nu.
Uma trajetória branca em um corpo negro — A antropóloga reconhece o movimento de integração de profissionais negros no mercado, mas olha para ele com lupa e cautela, afirmando que as organizações devem atualizar suas visões de mundo e seus processos. “A gente percebe que essa busca é muito enviesada, como se as empresas quisessem encontrar uma trajetória branca em um corpo negro”, diz Talita. “Para entender a complexidade dessas pessoas neste País, é preciso ter um olhar para a população preta e periférica.”