Desabamento de pontes no Amazonas afeta 100 mil pessoas

Bombeiros fazem buscas após desabamento de ponte no Km 25 da BR-319, no município de Careiro da Várzea (AM). O desabamento ocorreu no dia 28 de setembro. Outra ponte caiu, na mesma rodovia federal, no domingo (9 de outubro), sobre o Rio Autaz Mirim. Região está em estado de emergência que afeta 100 mil pessoas. FOTO: EDMAR BARROS/FUTURA PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO

11/10/2022 - Tempo de leitura: 6 minutos, 45 segundos

Nesta reportagem, você fica sabendo que

→ em dez dias, duas pontes desabaram na BR-319, que liga Manaus (AM) a Porto Velho (RO)
→ 100 mil pessoas estão sendo afetadas
→ há quatro mortos, dezenas de feridos e uma pessoa desaparecida
→ há problemas de desabastecimento e escoamento de produtos
→ é tempo de estiagem, por isso o transporte por terra é fundamental
→ desde a queda da primeira ponte, o deslocamento já estava prejudicado; região está praticamente isolada
→ moradores pedem manutenção da ponte e reforço para o transporte
→ o governador Wilson Lima, candidato à reeleição, esteve com o presidente da República nesta semana mas não há informação de que tenham conversado sobre as pontes


Com reportagem de Waldick Junior, O Estado de S. Paulo

Mais de 100 mil pessoas estão sendo afetadas pelo desabamento de duas pontes ocorrido em um período de dez dias na rodovia federal BR-319, que liga Manaus (AM) a Porto Velho (RO). Os acidentes levaram o governo do Amazonas a declarar situação de emergência em três municípios na segunda-feira, 10. São eles: Careiro da Várzea, Careiro Castanho e Manaquiri, todos na região metropolitana da capital.

“Temos uma série de situações que estão acontecendo e dificultando a vida das pessoas, como o escoamento da produção rural, o desabastecimento de alimentos, remédios e combustíveis. Há um risco de que alguns dos municípios possam ficar sem energia elétrica”, disse o governador Wilson Lima (União) durante entrevista coletiva realizada na manhã desta segunda-feira, 10.

A região amazônica vive o período de estiagem até este mês, o que faz com que o transporte por terra se torne a principal opção de mobilidade. Porém, com o desabamento da primeira ponte (KM 25) em 28 de setembro e da segunda (KM 12), no sábado, 8, a situação é considerada problemática por moradores.

PRODUTORA RURAL PANEJA SACRIFICAR DUAS MIL GALINHAS

A produtora rural Valsineri da costa Peixoto mora no quilômetro 11 da rodovia estadual AM-254 (Manaus – Autazes), ligada à BR-319. Há quatro anos, trabalha com uma granja de sete mil galinhas de produção de ovos. Agora, o custo para comprar ração está muito mais alto. Ela teme não conseguir alimentar todos os animais e já planeja sacrificar cerca de duas mil galinhas.

“Semana passada, quando ainda tinha caído só uma das pontes, tivemos de fretar um barco. A gente teve que se virar e pagamos em torno de R$ 3 mil para a embarcação trazer as 100 sacas de ração, cada uma com 50 quilos, e deixar ali na beira da ponte do quilômetro 12, essa agora que também desabou. Agora, tá sem condições”, diz a produtora. Antes da queda das pontes, o mesmo percurso com os insumos custava em torno de R$ 100 a R$ 200.

“A Secretaria de Produção Rural do município de Autazes mandava um caminhão para vender lá em Manaus o que os produtores daqui forneciam, aí na volta cediam o caminhão para quem quisesse trazer alguma coisa. Era como a gente fazia para pegar as rações”, acrescentou.

A renda da família de Valsireni (ela, o marido e duas crianças) depende da venda das galinhas. “Deus nos livre de não conseguir alimentar essas galinhas. Se elas morrerem, vamos fazer o quê?”, questiona.

O PREÇO DOS ALIMENTOS EXPLODIU

A comerciante Osiane Martins vive no distrito Purupuru, no município de Careiro Castanho, e relata a preocupação com a explosão no preço de alimentos e outros itens de necessidade básica. A maioria das compras para abastecer o estoque de sua mercearia era feita em Manaus, a partir da BR-319.

“Os preços no interior já são maiores normalmente por conta justamente do transporte, mas a gente teve que aumentar ainda mais porque está sem condições. Compramos de uma distribuidora aqui do município que colocou o preço lá em cima esses dias”, afirma a moradora.

Segundo ela, o café em pó, antes R$ 8, agora é vendido a R$ 9. Açúcar, R$ 3,75 antes da queda da ponte, saltou para R$ 4,75 em pouco mais de uma semana. Outros itens tiveram aumentos ainda mais expressivos, como o gás de cozinha, que já era vendido a R$ 120 e agora é encontrado por até R$ 170 no município.

Presidente da Associação de Amigos e Defensores da BR-319, André Marsílio alerta para o risco de o desabastecimento começar a afetar também Manaus e até mesmo Roraima (ligado ao Amazonas pela BR-174), já que ambos os territórios agora estão isolados do restante do país, por terra, após a queda das pontes.

“O risco ocorre porque a maioria dos produtos perecíveis no Amazonas são de fora. Eles vêm pela BR-319 e pela BR-364. O fornecimento vem muito de Rondônia. Agora com os caminhões impossibilitados de realizar esse trajeto até Manaus, o perigo de faltar comida só aumenta”, pontua.

Ação — Moradores do Careiro Castanho e de Autazes criaram um grupo no WhatsApp para marcar um protesto ainda para esta semana. O objetivo dos mais de 200 integrantes é exigir a manutenção da rodovia e a disponibilização de uma balsa que permita à população e aos comerciantes transportarem cargas de uma margem à outra nos rios Curuçá e Autaz Mirim — onde as pontes desabaram.

Atualmente a travessia no Rio Curuçá é feita por duas lanchas da Defesa Civil do Estado. Porém, segundo moradores, quase dois quilômetros antes e depois da ponte estão interditados para carros, obrigando a população a realizar o trajeto a pé. No Rio Autaz Mirim, a travessia também está sendo feita por duas pequenas embarcações cedidas pelo governo estadual.

Em nota divulgada no domingo, 9, a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ) informou que emitiu autorização emergencial para permitir a atuação de balsas no local em que desabou a ponte sobre o Rio Curuçá. Agora, a licença se estende também para travessia no trecho do desabamento no Rio Autaz Mirim.

“A mesma empresa autorizada emergencialmente também já se prontificou a mobilizar balsas para, dentro de cinco dias, iniciar as operações no trecho interditado sobre o Rio Autaz Mirim, e com isso retomar a ligação da rodovia”, diz o órgão federal. O serviço deve seguir até que as condições de tráfego da BR-319 sejam estabelecidas.

Em nota, o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), responsável pela manutenção das rodovias, afirma que técnicos do órgão trabalham para investigar as causas dos desabamentos e no projeto de construção de novas pontes. “O Dnit também monitora a situação das demais estruturas existentes na rodovia”.

Em campanha pela reeleição no segundo turno, o governador do Amazonas, Wilson Lima, tem ressaltado em pronunciamentos que a competência da manutenção da BR-319 é do governo federal. No último dia 6 de outubro, ele foi até Brasília (DF) para reafirmar apoio à reeleição do presidente Jair Bolsonaro (PL). Nas redes sociais, postou fotos com o chefe do Executivo, mas não mencionou qualquer conversa sobre o problema nas pontes.

Durante coletiva de imprensa na segunda-feira, 10 de outubro, o governador confirmou que se reuniria em Brasília (DF) com o Ministro da Infraestrutura, Marcelo Sampaio. A Secretaria de Comunicação do Amazonas (Secom) afirmou que o objetivo era”apresentar as ações de apoio executadas pelo governo do Estado e reforçar o apoio às ações do Dnit, na reconstrução das estruturas”.

No mesmo dia do primeiro desabamento, a gestão estadual criou o Comitê de Resposta Rápida da BR-319, que reúne secretarias de segurança pública, saúde, social, educação e produção rural do estado, e a Assembleia Legislativa do Amazonas (ALE-AM). No acidente do Rio Curuçá, foram confirmadas quatro vítimas e dezenas de feridos. Um homem ainda está desaparecido. Já no caso da ponte sobre o Rio Autaz Mirim, não há registro de vítimas.