Com reportagem de José Maira Tomazela, O Estado de S. Paulo
Autora do livro Lute Como Uma Gorda: Gordofobia, Resistências e Ativismos, resultado de sua tese de doutorado na Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT), a pesquisadora Malu Jimenez considera a gordofobia um estigma estrutural e cultural que é transmitido em diversos espaços e contextos da sociedade contemporânea. “O prejulgamento acontece com a desvalorização, a humilhação, a inferiorização, ofensas e até restrições aos corpos gordos e a pessoas gordas de modo geral”, explicou.
A pesquisadora destacou que comportamentos gordofóbicos são atitudes que reforçam o preconceito, estereótipos que acabam culminando em situações degradantes e constrangedoras que marginalizam a pessoa gorda e a excluem socialmente. “Esses comportamentos acontecem na família, na escola, no trabalho, na mídia, nos consultórios, no hospital, na balada, em qualquer lugar da sociedade”, disse.
Ela lembra que 57% da população no Brasil está acima do peso, segundo dados de 2021 do Sistema de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas. “É um grande erro acreditar que um corpo gordo não pode ser um corpo saudável. Isso só mostra o quanto a gordofobia está internalizada nas pessoas, seja quando acreditam que um corpo gordo não pode ser saudável ou quando acreditam que um corpo magro é saudável. Nem sempre é assim, inclusive, temos de questionar o que significa ser saudável em uma sociedade doente”, afirma a pesquisadora.
Para o advogado criminalista Matheus Herren Falivene, em algumas situações, chamar uma pessoa de gorda pode configurar crime. “Apesar de a gordofobia não configurar o crime de racismo por falta de disposição legal, eventuais condutas gordofóbicas podem configurar o crime de injúria, previsto no artigo 140 do Código Penal”, explicou.
Para a configuração do crime, afirma, é necessário demonstrar o dolo, a intenção do autor em ofender a vítima. “Quando restar configurado o crime ou até mesmo em outras situações em que, ainda que não tenha ocorrido o crime, a pessoa tenha tido sua honra ou sua imagem atingidas, será possível a reparação civil, por meio de uma ação de indenização por danos morais”, disse.
O jurista observou que houve aumento na demanda para propor essas ações. “Isso se deve a mais informação a respeito do tema e, também, porque só recentemente a gordofobia passou a ser considerada um tema relevante. Antes, na maioria das vezes, essas ações nem eram propostas ou, se eram, eram julgadas improcedentes sob a alegação de que haveria ‘animus jocandi’, que é vontade de fazer uma piada, brincar, e não de ofender.”
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O advogado e professor de direito penal Yuri Carneiro Coelho explica que há um movimento para tipificar como crime a gordofobia, como houve com a homofobia, o racismo, a violência doméstica. “Há até um movimento para que se torne qualificado um crime de homicídio contra uma pessoa em razão da fobia por ela ser gorda”, diz. O advogado aponta, no entanto, que a criminalização da gordofobia deve ser o último recurso.
“Penso que, em um primeiro plano, podem ser criadas imposições ao poder público, para que faça campanhas contra esse tipo de ação e atue efetivamente conscientizando as pessoas de que elas não devem ser discriminadas por sua condição de estar acima do peso. Em um momento posterior, se isso não adiantar, aí sim, se justificaria a criminalização da gordofobia”, acrescentou.
Uma pesquisa da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica (Abeso) e da Sociedade Brasileira de Metabologia e Endocrinologia (SBEM) realizada entre os dias de 11 e 21 de fevereiro deste ano ouviu 3.621 pessoas, entre 18 e 82 anos de idade, acima do peso, sendo 75,4% com diagnóstico nutricional de obesidade (89% mulheres). Um total de 85,3% dos participantes relatou ter sofrido constrangimento por causa do seu peso. Quanto maior o grau de obesidade, mais comuns os relatos: quase 100% das pessoas com grau III de obesidade disseram ter sido vítimas.
PROTEÇÃO LEGAL
Reportagem publicada no The New York Times na edição de 27 de fevereiro deste ano, sob o título “Brasil, terra da tanga, abraça seu eu mais pesado”, coloca o País na vanguarda mundial em cuidar da proteção legal de pessoas acima do peso. O jornal apontou leis municipais aprovadas em cidades como Recife, onde foi criado o Dia Municipal de Luta Contra a Gordofobia em setembro de 2021.
A lei criada no Recife assegura às pessoas gordas carteiras escolares adequadas aos seus biotipos corporais nas instituições de ensino básico e superior da cidade, seja de instituições públicas ou privadas, além garantir o ensino livre de discriminação ou práticas gordofóbicas.
Dois projetos de lei do senador Romário de Souza Faria (PL-RJ), em tramitação no Senado, abordam perspectivas de acessibilidade da população gorda. O PL nº 3461/2020 visa a proibir a cobrança adicional para pessoas obesas em transportes – algumas companhias aéreas cobram um adicional de 20% do valor da viagem de pessoas obesas – e em eventos culturais.
Já o PL nº 3526/2020 obriga hospitais e clínicas a disponibilizarem equipamento médico adequado para pessoas obesas. Hoje não há nenhuma regulamentação nesse sentido, o que inviabiliza o atendimento de muitos pacientes, segundo Mariana Vieira de Oliveira, advogada da Comissão de Direitos Sociais da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) no Espírito Santo e ativista contra a gordofobia.
Conforme a advogada, embora o Brasil ainda não tenha leis específicas contra a gordofobia, como nos casos de homofobia e feminicídio, os juízes têm utilizado leis de combate ao preconceito, ao crime de injúria e até o estatuto de proteção à pessoa com deficiência, no que tange à mobilidade, para a proteção da pessoa gorda.