Com reportagem de Gonçalo Junior, O Estado de S. Paulo
Depois de anunciar que suspenderia o atendimento aos pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS), o Hospital A. C. Camargo, referência no tratamento de câncer em São Paulo, mudou sua posição e decidiu manter o atendimento oncológico para o sistema público da capital. O acordo foi anunciado nesta quinta-feira, 18, pelo governador de São Paulo, Rodrigo Garcia (PSDB), candidato à reeleição, após reunião com as secretarias do Estado e do Município e com a direção do hospital.
“Concluímos uma reunião que buscou um entendimento para o que o AC Camargo continue prestando os relevantes serviços para o SUS. O diálogo prevaleceu. O Governo de São Paulo e a Prefeitura de São Paulo se comprometem a continuar complementando aquilo que é pago pelo SUS para que ele possa fazer esse grande serviço”, afirmou o governador.
De acordo com o governador, a nova pactuação também amplia a complexidade dos atendimentos oferecidos pelo hospital, mas os detalhes não foram divulgados. “Os números do próximo contrato, a forma e qual tipo de tumor serão objeto das próximas reuniões. Esse detalhamento vai deixar a todos nós mais orgulhosos”, afirmou o médico Victor Piana de Andrade, CEO do hospital.
“O nosso acordo prevê que nós vamos focar o A.C. Camargo no atendimento de alta complexidade, que é onde o hospital tem mais bem-estar e é onde sua estrutura está mais preparada. O que a gente está entrando em acordo aqui é que A.C. Camargo, Prefeitura e Estado vão, juntos, encontrar uma sustentabilidade financeira”, completa o diretor geral do hospital.
Os números de pacientes que serão atendidos pelo hospital também não foram divulgados. Andrade afirma que esse número varia, ano a ano, de acordo com o ambiente privado. “Ano a ano a gente negocia a quantidade de pacientes que temos condições de atender. Não há predeterminação do número de pacientes. É um equilíbrio de sustentabilidade de longo prazo”.
Defasagem dos pagamentos levou ao anúncio de suspensão do atendimento
O hospital A.C.Camargo informou no início da semana que deixaria de atender pacientes do SUS a partir de dezembro deste ano, encerrando o contrato com a Prefeitura de São Paulo. Entre os motivos da decisão está a defasagem do modelo de pagamentos por consultas e procedimentos feitos pelo poder público aos prestadores de serviço particulares, de acordo com o médico Victor Piana de Andrade, CEO do hospital, em entrevista ao Estadão.
“A inflação médica está muito acima do que a inflação usual da população e, de fato, uma tabela sem reajuste nos dificulta. A gente vem ano a ano tendo de subsidiar cada vez mais, e o nível desse subsídio não pode arriscar a subsistência, a perenidade da instituição”, declarou o médico antes do acordo.
Há quatro anos, a instituição informa que conseguia receber cerca de 1,2 mil novos pacientes atendidos via SUS em um só ano. À época, para cada R$ 1 investido pelo Ministério da Saúde, a instituição calcula que tinha de gastar praticamente o mesmo valor.
Nos últimos anos, no entanto, o valor que o hospital deve despender para conseguir atender um paciente que chega pelo SUS aumentou consideravelmente, o que já vinha se refletindo na diminuição dos pacientes recebidos. Neste ano, por exemplo, a previsão é abrir apenas 96 novos tratamentos de câncer pelo SUS – medida tomada para não aumentar o prejuízo.
No ano passado, o A.C.Camargo recebeu R$ 36 milhões ao longo de um ano para atender pacientes do SUS, mas teve de investir quase R$ 100 milhões adicionais para conseguir atendê-los. Os valores que o Governo de São Paulo e a Prefeitura vão desembolsar como compensação financeira para a manutenção do atendimento não foram divulgados.
As dificuldades enfrentadas pelo A.C. Camargo se reproduzem em outros hospitais. A interrupção das cadeias de produção e distribuição de medicamentos e insumos de uso hospitalar inflacionam os preços desde o início da pandemia. Um estudo feito em grandes hospitais revela o impacto da covid-19 nos custos de saúde ao investigar as compras feitas por hospitais públicos brasileiros.
O índice de preços da cesta de medicamentos hospitalares analisada apresentou aumento de 97,49% no período de fevereiro de 2020 a junho de 2021, segundo o estudo feito pelo Instituto Brasileiro das Organizações Sociais de Saúde (Ibross), que representa 21 organizações sociais que mantêm contratos de gestão com Estados e municípios, em parceria com a consultoria GO Associados.
No caso dos materiais médico-hospitalares, o índice de preços registrou alta de 161,14% entre fevereiro de 2020 e abril de 2021.Segundo o estudo, foram encontradas evidências de que houve quebra estrutural nas séries de preços a partir de maio de 2020. Isso significa que os preços se comportaram de maneira diferente da tendência apresentada entre 2018 e 2019.