Perguntar para as crianças negras e das periferias como elas se veem no futuro é uma forma de estimular o exercício de projeção de um imaginário positivo sobre elas. Essa é uma das motivações do audiobook Afrofuturo Ancestral do Amanhã, produzido por um grupo de quatro amigos de São Paulo.
A íntegra do livro — também disponível em papel — pode ser ouvida no Spotify. Em voz alta — e acessível a um público mais amplo —, a história escrita por Henrique André, de São Mateus, é ambientada em uma sala de aula. Quando a professora provoca os alunos como a pergunta “como vocês se vêem no futuro?”, um dos estudantes a surpreende ao responder que se vê fazendo afrofuturismo.
“Afrofuturismo é um termo novo no Brasil, mas o conceito já é utilizado há bastante tempo”, explica o autor Henrique André. “É uma maneira de mostrar para as crianças a potência da nossa criação negra para que elas possam vislumbrar futuros potentes e transformadores de autoestima.”
O termo afrofuturismo foi cunhado nos Estados Unidos pelo escritor Mark Dery na década de 1990 e provocou o que hoje é conhecido como um momento cultural, social e político que promove o encontro entre tecnologia, realismo fantástico e tradição africana. Conectadas à ancestralidade, a um passado que foi apagado pela escravização, narrativas afrofuturistas permitem projetar um amanhã para a população negra.
O escritor, dedicado à literatura infantojuvenil, recorreu a três amigos para a produção do audiobook. Tutano Nomade fez a adaptação e Vanderson Satiro produziu e mixou. A locução é de Magno Rodrigues.
Além da história afrofuturista, a trilha sonora de Afrofuturo Ancestral do Amanhã traz referências do continente africano. “Quando se fala em africanidade, há sempre o tambor. Mas o continente africano criou várias tecnologias. Para a história, usamos a kalimba, um instrumento sagrado e tocado em ocasiões especiais”, diz Vanderson Satiro, responsável pela mixagem.
Milenar, a kalimba remonta ao período em que o metal chegou em África, mais precisamente no Zimbábue, onde se tornou símbolo nacional da música tradicional e contemporânea. “O som remete ao sonho, algo bonito e que sai do plano comum que a gente vive. Quando eu li o texto do Henrique André, achei que tinha tudo a ver com a questão do afrofuturismo”, acrescenta Vanderson.
História e cultura afro — Um dos objetivos do livro Afrofuturo Ancestral do Amanhã é apoiar a lei federal 10.639, de 2003, que tornou obrigatório a inclusão do ensino sobre história e cultura afro-brasileira e africana no currículo das escolas públicas e privadas. Segundo a Fundação Cultural Palmares, órgão vinculado ao governo federal, esse estudo “desconstrói o imaginário criado em torno do ser negro, que ao longo da história brasileira foi inferiorizado”.
O livro físico acompanha um guia de orientação pedagógica para uso dos professores. Henrique destaca a importância da inclusão de materiais sobre África nas disciplinas escolares ao longo de todo o ano letivo em vez de apenas em meses como maio, em que é comemorada a abolição da escravatura, e novembro, mês da Consciência Negra.
Potencializar o olhar das crianças para que elas se vejam em obras onde seus papéis não são subalternos é muito importante. O afrofuturismo preenche uma lacuna provocada pelo racismo (Henrique André, escritor)
“É importante apoiar a lei de estudo sobre história africana durante todo o ano, pois esse apagamento que a escravização provocou é violento e nos atravessa até hoje”, diz Henrique. “Potencializar o olhar das crianças para que elas se vejam em obras onde seus papéis não são subalternos é muito importante. O afrofuturismo preenche uma lacuna provocada pelo racismo.”
Por enquanto, o livro com o guia está disponível a educadores que buscam, por conta própria, incluir o afrofuturismo nas práticas pedagógicas. Mas o autor busca editais que viabilizem a distribuição da obra, para que ela chegue ao maior número possível de escolas do Brasil.