Mulheres negras na política representam futuro melhor para o Brasil, dizem especialistas

No dia 14 de março de 2018, a vereadora do Rio de Janeiro Marielle Franco e seu motorista, Anderson Gomes, foram assassinados no Rio de Janeiro. A violência política de raça e gênero atravessa a luta das mulheres negras para ocupar espaços de poder no Brasil. Foto: Instituto Marielle Franco/Divulgação
Beatriz de Oliveira, Nós Mulheres da Periferia
27/09/2022 - Tempo de leitura: 7 minutos, 9 segundos

Um homem branco, velho e de terno. É essa a imagem que costuma ser associada à palavra política. Segundo pesquisadoras ouvidas pela reportagem, não é por acaso: a estrutura política foi criada por e para um pequeno grupo. A pergunta é: como as mulheres negras têm enfrentado a lógica racista, que forma as estruturas brasileiras, para conquistar espaços de poder e propor mudanças na sociedade?

Segundo levantamento do Instituto Ipsos, de 2017, 94% dos eleitores não se sentem representados pelos candidatos em que votaram. Outro dado pode indicar um caminho para essa falta de identificação com os políticos: as mulheres negras ocupam apenas 2% das cadeiras no senado e na câmara, no Congresso Nacional. E olha que elas representam 28% da população brasileira.

“Esse percentual [de mulheres negras no Congresso Nacional] é o reflexo de uma sociedade que, com base no racismo, no sexismo e nas práticas misóginas, distribui poderes e violências a partir do lugar que se ocupa nela. E essa distribuição é fruto de uma história racista baseada em práticas coloniais e escravocratas e que, ainda hoje, encontra força”, afirma Roberta Eugênio, mestre em Direito e co-diretora do Instituto Alziras, organização que trabalha para ampliar a presença de mulheres na política. No mestrado, Roberta estudou a violência política contra as prefeitas negras no país. “Se esse quadro revela uma desigualdade histórica e estrutural, ele também expõe um pacto de manutenção dessas práticas no Brasil. E é esse pacto que a gente quer romper”, diz a advogada.

Entre as iniciativas do movimento negro que somam esforços para romper com esse pacto, está o Quilombo nos Parlamentos, da Coalizão Negra por Direitos, que apoia 120 candidaturas comprometidas com a luta anti-racista. Durante evento de apresentação da campanha para influenciadores digitais, no dia 13 de setembro, o professor Hélio Santos, presidente do Instituto Brasileiro da Diversidade, destacou que se as mulheres negras ocuparem ao menos 10% das cadeiras no Congresso Nacional a partir das eleições de 2022 será um fato revolucionário. “Quem luta contra o racismo está consolidando um desenvolvimento com sustentabilidade”, disse o professor.

O primeiro turno das eleições ocorrerá em 2 de outubro. Os brasileiros vão às urnas para escolher presidente da República, governador, senador, deputado federal e deputado estadual (ou distrital, no caso do Distrito Federal.

MAIS PESSOAS NEGRAS NA DISPUTA, OU NÃO

Neste ano, pela primeira vez desde 2014 — quando a declaração de raça dos políticos teve início —, o número de candidatos negros superou o de brancos. Segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), 49,7% dos concorrentes ao pleito de 2022 se autodeclararam negros. No entanto, reportagem do site Jota, revelou que entre os 241 deputados estaduais e distritais que disputam a reeleição e se declaram como pardos, 30% haviam se declarado como brancos em 2018.

O pacto silencioso dos homens brancos — No mesmo evento de apresentação da iniciativa Quilombo nos Parlamentos, citada anteriormente, a psicóloga e ativista Cida Bento pontuou que as estruturas políticas foram criadas para serem lideradas por homens brancos, que agem a partir de um pacto silencioso para se manter no poder. “Como entrar na estrutura de uma maneira diferente da que está lá?”, questionou a autora do livro O Pacto da Branquitude.

Para a advogada Roberta Eugênio, a trajetória de homens brancos conduzindo a política revela a necessidade de diversificar as pessoas que criam e propõem leis no País. “É um poder de poucos para poucos, e que, inclusive, não corresponde aos princípios constitucionais que hoje vigem essa nação”, afirma.

Na tentativa de romper essa barreira, mulheres negras enfrentam um combo de empecilhos. Conforme afirma Roberta, as dificuldades socioeconômicas históricas estão nos campos institucional, simbólico e material:

→ Mulheres negras têm menos tempo para se dedicar à vida política e a campanhas, por serem mais sobrecarregadas, tendo que lidar, por exemplo, com o cuidado da família e da comunidade
→ Mulheres negras têm menos recursos para destinar à política institucional, porque formam o campo mais empobrecido da sociedade brasileira
→ Mulheres negras por vezes, sequer são respeitado, sendo tratadas como se não fossem capazes de exercer cargos políticos

A especialista aponta ainda para o fato de não existir política pública específica de incentivo a candidaturas de mulheres negras, apesar de existirem iniciativas para candidatos negros e candidatas mulheres em geral.

Mulheres negras em cargos políticos são alvos de violência — Anielle Franco, educadora e diretora do Instituto Marielle Franco também estava presente no ato do Quilombo nos Parlamentos e alertou para a necessidade de cuidar das mulheres negras eleitas para que permaneçam nos seus cargos em segurança. Emocionada, ela lembrou do assassinato da irmã Marielle Franco. Ainda com lágrimas nos olhos, afirmou que sabe que a irmã “iria longe” na política.

VIOLÊNCIA POLÍTICA CONTRA MULHERES NEGRAS

A pesquisa Violência Política de Gênero e Raça no Brasil (2021), do Instituto Marielle Franco, acompanhou mulheres negras eleitas a partir do pleito de 2020 e concluiu que, apesar de mulheres negras vindas de movimentos sociais conquistarem certa proteção (por causa a visibilidade de cargos políticos), elas não estão blindadas da violência. “A violência destinada a esses corpos e às lutas que eles representam não cessa. Ao contrário, se sofistica e se irradia para aqueles que estão próximos, sendo os ataques direcionados também às equipes dos mandatos ou mesmo aos familiares dessas parlamentares”, diz um trecho do relatório.

Outra vez recorremos à análise de Roberta Eugênio, do Instituto Alziras. Para ela, mais do que uma reação ao acesso das mulheres negras ao poder, a violência política organiza esses espaços a partir de dinâmicas próprias e perversas.

Outros empecilhos — Há vários outros fatores que dificultam o exercício do mandato de mulheres negras. Advogada com foco em direito público, Mariane dos Santos indica que entre eles está o fato de as mulheres exercerem várias jornadas de trabalho. Além de se preocupar com o mandato, têm demandas com a casa e a maternidade, por exemplo.

Mariane integra o movimento Mulheres Negras Decidem. Mestranda na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), onde estuda mandatos coletivos, ela aponta também a hostilidade e a falta de empatia nos espaços políticos. Como exemplo, lembra do caso de Áurea Carolina, parlamentar negra mais votada para o cargo de deputada federal em Minas Gerais e que decidiu não concorrer às eleições de 2022 para cuidar de sua saúde mental.

Presenças marcadas — Fato é que, ao alcançar cargos públicos, parlamentares negras têm apresentado projetos significativos para o País. Roberta Eugênio explica que de modo geral as propostas buscam soluções para problemas históricos e contemporâneos. Ela acrescenta, ainda, uma questão simbólica: a diversidade nos espaços de poder traz uma nova forma de olhar e fazer política.

As experiências de vida dessas mulheres negras são ponto crucial para a elaboração de seus projetos, ressalta Mariane dos Santos. Afinal, parte desse grupo morou em periferias e vivenciou problemas sociais no cotidiano. “A atuação é bastante inclinada para propostas que envolvem direito das mulheres, combate à violência doméstica, combate ao racismo, saúde pública, educação básica e proteção aos povos tradicionais”, diz a pesquisadora.

Sementes de Marielle — Após o assassinato da vereadora Marielle Franco houve um movimento expressivo de candidaturas femininas negras no Brasil. Mariane entende que a tendência é que elas sejam eleitas cada vez mais. “Pensar em mais mulheres negras ocupando a política institucional é pensar esperança e possibilidade, é ansiar por um futuro melhor”, avalia. “Quando a gente tem a base da pirâmide social com os seus direitos assegurados, a gente pode ter certeza que todo o restante que vem por cima já teve seus direitos atendidos.”

Roberta Eugênio também anseia por um futuro com mais mulheres negras no poder. “Um país que não acolhe as suas maiorias, não apenas em termos de representação política, mas também de necessidades para o desenvolvimento de uma vida digna, é um país fadado ao fracasso. Então, mais mulheres negras na política significa um futuro possível para o Brasil num caminho democrático.”