O setor de transporte de carga já teme diferentes reflexos da guerra entre Rússia e Ucrânia, que teve início em 24 de fevereiro. Com o aumento do preço do diesel na bomba, o segmento prevê o repasse desse custo aos fretes e aguarda também aumentos de preços de pneus e outros insumos. A redução da demanda por transporte é outra possibilidade. Nos primeiros negócios da segunda-feira (7 de março), a cotação do preço do barril de petróleo do tipo Brent chegou a quase US$ 140.
“Já se espera para breve um reajuste do diesel e isso pode ser só o começo de uma grande onda de aumentos”, afirma o CEO da startup Gasola, Ricardo Lerner. Ele acredita em um reajuste inicial de R$ 0,25 no valor do diesel. “Vai gerar pressão inflacionária”, recorda. A Gasola controla um aplicativo que conecta frotistas e postos para o pagamento de combustível.
“O transportador não tem condição de absorver aumento de custos, temos de fazer os repasses”, lamenta o presidente da ABC Cargas, Danilo Guedes. Diego de Tomasi, vice-presidente do Setcergs (sindicato que reúne transportadoras no Rio Grande do Sul), afirma: “Vivemos um cenário bastante tenso desde 2021 e com o novo conflito acreditamos em reajustes também em pneus, lubrificantes, Arla 32 e outros em cadeia.”
De Tomasi diz que as empresas de sua região estão com valores de frete defasados e que, por isso, terão de repassar algum porcentual, mas recorda que as quedas recentes na cotação do dólar tendem a reduzir o impacto da alta do petróleo.
Marcelo Rodrigues, vice-presidente do Setcesp (entidade paulista do setor de carga), lembra que o diesel subiu cerca de 50% no ano passado e que reajustes no frete serão inevitáveis em caso de novos aumentos no combustível: “Com o mundo já em caos [como consequência da pandemia de Covid-19], imagine o que pode ocorrer em relação à guerra.”
O executivo do Setcesp também cita como problema a redução do transporte de itens exportados à Rússia como soja, carnes de frango e bovina, café, amendoim e açúcar, além dos fertilizantes trazidos daquele país.
O assessor técnico da Associação Nacional do Transporte de Carga e Logística (NTC&Logística), Lauro Valdivia, teme o cenário de recessão em caso de prolongamento do conflito, “com consequente redução do volume de carga transportada”. E recorda que os reajustes do diesel são mais sentidos pelos autônomos e pequenos transportadores: “O combustível representa 35% das despesas para as grandes empresas, mas para os pequenos e autônomos esse peso é de 40% a 50%”.
Além das frequentes altas nos combustíveis no período recente, o setor de transporte enfrentou ainda o aumento de preços e desabastecimento de pneus. “Também sou um transportador e antes da pandemia eu pagava R$ 1.250 num pneu comum para carreta [medidas 295/80- 22.5]. Hoje, está barato quando encontro por R$ 2.500”, recorda o vice-presidente do Setcesp.
O diretor comercial da transportadora Braspress, Giuseppe Lumare, acredita que, além do provável reajuste dos pneus (por causa de matérias-primas derivadas de petróleo), pode ocorrer a falta do produto em razão da demanda atual por caminhões.
Em 2021, segundo a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), foram produzidos no Brasil 158,8 mil caminhões, o melhor resultado desde 2013, e expectativa para este ano é de cerca de 170 mil. Durante o ano passado já houve falta de pneus nas linhas de montagem.
Além da indústria de caminhões, os fabricantes de carretas consumiram grande quantidade de pneus: no ano passado foram emplacados 90,3 mil implementos rebocáveis, número recorde para o setor, que pode crescer mais 10% este ano.
Ao contrário do que estimam outros transportadores e representantes do setor, Lumare, da Braspress, acredita nem todos vão repassar aumentos de diesel em curto prazo. “As grandes transportadoras reajustaram seus preços neste início de ano e não devem repassar aumentos de diesel nos próximos 90 dias, a não ser que ocorra uma grande mudança no cenário de guerra”, diz o diretor comercial da companhia.
O executivo também acredita em um cenário favorável ao Brasil: “Há a possibilidade de atração de capital para cá com o desinvestimento na Rússia e apreciação do real”. De acordo com Giuseppe Lumare, a Braspress anotou aumento de 17% na quantidade de fretes neste primeiro bimestre na comparação com o mesmo período do ano passado. “E em conversas com concorrentes, soubemos que tiveram crescimento semelhante.”