Conhecida mundialmente por ser o lar de Gabriel Medina, um dos principais nomes do surf, Maresias carrega uma outra marca, que tem menor repercussão na mídia e maior influência no dia a dia dos moradores: não há saneamento básico no bairro na costa sul da cidade de São Sebastião, litoral norte de São Paulo. No verão, quando a população da região aumenta, a poluição piora.
Ciente do problema — que para ser resolvido requer medidas concretas do poder público, além de práticas responsáveis de frequentadores e moradores —, o consultor tributário Thiago Oliveira fundou em 2016 o projeto socioambiental Desengarrafando Mentes.
O objetivo é estimular a preservação dos recursos naturais da região e conscientizar a população sobre os impactos de suas ações na natureza. O projeto realiza mutirões de limpeza, medições da qualidade das águas e eventos culturais, como saraus, palestras e rodas de conversa. Uma horta comunitária também está tomando forma.
“Os índices de coliformes fecais sobem a cada medição que realizamos no Rio Maresias e a população têm participado diretamente desse trabalho”, afirma Thiago. Durante a pandemia, palestras e programas de entrevista com especialistas passaram a ser transmitidos nas redes sociais do projeto. Atualmente, o programa tem cerca de 100 voluntários.
Uma das mais importantes atividades do Desengarrafando Mentes engaja jovens moradores na fabricação de trashboards, pranchas de surf feitas de materiais recicláveis. As peças são utilizadas em treinamentos e torneios, em parceria com o Instituto Esporte Educação. “Encontramos nas trashboards o caminho para levar conscientização e diversão para as crianças”, diz Thiago. “Temos que lixar, colar e recortar materiais que aparentam ser inúteis. É um processo simples, mas que demanda muita paciência e dedicação.”
O Desengarrafando Mentes, que sempre atuou em espaços públicos e parcerias com fábricas de prancha, vai inaugurar uma sede neste segundo semestre de 2021. Ela fica no Morrinho, uma área que sofre com problemas de coleta de lixo, violência e falta de assistencialismo social.
A cabeleireira Bruna Ranali Giusti integra as atividades junto com a filha, que tem 12 anos. “Acompanho há muitos anos o trabalho lindo de conscientização que é feito com as crianças e foi assim o meu primeiro contato com o projeto”, conta Bruna. “Não se trata só de ensinar a recolher o lixo, mas de amar o local onde vivemos e lutar para preservá-lo.”
Brenalta MC, artista e participante, ressalta que além de atender as demandas locais o Desengarrafando tem contribuído para que a população se sinta pertencente e responsável pelo território. “Cresci pensando que lazer, descanso e praia não eram para os ‘meus’. O que é normal para a elite costuma ser distante para nós que somos da periferia”, diz Brenalta. “A praia é do morro, assim como de toda a cidade, porque as pessoas que moram nas favelas são as que fazem a força maior por todas as camadas da sociedade.”
Dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), coletados em 2019, mostram que 42,1% da população do município São Sebastião não tem tratamento de esgoto. A cidade está abaixo da média do estado de São Paulo (90,28%) e do Brasil (65,87%).
O atual índice de balneabilidade (qualidade da água) publicado pela Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb) indica que apenas a praia do bairro São Francisco, na costa norte de São Sebastião, está imprópria para banho.
No entanto, de acordo com o biólogo e membro do conselho consultivo do Parque Estadual da Serra do Mar — Núcleo São Sebastião e do Conselho Municipal de Meio Ambiente, Alexandre Amorim Ranali David, o número de frequentadores duplica no verão com a chegada dos turistas e muitas praias da cidade ficam inapropriadas para banho por causa do aumento do descarte de esgoto sanitário irregular. “Além desses fatores, a ausência de investimentos do poder público em políticas ambientais para essas zonas especiais prejudica ainda mais o meio ambiente e toda a comunidade”, diz Alexandre.
O especialista afirma, ainda, que e falta de conhecimento a respeito da importância da conservação da natureza para a melhoria da qualidade de vida e o desrespeito a normas e legislações ambientais são determinantes para a degradação da Mata Atlântica no litoral norte paulista.