Eletrificação
A eletrificação é uma tendência aparentemente irrefreável no Brasil, mas o jogo ainda não está ganho. Há um dado que destoa dos números de desempenho tão favoráveis dos veículos eletrificados no País: 38% dos usuários dessa tecnologia consideram voltar ao carro com motor a combustão. Ou seja, um a cada três donos de elétrico cogitam a possibilidade.
Esse é um dos resultados da pesquisa “eMobility no Brasil: nova normalidade ou tendência transitória?”, realizada pela consultoria McKinsey & Company, divulgada com exclusividade pelo Mobilidade Estadão. Durante 45 dias, cinco mil pessoas de todo o País responderam, de forma online, 200 perguntas. Desse total, o volume afunilou para três mil, considerando classe social, distribuição de renda e população urbana e rural.
No geral, porém, as projeções são otimistas. Para falar do levantamento, conversamos com Daniele Nadelin, sócio associado da McKinsey e líder na América Latina do Centro de Mobilidade Futura da empresa. Confira.
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O que motivou a pesquisa da McKinsey?
Queremos entender detalhadamente o que deverá acontecer na mobilidade urbana brasileira nos próximos anos. Captar as percepções do consumidor, o desenvolvimento da infraestrutura de recarga, o impacto da chegada das fabricantes chinesas e as intenções futuras dos envolvidos no ecossistema. O estudo é baseado em modelo matemático e analisou todas as variáveis, inclusive os aspectos culturais.
Como está o panorama da eletrificação global?
Nos últimos sete anos, as curvas de venda mostram oscilações. Na China, o crescimento é consistente. De dois carros zero-quilômetro vendidos, um é elétrico. Não há dúvida de que eles estão um passo à frente do resto do mundo. Já a Europa apresenta uma pequena desaceleração, uma vez que foi afetada pelo fim dos incentivos públicos. Os governos acabaram com o subsídio de 20% na compra de um elétrico. Nos Estados Unidos, as vendas encontram-se em ritmo mais lento: de 10% passou para 9%. No Brasil, essa participação em 2025 está em 6% de veículos totalmente elétricos e 11% incluindo os eletrificados.
A que se deve esse aumento no Brasil?
A cada trimestre, as vendas crescem, em média, 22% no País, porque os preços tornam-se mais atrativos. E a tendência é de aumento significativo. Em 2022, a Volvo liderava as vendas com 27% e, agora, as marcas chinesas estão dominando o mercado, com BYD (65%) e GWM (17%). O motivo é claro: elas chegaram com uma proposta de carros econômicos, boa estratégia de distribuição e canal de vendas diferenciado. Algumas marcas não apenas expõem seus carros em shoppings centers, por exemplo, mas fazem desses locais um ponto de venda.
O senhor falou de preços mais atrativos. Como as marcas conseguem alcançar essa equação?
Isso acontece devido aos planos de fabricar no Brasil. O valor de um modelo que, importado da China, custa R$ 160 mil, cairá para R$ 143 mil com produção local. Haverá escalabilidade na produção, redução nos custos da bateria e a cadeia de suprimentos tende a ser mais competitiva.
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Mas só a competitividade de custos explica o sucesso de marcas como a BYD?
Existem três elementos importantes. No caso da BYD, o primeiro é sua ação verticalizada no mundo. Ela produz as baterias e até mesmo o navio que transporta os carros. Assim, não precisa pagar fornecedores. É claro que a estratégia não é perfeita, pois, em períodos de crise, a empresa arca com os custos altos. O segundo ponto é que eles acertaram na mosca ao oferecer, no timing correto, um carro mais econômico para motoristas de aplicativo e taxistas, que rodam mais de 150 quilômetros por dia. E, terceiro, eles agregam valor ao produto quando garantem revisões gratuitas. É um sinal de que entendem a dor do usuário.
Apesar de números tão positivos, por que 38% dos donos de veículos elétricos no Brasil consideram voltar aos veículos com motor a combustão?
A batalha da eletrificação ainda não está ganha, porque há um fator muito importante que precisa ser superado: a recarga. Das cinco razões para essa intenção, quatro têm a ver com esse tema: a preocupação com a recarga é estressante (35%), o padrão de direção de viagem de longas distâncias (32%), a impossibilidade de abastecer a bateria em casa (24%) e a carência de pontos de infraestrutura em locais públicos (21%). O elevado custo total de propriedade (TCO) aparece com 34%.
Então, a eletrificação corre o risco de retrocesso?
Segundo o levantamento, até 2030, o Brasil precisará de 570 mil pontos de recarga públicos, residenciais e nas garagens das empresas para fazer frente ao crescimento da frota. Hoje, temos 121 mil. As instalações residenciais e dos prédios mais antigos precisam de upgrade para suportar a demanda dos carros elétricos, com projeção de 4,7 mil gigawatts por hora (GWh), em 2030. Trata-se de um desafio e tanto, mas não é impossível.
Como atingir esse número de pontos de recarga?
Dependemos de investimentos privados, mas deveríamos contar também com incentivos do governo. Proporcionalmente, a massa de veículos elétricos que está ganhando as ruas é superior ao número de aparelhos de recarga. Até 2040, 11 milhões de veículos da frota nacional serão elétricos e híbridos plug-in. No entanto, atualmente temos de 20 a 30 carros por ponto, quando a média saudável seria de 10 a 15. Sem incentivos público, a transição será mais lenta.
Como deveriam ser os investimentos públicos?
Nunca veremos um investimento direto do governo, mas ele pode beneficiar quem investe em eletropostos, com medidas como redução de impostos. Não é uma decisão simples, porque o País tem o diferencial do biocombustível e do etanol e é preciso balancear as tecnologias. No final das contas, o que importa é a descarbonização.
O Brasil tem energia para abastecer toda essa frota?
A geração de energia e a transmissão dela das usinas até as subestações não são problemas. A questão é daí pra frente: distribuir a energia das subestações das cidades até os pontos de recarga. É em ima disso que as concessionárias deveriam se mobilizar.