Flávia Consoni, professora da Unicamp, lança livro sobre mobilidade elétrica. Foto: Arquivo Pessoal
O livro “As cidades como protagonistas – políticas públicas de transição para a mobilidade elétrica” é uma obra robusta, de 320 páginas, que relata as estratégias de 30 cidades do mundo para avançar na mobilidade elétrica.
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Coordenada por Flávia Consoni, professora livre-docente do Programa de Pós-Graduação em Política Científica e Tecnológica do Instituto de Geociências da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), a obra, lançada pela Editora Papagaio, foi escrita por Tatiana Bermúdez Rodriguez, Altair Aparecido Oliveira Filho, Edgdar Barassa e Anna Carolina Navarro depois de um período de cinco anos de pesquisas.
O estudo nasceu do programa de investimentos de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovaçao (PDI) da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) que, em 2018, fez uma chamada de projetos estratégicos voltada à mobilidade elétrica.
Assim, 30 propostas foram aprovadas, entre elas, o do livro, que teve o apoio da CPFL. Em entrevista ao Estadão Mobilidade, Flávia Consoni fala das experiências de algumas cidades e do cenário da eletrificação no Brasil.
É um convite para que o Brasil repense suas iniciativas rumo à descarbonização e conheça ações e experiências de 30 cidades do mundo. Elas traçaram estratégias para fomentar e organizar o espaço urbano, a fim de avançar na mobilidade elétrica. Mapeamos 50 cidades com uma pergunta em mente: “O que está se fazendo lá fora, de norte a sul, que pode ser aplicado no Brasil?”.
No chamado globo norte destaco Oslo (Noruega), Berlim (Alemanha), Amsterdã (Holanda), São Francisco, Los Angeles e Nova Iorque (Estados Unidos) e Shenzhen (China). No globo sul estão Bogotá (Colômbia), Santiago (Chile), Cidade do Cabo (África do Sul) e Nova Délhi (Índia).
Nos Estados Unidos, empresas fizeram compras coletivas de veículos elétricos, aumentando o poder de barganha junto às fabricantes. Bruxelas, capital da Bélgica, mexeu na logística.
Os carros de entrega com motor a combustão estão proibidos de entrar na cidade. São deixados em um estacionamento de onde saem os modais elétricos para levar as mercadorias. Na Noruega, as decisões são centralizadas, beneficiando todos os usuários, ao contrário do Brasil, que dá descontos de IPVA em apenas algumas cidades.
Países europeus criaram zonas de baixa emissão, exclusivas aos veículos eletrificados. Isso ajuda a despoluir os centros urbanos e aumenta o silêncio no trânsito, deixando mais amigável.
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A China fechou o cerco contra a compra de carro a combustão. Lá, a posse da placa do veículo é do motorista, mas custa tanto quanto um zero-quilômetro. O automóvel elétrico dispensa isso. A cidade de Shenzhen eletrificou 100% da frota de ônibus, mas antes enfrentou resistência da população. Então, ela se aproximou dos usuários, levando-os para conhecer a fábrica, como os veículos são desenvolvidos e os projetos de descarbonização.
Os exemplos descritos no livro devem servir de inspiração, porém, replicá-los no Brasil pode ser complexo. É preciso analisar caso a caso.
A mobilidade elétrica é disruptiva, porque promove mudanças profundas. Mas é necessária porque o transporte público aparece como grande emissor de dióxido de carbono (CO2).
Dessa forma, todos os integrantes da cadeia automotiva – como fabricantes e setores de autopeças e energia – devem se engajar, com decisões alinhadas. Não adianta, contudo, os ônibus elétricos ficarem parados nas garagens das operadoras aguardando a conexão adequada de energia. Os modais precisam ser eletrificados.
Gosto do exemplo de São José dos Campos (SP), que incentivou a composição de várias frotas de veículos eletrificados, como a da Guarda Civil Municipal, ao publicar, em 2018, a lei que autorizava o poder público a investir na mobilidade elétrica.
A mobilidade elétrica deve partir de um direcionamento do governo, que precisa demonstrar desejo de fazer as mudanças necessárias. O novo PAC foi um bom passo, com linhas de financiamento destinadas à renovação de frota do transporte público.
Será que o setor de energia já está preparado para acompanhar essa jornada? Além disso, nem sempre existem profissionais capacitados para liderar a transição.
Os municípios querem iniciar a eletrificação, mas não sabem como dar o primeiro passo. A academia tem papel importante para fornecer expertise. A Unicamp acaba de formatar um curso chamado “Políticas públicas para a promoção de mobilidade elétrica em cidades”.
Com duração de 30 horas, ele detalha ferramentas de políticas públicas, com a participação de gestores de outras cidades que já passaram por essa experiência, em um amplo espaço de diálogo.
Há uma demanda no Rio Grande do Norte, que pretende se abrir para a eletrificação veicular a reboque das atividades do Parque Científico e Tecnológico Augusto Severo. Por sua vez, Piauí está olhando com atenção para a solução do hidrogênio e Ceará também discute a transição energética.
Uma vez incorporada, a eletrificação veicular dificilmente sai dos planos da cidade, porque se trata de uma ótima alternativa econômica. No começo, os preços dos ônibus elétricos elevam os custos, mas depois as vantagens são visíveis. No entanto, há gargalos e o principal deles é a falta de mão de obra na manutenção dos veículos.
Muitos colegas da universidade acreditam na célula de combustível de hidrogênio, mas penso que sua utilização vai demorar bastante. É caro e tem infraestrutura de recarga complexa. Veja o caso do modelo Toyota Mirai, que não avança. O hidrogênio fará mais sentido aos veículos pesados.
Tenho notado uma grande interrogação sobre um possível colapso da energia com a expansão da mobilidade elétrica. Se isso ocorrer, não será pela escassez de energia, mas sim pela falta de planejamento na hora de conectar a rede elétrica nas garagens. Uma das soluções é a energia fotovoltaica.
Há muitas informações e iniciativas que visam dar o suporte adequado às empresas envolvidas na eletrificação. É o caso do projeto Acoplare (Acoplamento de Setores e Energia Verde), uma cooperação entre os governos de Brasil e Alemanha, que discute a descarbonização da economia brasileira por meio da integração de setores de energia, transporte e indústria.
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