Como o sistema de transportes urbanos de SP reafirma desigualdade socioespacial de raça e renda
Estudo feito por Pedro Logiodice e Mariana Giannotti, ambos da Poli-USP, revela como o sistema de transporte público da cidade de SP é injusto
Os meios de transporte público em São Paulo são injustos e propagam uma desigualdade econômica e racial da cidade. É isso o que diz a dissertação de mestrado feita por Pedro Logiodice, ainda como aluno da Faculdade Politécina da USP, e publicado em 30 de setembro como artigo no Urban Studies. Atualmente, ele faz doutorado em Londres. O trabalho foi feito com orientação de Mariana Giannotti, professora da Poli-USP,
A pesquisa envolveu a cidade de São Paulo e seus milhões de usuários do Bilhete Único, que possui o registro das transações feitas pelos passageiros, como base de dados. Como metodologia, Logiodice utilizou uma matriz baseando-se nas zonas de origem e destino dos passageiros e nos picos da manhã e da tarde para entender o padrão de deslocamento para cada grupo social e racial desses trabalhadores, já que estas informações não existiam em São Paulo.
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Utilizando esses deslocamentos e comparando com o censo disponível da época da pesquisa (o de 2010 feito pelo IBGE), Pedro conseguiu definir que as pessoas de zonas mais afastadas eram de classe baixa e majoritariamente negras, pegando o transporte em locais com menor oferta de ônibus e outros modais, com maiores taxas de superlotação nos veículos.
Outro ponto encontrado foi a diferença no preço médio pago por passageiros de zonas mais centrais, que, segundo resultados da pesquisa, eram, na sua maioria, pessoas brancas de alta e média renda, e variavam de R$ 6 a R$ 9. Ao comparar com o custo para a população negra mais afastada, percebeu-se uma dobra no valor, chegando a R$ 18 diários. Como resultado, a pesquisa definiu regimes de mobilidade privilegiados e precários.
“Há, na verdade, um legado colonial nos sistemas de transporte, na sua organização e regime. Enquanto alguns afirmam que é apenas uma desigualdade, os resultados mostram que, na realidade, é uma injustiça”, afirma Pedro Logiodice.
Para ele, a pesquisa mostra que para o transporte ser privilegiado em alguns locais, ele tem que ser precário em outros, aumentando ainda mais a distorção.
A questão da tarifa zero na desigualdade do transporte público
Nas últimas semanas, o governo federal tem feito estudos para verificar a viabilidade da tarifa zero nos transporte público como política nacional. Questionados sobre se esse seria um caminho possível para acabar com essa desigualdade social no transporte, Pedro e Mariana afirmaram que a medida deve ser introduzida com cautela.
Para Logiodice, o autor do artigo, a primeira questão a ser resolvida é a superlotação no transporte público. Isso passa por uma realocação e aumento de frota na periferia. A médio e longo prazo, governantes devem chegar com mais opções de transporte público nessas regiões, como o metrô. Ele menciona a gratuidade no transporte como um política pública que deve ser testada após resolver o primeiro problema da superlotação.
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Mariana Giannotti, orientadora do artigo que foi o tema de mestrado de Pedro, afirma que deve-se pensar com muito cuidado a política de tarifa zero, porque primeiro é importante garantir uma frota que ofereça serviço de qualidade, evitando superlotação e deixando a viagem mais confortável para os passageiros. “O problema da tarifa zero, para mim, se compara com a questão do ensino público, em que todo mundo pode entrar, mas o uso e a precarização do serviço deterioram o sistema”, afirmou.
Para ambos, o problema de realocação e aumento das frotas envolve muitas questões como concessionárias, governos, projetos e política. “Alguns municípios, como São Paulo, até têm transparência nos contratos com as empresas de ônibus. Mas em cidades menores, isso é uma ‘caixa-preta'”, disse Mariana.
Outra questão importante é o custo que esses deslocamentos causam ao governo: “Além de tudo isso, as pessoas que perdem de 4 a 5 horas no trânsito por conta do transporte público estão deixando de gerar riqueza. Seria um ponto para o Estado colocar na ponta do lápis quanto dinheiro ele perde por conta deste sistema desigual”, finalizou Mariana. O estudo não tinha essa conta na publicação, mas seria um novo olhar econômico da pesquisa.
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