'Eletrificação não é a bala de prata da descarbonização'

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‘A eletrificação não é a bala de prata da descarbonização da mobilidade urbana’

Por: Mário Sérgio Venditti . Há 2 dias

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Planeta Elétrico

‘A eletrificação não é a bala de prata da descarbonização da mobilidade urbana’

Diretora do ITDP afirma que a utilização de veículos elétricos é apenas uma das alternativas para reduzir as emissões do transporte público

5 minutos, 17 segundos de leitura

18/11/2025

Para Ana Nassar, a eletrificação do transporte público é importante, mas todas as tecnologias devem ser avaliadas. Foto: ITDP Brasil/Divulgação

A paulistana Ana Nassar é uma autoridade em sustentabilidade. Formada em relações internacionais com mestrado em ciências políticas, ela passou a se interessar pelo tema já no ambiente acadêmico e se aprofundou na discussão de como o transporte causa impacto direto nas emissões de gases de efeito estufa (GEE) e afeta a vida nas cidades.

Em sua rica trajetória profissional, Nassar atuou em Brasília (DF) na Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência, de 2009 a 2012 e, atualmente, é diretora de programas do Instituto de Politicas de Transporte e Desenvolvimento (ITDP).

Ela defende arduamente a descentralização da mobilidade urbana, com a forte adoção do transporte público. Aprova a eletrificação, mas não como salvação de todos os problemas da transição energética veicular, que precisa da participação do poder público, conforme revelou nessa entrevista ao Mobilidade Estadão.

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O que esperar de resultados efetivos da COP-30 sobre a descarbonização do transporte?
Espera-se uma centralidade nas discussões sobre a colaboração do setor do transporte para além da mitigação das emissões dos gases de efeito estufa (GEE). É preciso avançar em questões que geram impacto na população, como os projetos e os incentivos que as cidades criam para melhorar e tornar viável a mobilidade urbana. Isso passa também por uma pressão da sociedade civil sobre o poder público, que está no eixo central da transição energética.

A especialista em sustentabilidade defende a descentralização dos meios de locomoção e acredita que o poder público deve estar à frente da discussão. Foto: ITDP Brasil

A prévia do COP-30, ocorrida no Rio de Janeiro, abordou essas questões?
Os painéis promovidos pela C40 Cities, as grandes cidades comprometidas com as causas climáticas, exploraram os temas que envolvem aspectos sociais e ambientais. Mostraram, por exemplo, como o transporte público apresenta impacto direto nas emissões e sua importância como agente de redução dos gases na atmosfera e aliviar os congestionamentos. Descarbonizar o transporte público é uma alavanca relevante nesse sentido e um grande desafio para a questão climática.

De forma geral, as cidades estão engajadas no movimento de incentivar o uso do transporte público?
O transporte está avançando na agenda das cidades, que vêm desenvolvendo planos de mobilidade urbana. A Coalização dos Transportes, da qual o ITDP faz parte, apontou estratégias com um olhar em diferentes partes dos municípios, considerando fatores como padrões de deslocamento e situação política. Em todos os casos uma coisa é certa: a urgência climática exige rapidez nas atitudes.

As mudanças passam por conscientização individual dos usuários?

Não sei se passa por conscientização individual. O foco é pressionar o poder público, que deve adotar mecanismos para os transportes coletivo e ativo (bicicleta e caminhada, por exemplo), se tornarem escolhas naturais, seguras e previsíveis. Eu poderia dizer: “Olha, vamos tentar caminhar mais, ter uma vivência maior na cidade”, mas, ainda assim, o poder público precisa estar à frente das mudanças.

Sendo o transporte público um eixo central da discussão, o ônibus elétrico seria o ideal para os centros urbanos?
É um veículo importante, porém, bom dizer que a eletrificação não é uma bala de prata para resolver a mobilidade urbana. Defendemos uma estratégia integrada, observando as tecnologias disponíveis a fim de alcançar as metas climáticas na transição energética. Nessa história, o vilão é o automóvel, responsável por 74% das emissões de dióxido de carbono (CO2). Isso reforça a necessidade de descentralizar a maneira como nos movimentamos e incentivar o transporte público.

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Vivemos uma fase da invasão de marcas chinesas de carros eletrificados. Substituir o veículo com motor a combustão pela propulsão elétrica é uma política adequada?
O carro elétrico é tentador porque não polui, mas imagine todo mundo usando esse tipo de veículo. Os congestionamentos seriam infernais, as pessoas perderiam muito tempo que poderia ser aproveitado com educação, lazer e no próprio trabalho. Além disso, haveria impacto até mesmo no Produto Interno Bruto (PIB) do País. Se temos a possibilidade de adotar a eletrificação veicular, que seja prioritariamente no transporte público. Segundo o relatório da Coalização, 45% do potencial de redução de emissões urbanas no Brasil até 2050 vem dos transportes.

Muitas cidades brasileiras estão migrando para os ônibus elétricos…
É inegável o reflexo positivo na vida dos passageiros, que viajam com mais conforto e sem barulho, e do motorista, que se desgasta muito menos. Também existem benefícios ambientais, sociais e econômicos. Mesmo assim, há um dado preocupante: as mulheres de baixa renda estão trocando o transporte público pela motocicleta ou pelo serviço de motocicleta por aplicativo. É preciso encontrar meios para paralisar essa fuga de usuários.

Não é difícil convencer o dono de um automóvel a substitui-lo pela viagem de ônibus?
Segundo estudos da Associação Nacional de Transporte Públicos (ANTP), em cidades com até 60 mil habitantes, 39% das pessoas se locomovem a pé. Os municípios precisam criar um ambiente adequado para isso, como calçadas de boa qualidade, estrutura de ciclovias e de iluminação, para que elas se sintam seguras em caminhar à noite. 

O estudo da Coalização aponta que os 260 milhões de toneladas de CO2 emitidos pelo setor do transporte em 2023 podem saltar para 424 milhões em 2050 se nada for feito ou a 170 milhões com as alavancas de descarbonização. É possível alcançar essa redução?

As mudanças não são feitas da noite para o dia mas, repito, o poder público deve atuar diretamente e chancelar as decisões. Ele precisa olhar para as cidades e avaliar quais necessitam de mais investimentos para promover, em cada uma delas, o trabalho de descarbonização.

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