Aceleramos o Kia EV6 de São Paulo ao Uruguai apenas com eletricidade
O Jornal do Carro participou de expedição que foi de Itu (SP) até Montevideo, no Uruguai, a bordo do Kia EV6, primeiro elétrico puro da marca
A estrutura de recarga de carros elétricos no Uruguai está entre as melhores do mundo. Ao abrir o aplicativo PlugShare, que exibe os eletropostos de todo o planeta, entende-se o motivo de o país vizinho estar tão à frente do Brasil em termos de unidades vendidas. Lá, quase 100% do território tem estações de recarga rápida. Este foi um dos motivos que levou a Kia à elaborar uma expedição a bordo do EV6, seu primeiro carro elétrico puro, alimentado exclusivamente por baterias.
A convite da fabricante, o Jornal do Carro percorreu cerca de 2.000 km no crossover que chegará ao Brasil em 2023. A aventura teve início em Itu, na sede da filial brasileira, e foi até Montevidéu, no Uruguai. Ao todo, a expedição cruzou os estados do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul até chegar ao país vizinho. Algo impensável há três ou quatro anos.
Para isso, foi necessário o apoio de uma Kia Carnival (com motor 3.5 V6 a gasolina) para caso algo acontecesse. Afinal, fomos no único exemplar do Kia EV6 no Brasil, e não havia peças de reposição. Ao longo do trajeto, diversas pessoas que se depararam com o crossover ficaram impressionadas. Eleito o Carro do Ano na Europa, o utilitário estava adesivado e com pintura Prata Lunar fosca. Seu visual futurista roubou a cena em todos os lugares da travessia.
Preparativos e aula básica
Antes de cair na pista, o pessoal da Kia nos deu uma aula sobre o EV6. Feito na Coreia do Sul sobre a plataforma E-GMP (compartilhada com a Hyundai), o crossover inaugura a família de carros elétricos da marca. Na Ásia, há opção de tração integral, mas a unidade que aceleramos – versão GT Line – tinha tração traseira. Assim, o motor fica atrás, debaixo do porta-malas. São 168 kW de potência, ou seja, o equivalente a 229 cavalos. E o torque máximo instantâneo é de 35 mkgf.
Nesta configuração, o Kia EV6 chega aos 100 km/h em 7,3 segundos e tem 188 km/h de velocidade máxima. Dessa forma, disposição tem de sobra. De acordo com a Kia, a autonomia é de 500 km (ou 450 km com o ar-condicionado ligado e outros gastos extras de energia). Nesse sentido, tudo depende do tipo de condução e das condições de tráfego.
Pé na estrada
Partimos de Itu no começo da manhã. O conjunto de baterias de polímero de lítio com 77,4 kW com sistema de resfriamento a água, que fica sob o assoalho, estava completamente carregado. No canto direito do painel de instrumentos (digital, de 12,3 polegadas), constava a indicação de 503 km de autonomia total. A chegada ao primeiro destino, Florianópolis (SC), estava prevista para o começo da noite, após aproximadamente 860 km de viagem.
Na serra, regeneração de energia alimenta baterias
Durante o trajeto, paramos o EV6 duas vezes para recarregar em eletropostos de recarga rápida. Ou seja, dava para deixar o carro plugado, tomar um café com calma e sair com 100% de autonomia. De acordo com a Kia, em postos de recarga ultrarrápida, as baterias podem encher de 10% a 80% em apenas 18 minutos. Um dado curioso já neste primeiro dia de estrada aconteceu no trecho de serra próximo a Curitiba (PR). Ali, foi possível redirecionar para a bateria toda a energia gerada nas frenagens. Assim, o sistema recuperou consideravelmente a autonomia.
A mesma regra vale para o trânsito intenso, por exemplo. Ao contrário dos carros a combustão, a condução urbana é mais econômica nos veículos elétricos. Isso, graças ao constante uso do pedal do freio. Inclusive, o nível de regeneração pode ser controlado pelo motorista por meio das aletas atrás do volante, que normalmente serviriam de paddle-shifts. O câmbio automático tem apenas o seletor shift-by-wire. Trata-se, portanto, de um comando giratório que pode alternar os modos R (Ré), N (Neutro) e D (Drive). Para ativar o modo estacionamento, basta apertar a tecla P (ao centro).
Visual
Já em solo catarinense, hora de falar um pouco do visual. Parado no posto de recarga, em Araquari (SC), o EV6 virou ponto turístico. Difícil alguém que passasse sem parar para admirar suas linhas modernas. O estilo é completamente diferente do que a fabricante sul-coreana trouxe até hoje. É tanto que a frente no formado “nariz do tigre” virou coisa do passado. Aquele bocão que tomava a grade dianteira de modelos como Sportage, Rio e Cerato foi substituído por um nicho fechado. Como em todo carro elétrico, não há necessidade de entrada de ar.
Acompanhando as linhas mais retas, o EV6 apresenta faróis totalmente iluminados por LEDs. E eles são inteligentes. Têm farol alto automático. Ou seja, se você está na estrada e há outro carro vindo em sentido oposto (ou mesmo à frente), a iluminação do EV6 direciona-se para baixo, a fim de não ofuscar o outro motorista.
Ainda na dianteira, o capô com formato concha esconde – além de reservatório de água e bateria que alimenta os acessórios – um compartimento com capacidade para 52 litros.
No mais, destaque para as belas rodas de 19 polegadas, bem como para as maçanetas, embutidas nas portas. Ambos priorizam a aerodinâmica. Atrás, as lanternas vão de uma ponta a outra da carroceria. E, no miolo da direita, tem a portinhola do bocal de recarga das baterias. Ela pode, então, ser aberta ou fechada via comando eletrônico. No porta-malas, cabem 520 litros.
Primeira pernoite
No hotel, havia um ponto de recarga de 22 kW. Nele, foram necessárias cerca de quatro horas para a carga completa. A intenção era seguir da capital catarinense sem parar até a capital gaúcha, Porto Alegre. Até para preencher com calma a papelada de entrada no Uruguai.
Nesse trajeto, uma das mais belas paisagens do Brasil. E hora de fuçar o carro. O entre-eixos de 2,90 metros rende espaço de sobra aos cinco ocupantes. Inclusive, para quem vai atrás, o conforto é digno de classe executiva. Não há comandos de ar-condicionado (o sistema é automático digital), mas há mimos como saídas de ar traseiras e portas USB (do tipo C) nos encostos dos bancos da frente, que contam com aquecimento e resfriamento. Todos os assentos reclinam, inclusive os de trás, e são revestidos com plástico reciclado.
Mas é no banco da frente que as surpresas são maiores. O acabamento é caprichado e tudo é muito minimalista. No painel, há pouquíssimos botões físicos. Até a regulagem do ar-condicionado e dos comandos do som são por toque. Todos ficam agrupados na tela – basta apertar uma tecla e o layout muda para facilitar a navegação.
O destaque vai para o cluster curvo – e voltado ao motorista – que reúne duas telas de 12″. O sistema de som Meridian Premium tem 14 alto-falantes. E a função Active Sound Design permite escolher sons específicos para o carro. Outro recurso muito útil é Head-Up Display, que projeta as informações no para-brisa com gráficos coloridos em 3D.
Autonomia nível 2
O sistema de assistência ao condutor do Kia EV6 tem automação de nível 2. Ou seja, dá para encarar Tesla Model 3 e Jaguar i-Pace, por exemplo. Há controle de cruzeiro adaptativo, frenagem autônoma de emergência e assistente de permanência em faixa, que alerta e corrige o volante em caso de mudança involuntária. Por fim, também dispõe de assistente de tráfego cruzado, detector de pedestres e sensor de ponto cego nos retrovisores.
Além de comodidades como carregador de smartphones por indução e conectividade Android Auto e Apple CarPlay (com fio), o EV6 tem três modos de condução, Eco, Normal e Sport. Mas não é só o comportamento mecânico que muda, afinal, as luzes da cabine ficam diferentes. Esverdeada no econômico, azul no normal, e vermelha no esportivo.
E a lista não para por aí. O crossover elétrico tem câmeras 360º, teto solar panorâmico e aplicações Kia Connect e Kia Connnect On-Board Services. Estes últimos, servem para monitorar o veículo e oferecer informações relativas à viagem. Apesar de não estar instalado na unidade de teste, o programa permite, por exemplo, acionar de forma remota do ar-condicionado, verificar o status da bateria e até encontrar estações de recarga em tempo real.
Mas a Kia promete mais. Em estudos, estão sistemas ousados como reconhecimento facial para a abertura de portas, navegação com realidade aumentada e até tomada 220 volts no interior do carro, entre outras soluções.
Carrinho de controle remoto
E se você acha o sensor de estacionamento útil, o EV6 vai além. Ele tem assistente de saída de vaga. Com isso, você pode colocar e tirar o carro da vaga apenas com um toque na chave. E do lado de fora, como em um carrinho de controle remoto. Estacionamos o modelo dessa forma já em Pelotas, no Rio Grande do Sul, antes de cruzarmos a fronteira com o Uruguai.
Deu ruim!
Entre São Paulo (SP) e Porto Alegre (RS), a viagem foi perfeita, com postos de recarga para todos os lados. E sem custos, afinal, cabe salientar, o Brasil não tem lei específica que permita cobrança da energia elétrica por parte dos eletropostos. Entretanto, em Pelotas (RS), o único ponto de recarga rápida estava quebrado. Assim, tivemos de recarregar o crossover no hotel, em uma tomada convencional de 220 volts. Assim, na manhã seguinte, saímos com cerca de 50% de carga na bateria – autonomia de 237 km.
60 horas para carga completa
Entretanto, 130 km depois, na cidade de Santa Vitória do Palmar (ainda no RS), chegamos a 16% de bateria e autonomia para 69 km. Sem estações de carga rápida, tivemos, novamente, que carregar o veículo em uma tomada convencional. Foi dramático: leva-se cerca de 60 horas para atingir a carga máxima com 0% de bateria.
Por isso é sempre bom explicar que, por mais que o carro elétrico possa ser recarregado em qualquer lugar, não se trata de um procedimento simples e rápido. Por isso, muita gente ainda coloca essa compra em xeque. No Brasil, foram vendidos 9.556 híbridos e elétricos entre janeiro e o dia 29 de março – isso é 2,77% do mercado total. Neste montante, 2,36% de híbridos plug-in e 0,4% de elétricos puros, como é o caso do Kia EV6.
De volta à parada em Santa Vitória do Palmar, ficamos parados lá por aproximadamente 9 horas até chegar aos 118 km de autonomia necessários para cruzar a fronteira, entre Chuí – no extremo sul do Brasil – e Chuy, já do lado uruguaio.
À noite, hora de voltar para a estrada. Nesse momento (em direção à fronteira), optamos por guiar o carro sem regeneração de energia, apenas aliviando o pé (no acelerador). Afinal, na prática, se frear, a energia é regenerada, entretanto, tudo isso é desperdiçado nas retomadas de aceleração. Seguindo a recomendação dos especialistas da Kia, a princípio, deixamos os pneus (235/55 R19) bem cheios (com 50 libras) para garantir menor resistência ao rolamento.
Chegada em Chuy
Depois do perrengue ao passar uma tarde inteira à espera do recarregamento das baterias, hora de atravessar a fronteira com o Kia EV6 e, enfim, chegar ao Uruguai. Lá, a infraestrutura de carregamento é de primeiro mundo, certo? Não! Errado! Por mais que o país vizinho reúna diversos eletropostos, em Chuy a estação não tinha o cabo de recarga. De acordo com a empresa de energia local (que recolhe o componente ao cair da tarde), “os clientes têm os próprios cabos e, por isso, os equipamentos são recolhidos diariamente”. Mas, não houve uma explicação efetiva do motivo. Acredita-se, portanto, que seja para evitar roubos e furtos.
Pois bem, com esse cenário, mudanças de planos. Sabendo que conseguiria recarregar as baterias do EV6 (que estavam com apenas 5%) apenas no dia seguinte, o jeito foi voltar para o Brasil (Chuí), pernoitar e, no dia seguinte, seguir com o carro de apoio até Montevideo. Ou seja, nos últimos quilômetros da viagem, fomos salvos por um carro a combustão.
Salvo por um adaptador
Entretanto, foi como diz o ditado: “no fim, dá tudo certo”. No dia seguinte, o EV6 chegou a Montevideo (conduzido por integrantes da Kia) com 100% de bateria. A Kia do Uruguai forneceu um adaptador para o modelo poder fazer o caminho de volta (mas sem os jornalistas, que regressaram de avião). Nesse sentido, não deu para fazer a última pernada da viagem a bordo do crossover elétrico. Contudo, nada que tenha comprometido a percepção de conforto e desempenho.
O comportamento do EV6 se mostrou muito similar ao de um carro a combustão, com ótimos ajustes de suspensão e frenagem, entre outros aspectos. A diferença aparece, de fato, no anda e para das cidades, com silêncio total e, claro, a emissão zero de poluentes. E, assim, fica a certeza de que – apesar das atuais dificuldades e limitações – o futuro já chegou.
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