Regulamentação dos motoristas de aplicativo no centro do debate
Em meio à polêmica, condições de trabalho dos profissionais e responsabilidades das empresas
começam a ser discutidas
A discussão sobre a regulamentação do trabalho dos motoristas por aplicativo, uma das promessas de campanha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), esquentou neste início do ano.
No último dia 6 de fevereiro, Luiz Marinho, ministro do Trabalho e Emprego, sugeriu, em entrevista ao jornal Valor Econômico, a criação de um novo aplicativo de transporte, caso as empresas atuais que operam o serviço decidam deixar o País como reação a uma futura legislação trabalhista, ou regulamentação do setor proposta pelo novo governo.
“Posso chamar os Correios, que é uma empresa de logística, e dizer para criar um aplicativo e substituir. Aplicativo se tem aos montes no mercado. Não queremos regular lá no mínimo detalhe”, disse Marinho, na entrevista.
A fala se deu duas semanas após o encontro de diversos profissionais e sindicatos do segmento de transporte por apps, como motoristas e entregadores, com representantes do governo, entre eles o próprio ministro Marinho, no dia 18 de janeiro, em Brasília (DF).
Apoio ao trabalhador
Para Leandro da Cruz Medeiros, presidente do Sindicato dos Trabalhadores com Aplicativos de Transportes Terrestres do Estado de São Paulo (Stattesp) e um dos participantes do encontro, a declaração do ministro surpreendeu.
“Nós sempre vamos defender qualquer tipo de medida que ajude o trabalhador. Mas entendemos que é bem mais simples atuarmos com uma estrutura que já está montada e ajustar as questões de proteção e respaldo aos motorista. Acredito que, no final das contas, foi muito mais um recado para que as empresas tenham responsabilidade com essas pessoas”, diz.
Para Medeiros, que também é presidente da Federação Nacional dos Sindicatos dos Motoristas de Aplicativo do Brasil (Fenasmapp), entretanto, uma regulamentação pode beneficiar todos os envolvidos.
“Defendo que os motoristas sejam enquadrados na CLT, que é o ponto de partida dessa discussão. A CLT já foi alterada desde 1943 e nela existe hoje jornada flexível e até contrato de trabalho sob demanda, com possibilidade de recusar corrida (artigo 452-A). O Tribunal Superior do Trabalho (TST), inclusive, vem reconhecendo que somos empregados”, afirma Leandro.
4 milhões de viagens diárias
A questão é complexa e, pela sua natureza, não envolve apenas motoristas e empresas. Desde 2014, quando o primeiro app começou a funcionar no Brasil, eles mudaram a forma como uma parte da população passou a se deslocar.
A ponto de, ao longo do anos, muitas pessoas abrirem mão, inclusive, de automóvel próprio. Além disso, os carros de aplicativos chegam a locais periféricos, aonde o sistema de transporte público, muitas vezes, não consegue atender, atuam cada vez mais fazendo uma “integração” com o transporte coletivo, na primeira ou última parte do trajeto, e se revelaram fundamentais durante a pandemia de covid-19.
Dessa forma, estima-se que, atualmente, cerca de 4 milhões de corridas são realizadas por dia, na capital paulista.“Não acredito que os aplicativos saiam do País”, diz Medeiros. “Esse serviço tem se mostrado cada vez mais importante e já faz parte da vida das pessoas.”
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Baixas e queda no serviço
Altas tarifas cobradas pelas plataformas e aumento no preço dos combustíveis têm feito muitos profissionais abandonarem a profissão, impactando a qualidade do serviço oferecido.
Atualmente são comuns relatos de cancelamentos das viagens bem como demora para conseguir um carro.
Mesmo assim, os 1,5 milhão de motoristas de apps, segundo a Fenasmapp, trabalham entre 12 e 16 horas por dia, seis dias por semana.
“Esses profissionais saem de suas casas sem nenhuma garantia de que vão voltar vivos para suas famílias no final do dia. Isso precisa mudar e vejo que o momento é oportuno para isso”, completa.
Dessa forma, após o encontro em Brasília, o governo determinou a criação de um grupo de trabalho para debater o tema.
Medeiros explica, ainda, que o sindicato tem até 17 de fevereiro para enviar informações e aferições do setor. Após 90 dias, sairão as definições da regulamentação.
Complementariedade
Para Cristina Albuquerque, gerente de mobilidade urbana do WRI Brasil, os apps de transportes trazem uma solução que a população estava precisando, com disponibilidade de informação e facilidade de serviço.
“Mas eles precisam ser complementares à rede tradicional de mobilidade, e não competir com ela, o que a degrada ainda mais. E é fundamental que ofereçam boas condições de trabalho aos profissionais, de preferências as mesmas oferecidas aos motoristas de outros modais, além de capacitações”, afirma.
Leia também: Confira a entrevista na íntegra aqui
O que dizem as empresas
O Mobilidade ouviu as duas maiores empresas que atuam no segmento: 99 e Uber. A 99 informou, por meio da Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia (Amobitec), por nota, que: “As empresas associadas apoiam uma regulação do trabalho em plataformas de mobilidade urbana e entregas que busque melhorar a proteção social dos profissionais e garantir a segurança jurídica da atividade.
As associadas colocam-se à disposição do governo para colaborar nas discussões e defendem que o debate tenha como premissas a flexibilidade e a autonomia que caracterizam as novas relações de
trabalho intermediadas por aplicativos, apoiadas pela maioria dos trabalhadores, conforme apontado em diversas pesquisas”.
Também por nota, a Uber informou que “defende publicamente, desde 2021, a inclusão dos trabalhadores por aplicativo na Previdência Social, com as plataformas pagando parte das contribuições de forma a reduzir o valor a ser desembolsado pelos parceiros.
É fundamental que essa integração previdenciária seja feita com base em um modelo mais vantajoso para motoristas e entregadores do que as opções atuais, consideradas muito caras e burocráticas por grande parte deles”.
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