Foi após receber um sonoro “não” de seu supervisor que Sandra Nalli entendeu que, para ser mecânica e realizar seu sonho, seriam necessárias doses extras de esforço e de resiliência. Ela conta que começou a carreira no setor aos 14 anos, como menor aprendiz em um centro automotivo, mas fazendo trabalho administrativo.
Aos 22 anos, já como líder de serviço e desempenhando algumas atividades na oficina, pleiteou uma vaga técnica. Foi quando recebeu a negativa. “Eu realmente não tinha conhecimento prático, mas disse que poderia aprender. Diante da minha insistência, acabaram cedendo, mas como um teste. Agarrei a chance, estudei e me dediquei muito”, comenta.
Sandra se lembra bem do primeiro treinamento que fez. “Entrei numa sala lotada, com aproximadamente 80 homens, e o instrutor me disse que eu estava no curso errado. Eu falei: ‘Se aqui é o de mecânica, estou no lugar certo!’”, conta, entre risadas e olhares de estranhamento dos demais.
Assim foi o início da história da profissional que, anos mais tarde, fundaria a Escola do Mecânico, uma empresa que se dedica a treinar pessoas para o segmento de reparação de carros e de motos e que, com o passar dos anos, passou a conectar os alunos com as oportunidades de trabalho desse mercado.
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Dos treinamentos que fez até a abertura do seu negócio, o que aconteceu em 2011, Sandra conta uma passagem que influenciou a vocação da empresa.
“Comecei a fazer um trabalho voluntário na Fundação Casa de Campinas, e vi que haviam muitos jovens que poderiam se recuperar se tivessem um horizonte, uma profissão. Lá, eu comecei a dar aula, mas não tinha equipamentos, era tudo muito teórico. Então, decidi alugar uma pequena sala e pedi para um amigo grafitar na parede ‘Escola do Mecânico’. Fiquei surpresa quando começaram a bater na porta perguntando sobre os cursos”, lembra.
Na época, com 30 anos de idade, decidiu focar nas classes C, D e E, sempre fazendo questão, também, de incentivar a participação das mulheres, por meio de programas voltados para o público feminino. Os desafios, conta ela, fazem parte da rotina até hoje, mas foram maiores no início.
“Como empreendedora de primeira viagem, foi no Sebrae que entendi que precisava ter capital de giro – em torno de R$ 20 mil –, valor que eu não tinha. Então vendi meu carro para comprar ferramentas e equipamentos e comecei a dar aula”, diz.
E o preconceito dirigido a uma mulher que ensina mecânica para um público, em sua maioria, masculino, infelizmente ainda existe.
“Hoje, não dou mais aula; me dedico à gestão e expansão do negócio. Mas, quando eu ainda lecionava, percebia um estranhamento, um pouco mais leve do que na época em que comecei no centro automotivo. Antigamente, era pesado, já tive clientes que se recusaram a me entregar a chave do carro”, diz.
A Escola do Mecânico já formou mais de 50 mil pessoas, em seus 12 anos de vida, e, hoje, é enquadrada como uma edtech de impacto social. Recentemente, a empreendedora percebeu que o setor de funilaria também sofre de uma carência de formação de mão de obra muito parecida com o da reparação automotiva.
“Então, decidi abrir a primeira Escola do Funileiro, na capital paulista, para preparar as pessoas que querem trabalhar na área”, explica Sandra.
Para incentivar a presença cada vez maior do público feminino, a escola faz diversas campanhas, divulgadas em redes sociais próprias e de parceiros. “A partir de 2014, a participação das mulheres foi aumentando nos cursos e, hoje, elas representam 10% do total. Ainda é pouco; por isso encorajamos meninas e mulheres pelos depoimentos de outras que têm sucesso nesse setor”, diz.
Conseguir um emprego e poder desempenhar o conhecimento que aprenderam em sala de aula acabaram virando uma métrica do sucesso da escola. “Entendo que, para além de vendermos cursos, o que importa é como as pessoas saem, no final”, conclui.
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