Um carro movido a hidrogênio já pode ser comprado. Os veículos desse tipo circulam na Europa, porém, se alguém adquirisse um carro com esse sistema de propulsão no Brasil, enfrentaria problemas por não encontrar locais para abastecer.
No ano que vem, um posto de abastecimento com hidrogênio será instalado no Itaipu Parquetec. É o que conta Daniel Cantane, gerente do Centro de Tecnologia de Hidrogênio da instituição, um local de pesquisa que desenvolve trabalhos sobre hidrogênio aplicado para mobilidade.
“No Itaipu Parquetec, temos há 10 anos produção de hidrogênio verde, somos uma das referências no Brasil. Uma das rotas de pesquisa com hidrogênio verde que resolvemos adotar foi a de mobilidade”, afirma Alexandre Leite, diretor de tecnologias do Itaipu Parquetec.
Os dois especialistas, em entrevista ao Mobilidade Estadão, explicaram como esses veículos funcionam, quais são os pontos positivos e outras informações importantes. Confira o texto abaixo e descubra cinco fatos que você precisa saber sobre o carro movido a hidrogênio.
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Em primeiro lugar, Cantane explica o conceito de hidrogênio verde, o combustível dos veículos movidos a hidrogênio. De acordo com ele, o gás que abastece esses carros precisa ser obtido a partir da água, por um processo chamado eletrólise, no qual o líquido recebe uma corrente elétrica e se separa em oxigênio e hidrogênio.
Para produzir “hidrogênio verde”, ou seja, sem poluentes, a energia que alimenta o processo deve ser de fonte renovável. Afinal, Cantane ressalta que de nada adianta abastecer um carro com hidrogênio se na criação desse gás for necessário usar energia que vem de usina termoelétrica, que queima petróleo.
“Por convenção mundial, a alimentação desse sistema deve ocorrer apenas por energia solar e eólica. Isso é algo que o Brasil deve brigar contra. Na usina hidrelétrica de Itaipu, a captação de carbono é 900 vezes maior que a emissão. Então, por que não considerar essa uma fonte dessa para hidrogênio verde?”, questiona Leite.
“Qual a vantagem do carro a hidrogênio? Em primeiro lugar, o carro expele apenas água em seu escapamento”, explica Leite. De acordo com o especialista, apenas essa vantagem já bastaria para que a tecnologia fosse priorizada.
Ao mesmo tempo, ele afirma que a diversidade de combustíveis é importante: “Se transformássemos todos os carros a combustão do Brasil em elétricos, teríamos capacidade de suprir a demanda de energia? A frota brasileira de carros a combustão é monstruosa. Se todos os carros se tornarem elétricos, será que não teríamos efeitos colaterais como a falta de energia? Não adianta termos carros elétricos se estivermos queimando carvão para gerar a energia que os move”, ele exemplifica.
Em outras palavras, na visão dos cientistas, os carros a hidrogênio poderiam trazer um alívio em um futuro sistema repleto de carros elétricos.
Para os veículos de grande porte, como ônibus ou caminhões, o motor de combustão a hidrogênio também traz vantagens. “Você elimina um grande peso embarcado, das baterias. Sendo assim, é possível gerar economia e eficiência”, conta Cantane.
Por fim, os especialistas ressaltam como célula de combustível a hidrogênio é eficiente e aproveita até 60% da energia no sistema. O motor a combustão por hidrogênio, outra tecnologia que usa o gás, chega a aproveitar 30% de energia, o mesmo percentual que é encontrado em carros movidos a gasolina, diesel e etanol atualmente.
Existem duas diferentes tecnologias com hidrogênio que podem mover carros, ônibus e outros veículos. Cada uma dessas funciona de forma distinta e “a tendência é de que as duas coexistirem e absorvam mercados distintos”, afirma Cantane.
Em primeiro lugar, Cantane cita “a célula de combustível a hidrogênio, um sistema que transforma energia química em energia elétrica e alimenta um motor elétrico no veículo”.
O especialista explica que a célula possui três peças. A primeira delas se chamada ânodo e é parte que recebe o hidrogênio. A segunda é um trecho em que acontece a oxidação desse gás. Por fim, o hidrogênio chega ao cátodo, onde se encontra com “gás atmosférico, o ar comum. O oxigênio presente nesse ar causa uma eletro-redução e gera elétrons. Os elétrons alimentam um motor elétrico, que movimenta o carro, e o subproduto é água”.
Em outras palavras, a célula de hidrogênio é como “uma pequena usina elétrica”. O motoristas abastece ela com hidrogênio, que dentro do dispositivo passa por uma série de reações químicas e gera energia. Por fim, essa energia abastece uma bateria, da mesma forma que ocorre em carros elétricos.
“É um funcionamento similar, por exemplo, a uma bateria. As baterias são caixas fechadas, mas nesses caso é como se a caixa fosse aberta e você alimentasse a bateria constantemente”, resume o cientista.
Por outro lado, no motor a combustão de combustão a hidrogênio existe a queima do gás. “Você substitui a gasolina ou o etanol pelo hidrogênio. A vantagem é que quando você usa o combustível fóssil, você tem no seu cano de escape CO2, um poluente. Por outro lado, quando você abastece o motor com hidrogênio e usa oxigênio durante a queima, o produto é água”, ressalta Cantane.
Por fim, Leite ressalta que “a célula de hidrogênio está mais consolidada do que o motor a combustão a hidrogênio”. Ele explica que o motor a combustão ainda é alvo de testes e pesquisas, não existe nenhum veículo comercial que use a tecnologia.
O motor de combustão interna a hidrogênio permite o retrofit, que é a prática de “aproveitar boa parte de um veículo já existente e substituir um motor a combustão por outro motor. No entanto, nesse caso você retira um motor que polui [a gasolina] e troca por um que não polui [a hidrogênio]”, explica Cantane.
De acordo com ele, para instalar uma célula de combustível em um carro com motor a combustão, seria necessário investimentos altos. “Um carro com célula de combustível é, no final, um carro elétrico. Os carros a combustão têm todo um arranjo mecânico diferente. Por isso, é mais fácil convertê-los para carros com motor a combustão de hidrogênio”.
Por fim, Cantane conta que para veículos de maior porte, como ônibus, caminhões e até mesmo barcos, a conversão para o motor de combustão a hidrogênio seria a melhor escolha. Já para os veículos de passeio e bicicletas, o mais vantajosos seria usar células de hidrogênio.
Os pesquisadores explicam que o abastecimento de carros a hidrogênio, na Europa, ocorre de forma muito similar aos veículos tradicionais. Sendo assim, um motoristas conecta uma mangueira no carro e preenche o tanque com o gás.
A cobrança ocorrer por quilos de hidrogênio. Como a operação comercial ainda não existe no Brasil, é difícil cravar qual será o preço no País. “Mas o que eu posso adiantar que, no mundo, trabalha-se para produzir 1 quilo de hidrogênio por cerca de US$ 4. O Brasil, por ter mais de 90% das suas usinas com fontes renováveis, poderá fazer hidrogênio verde por cerca de US$ 2 o quilo”, conta Cantane.
“Hoje, o maior desafio é produzir o hidrogênio de forma descentralizada para que todos os motoristas tenham acesso e possam abastecer”, conta Leite. A estrutura de abastecimento, que distribui esse gás, é o grande gargalo.
Depois de gerar o hidrogênio verde, com o processo descrito no começo do texto, é necessário armazenar o gás. “Existem duas formas, a mais clássica é em cilindros em baixa pressão, ou em pó, que permite armazenar quatro vezes mais hidrogênio no mesmo volume e não abaixa a pressão, o que torna o processo mais seguro”, conta Cantane.
Os pesquisadores acreditam que o armazenamento de hidrogênio em pó seria uma solução para permitir a distribuição em todo o Brasil. Nesse caso, uma substância é colocada em um cilindro para solidificar o gás.