Quando Hermann Mahnke, diretor de marketing da General Motors América do Sul, encerra o expediente diário no home office, seu trabalho ainda não terminou. Em casa, ele continua tratando de carros, mas, dessa vez, com os filhos Verena (7 anos) e os gêmeos Andrés e Martin (6 anos). “Eles não falam de outra coisa”, afirma Mahnke, “É um bombardeio diário sobre automóveis. Acho que está no sangue.”
Entre os assuntos preferidos, a prole gosta de saber quantos assentos cada veículo tem. Mas, muito antenados, os três em breve, certamente, perguntarão ao pai detalhes ligados aos veículos elétricos. E Mahnke terá muito a dizer.
Ele está na linha de frente da estratégia da GM de investir pesado na eletromobilidade, garantindo que esse é o futuro da indústria automotiva mundial. Mahnke falou ao Mobilidade sobre os planos da montadora quando o tema é eletrificação.
Mobilidade: O sr. afirmou, recentemente, que o futuro é elétrico, referindo-se aos veículos movidos a bateria. Por que tamanha convicção?
Hermann Mahnke: Precisamos considerar quando o carro elétrico vai deslanchar em cada país, se as políticas públicas conseguirão acelerar ou não esse processo. Nações como China e Estados Unidos estão se distanciando da América do Sul. No Brasil, o universo de modelos elétricos ainda é minúsculo e quem compra esse tipo de veículo são os consumidores engajados na questão ambiental. O fato é que a General Motors mergulhou nesse projeto e está se preparando para ser totalmente elétrica.
O que o Brasil precisaria fazer para avançar no desenvolvimento do veículo elétrico?
Mahnke: Não é fácil responder a essa pergunta. A eletromobilidade ainda não entrou no radar das autoridades, não está na agenda das políticas públicas do Governo Federal, que segue apostando no etanol. Sem medidas de incentivo, as coisas demoram a acontecer. A China, por exemplo, ajuda a quem quer comprar carro elétrico e até põe dinheiro na aquisição. Lá, uma parte dos 0-km vendidos tem de ser elétrico. A Colômbia é o país sul-americano mais atento à importância da eletrificação. Entre outras decisões, ela baixou os impostos e dá desconto aos carros elétricos nas praças de pedágio. Como o Brasil está longe desse ritmo, a GM também continua investindo em motores a combustão.
Sem essas políticas, vale a pena investir em carro elétrico no mercado brasileiro?
Mahnke: A indústria não pode deixar de olhar para o futuro e de fazer investimentos em eletrificação. A disseminação dos modelos com propulsão elétrica não será tão rápida no Brasil – pode demorar uma, duas décadas. Não importa. Ainda assim, a GM vem adotando uma postura bastante contundente sobre o assunto.
Qual é a estratégia da GM?
Mahnke: A empresa tem a visão de um futuro zero, zero, zero. Significa zero emissão, zero congestionamento e zero acidente. E isso passa pela eletrificação automotiva. A GM também anunciou investimentos de US$ 35 bilhões para desenvolver veículos movidos a bateria e autônomos e 30 modelos globais – embora mais concentrados nos Estados Unidos – serão lançados até 2025. Outra novidade é a plataforma Ultium, de baterias flexíveis, que começará a ser aplicada em 2022 em SUVs, picapes e carros de passeio. Elas aumentarão em 60% a autonomia do carro, superando os 700 quilômetros, terão um custo 40% menor e serão 25% mais leves. Essa tecnologia poderá chegar ao Brasil em meados desta década.
Além do novo Chevrolet Bolt, que desembarca em setembro, a GM pretende lançar outros elétricos no País?
Mahnke: Com autonomia de 416 quilômetros, o novo Bolt é superequilibrado. Proporciona prazer ao dirigir, não só por ser uma interessante opção de mobilidade mas também pela performance e pelo nível de tecnologia a bordo. Mas a GM estuda, sim, novos automóveis elétricos ao mercado brasileiro e, para isso, precisa medir a aceitação do público. Um passo importante foi triplicar de 26 para 79 o número de concessionárias Chevrolet que comercializam veículos elétricos no País. Começamos com uma quantidade menor, mais concentrada em grandes centros, como São Paulo, Rio de Janeiro e Paraná. O segundo movimento foi a expansão da rede para trabalhar com o Bolt.
A GM se comprometeu com a neutralidade das emissões de carbono até 2040, com lançamentos 100% zero emissão a partir de 2035. É um objetivo factível?
Mahnke: É plenamente factível, mas é importante ressaltar que a GM não vai virar a chave antes do mercado. Teremos todas as condições tecnológicas para implantar definitivamente a eletromobilidade; porém, é o mercado que vai determinar quando isso acontecerá, definitivamente, se daqui a 10 ou 20 anos. Algumas montadoras estão dando um passo intermediário, que são os veículos híbridos, que têm propulsão a combustão e elétrica.
A GM não planeja produzir automóveis híbridos?
Mahnke: Claramente, não temos intenção de produzir veículos híbridos. Se é uma fase intermediária da eletrificação, então vamos pular essa fase. O futuro é elétrico e é para lá que nós vamos.
Como está o desenvolvimento de automóveis autônomos na companhia?
Mahnke: A tecnologia do carro autônomo é uma ruptura total do modelo tradicional e a GM está adiantada nesse estudo. Temos uma frota de, aproximadamente, 100 veículos rodando nos Estados Unidos, mas é difícil prever quando ele ganhará escala a ponto de circular mundo afora. Esse tipo de carro exige uma grande infraestrutura, com cidades conectadas, semáforos inteligentes e ruas impecavelmente sinalizadas.
Com a chegada dos carros elétricos e autônomos, o usuário enxergará a mobilidade de forma diferente?
Mahnke: O comportamento do consumidor em relação ao automóvel mudou. Um carro permanece, em média, 97% de sua vida útil parado e apenas 3% se movimentando do ponto A ao ponto B. Para que ter um carro assim? Antes, o consumo era ligado à liberdade, era algo passional. Acabou o sentimento de posse. Hoje, o usuário não faz questão de ser o único a dirigir o veículo. Agora, a utilização tornou-se racional. Com isso, o compartilhamento ganhará força, reduzindo o número de carros nas ruas. Atenta a essa mudança, a GM oferecerá outros serviços a quem faz uso do carro sem o desejo de possuí-lo.