A pandemia ainda não acabou, mas uma coisa já é possível afirmar. Desembarcamos em um mundo em fevereiro de 2020 e estamos embarcando novamente em outro, muito diferente, neste início de 2022. Os confinamentos e as diferentes medidas restritivas que foram implementadas no País – de forma individual ou coletiva – causaram não apenas grandes mudanças de comportamento mas alcançamos a tão rara mudança de mentalidade.
Um dos setores com as maiores diferenças foi o do trabalho, que precisou acelerar a passagem para um modelo remoto, que vinha sendo discutido há anos, mas nunca realmente implementado. E, junto com essa transformação, vem um grande impacto na mobilidade urbana. Quem passou dois anos sem perder aquele tempo na ida e na volta ao escritório e evitando contato com outras pessoas em aglomerações terá dificuldade para retornar aos velhos hábitos do transporte público cheio, demorado e, muitas vezes, ineficiente.
No mundo, já é possível enxergar algumas transformações que estão acontecendo tanto na demanda dos usuários quanto na resposta de alguns países para melhorar a mobilidade urbana. Nessa última frente, em Lisboa, Portugal, o governo está ampliando o metrô, com três novas estações, previstas para inauguração em 2024, e criando uma nova linha circular, que promete diminuir os tempos de espera e os deslocamentos pela cidade.
Em Madri, Espanha, empresas de compartilhamento de carros permitem o aluguel on demand. O usuário faz o registro no app e pode utilizar um dos vários carros da frota, pagando somente pelos minutos em que utilizou o veículo. O estacionamento nas áreas rotativas da cidade está incluído, assim como o abastecimento – que, em muitos casos, é elétrico.
Essa solução, aliás, vai ao encontro de uma das maiores mudanças de mentalidade trazidas pela pandemia. Se, até o início de 2020, era normal passar duas horas dentro de um ônibus cheio, todos os dias, para ir ao trabalho, a norma agora é ficar o mínimo tempo possível em transporte público. O compartilhamento de carros oferece a possibilidade de um deslocamento eficiente, sem os custos associados à compra e manutenção de um veículo próprio.
A chamada MaaS, ou mobility as a service (mobilidade como um serviço), era uma tendência de comportamento que vinha se delineando e fica ainda mais forte agora. Um relatório da Free Now, concorrente da Uber que atua em países europeus, aponta que os usuários desejam um superaplicativo de mobilidade, que una os diferentes modais tanto para viagens mais longas quanto as soluções de micromobilidade.
Na Austrália, o próprio Google Maps faz a integração com outros aplicativos, sugerindo diferentes opções de rota e modal. Aqui, no Brasil, a Voll cumpre esse papel, unindo também outros serviços, como pedidos de comida, reservas em hotéis e compra de passagens aéreas.
Tecnologias que atuam no sentido de melhorar a mobilidade não nos faltam. Temos aplicativos de transporte, de entregas, de bikes compartilhadas e outras soluções privadas que ajudam a encurtar o caminho de um ponto a outro. Mas, para a dinâmica da mobilidade funcionar bem, é essencial haver uma forte parceria entre o setor público e o privado. Da mesma forma que os apps cumprem importante papel de estabelecer links, os transportes públicos e a infraestrutura das cidades são ativos essenciais que constituem a base de qualquer sistema de mobilidade.
Nesse sentido, o Brasil tem ficado para trás no cenário mundial. Para citar alguns exemplos, ainda estamos longe da tão discutida mudança rumo aos motores elétricos, uma das principais tendências de longo prazo que estão sendo colocadas em prática no resto do mundo. Nossos transportes públicos são, de maneira geral, ineficientes. As maiores cidades do País ainda não têm uma rede ampla de ciclovias, o que dificulta muito o uso das bicicletas no dia a dia e põe a vida das pessoas em risco.
Por isso, mais do que qualquer nova tecnologia, os investimentos públicos em mobilidade são a grande tendência que gostaríamos de ver acontecer, no Brasil, ainda neste ano.