“Os carros elétricos impõem grandes desafios para a indústria automotiva”
Ricardo Gondo, presidente da Renault do Brasil, afirma que transição para eletrificação é lenta e exige investimentos
Desde que a eletromobilidade se tornou pauta obrigatória da indústria automotiva, o presidente da Renault do Brasil, Ricardo Gondo, mergulhou no assunto, sempre avaliando novas possibilidades e estratégias. Em 2013, por exemplo, quando ocupava a presidência da Renault Espanha e Portugal, promoveu um braimstorming com os funcionários, levantando a seguinte questão: “Como podemos alavancar as vendas de veículos elétricos?”
O assunto era relativamente novo, mas, hoje, a eletrificação dos automóveis virou febre mundial. No Brasil, Gondo comandou a chegada de modelos movidos a bateria, como o novo Zoe, e ajudou a promover parcerias para incrementar a mobilidade sustentável no País. Uma das mais significativas é o programa Noronha Carbono Zero, na Ilha de Fernando de Noronha (PE).
Formado em engenharia mecânica , com pós-graduação em administração de empresas, Ricardo Gondo ingressou na Renault em 1996. Até nos momentos de folga, ele não se desliga totalmente da montadora. Gondo adora Fórmula 1 e assiste a todas as corridas para torcer pela equipe Alpine-Renault. Ao Mobilidade, ele concedeu a seguinte entrevista sobre o cenário da eletromobilidade.
Mobilidade: Como a Renault está alinhada com a questão da eletromobilidade no Brasil?
Ricardo Gondo: A indústria se vê diante de grandes desafios tecnológicos com os veículos elétricos e conectados e de novos serviços oferecidos ao consumidor. Há dez anos, a Renault foi pioneira no desenvolvimento de elétricos e, atualmente, a aceleração na venda de carros eletrificados, que inclui os modelos híbridos, na Europa, na China e nos Estados Unidos, impulsionou novas políticas de eletromobilidade, aplicadas também no País.
As estratégias adotadas lá fora servem para o País?
Gondo: É preciso entender que, no Brasil, o mercado de carros eletrificados é recente. Ele está crescendo aos poucos, mas ainda é pequeno. Os números são promissores: em 2021, as vendas deverão superar 50%, em relação ao ano passado. Na Europa, as políticas públicas foram implantadas há uma década e só agora observamos uma curva ascendente expressiva nas vendas. Lá, os carros elétricos já representam cerca de 5% da frota circulante. Aqui, a história só está começando e precisamos ter também o foco nas empresas comprometidas com a agenda ESG [meio ambiente, social e governança corporativa] – na qual o carro elétrico se insere – e preocupadas com os impactos ambientais.
“A Renault vai trabalhar em todos os ciclos de vida das baterias”
Na continuação da entrevista, Ricardo Gondo, presidente da Renault do Brasil, fala sobre outros planos e desafios da montadora francesa.
As vendas, então, devem se concentrar nas empresas?
Ricardo Gondo: Veja o caso da nova geração do Renault Zoe, lançada em abril e que custa acima de R$ 200 mil. Quem compra o Zoe? Cerca de 80% das vendas são para empresas. Com o Kangoo elétrico, esse número sobe para 100%. Os elétricos se encaixam perfeitamente em novos modelos de negócio e em soluções de mobilidade. Mas isso vale também para os automóveis térmicos. Por isso, seguimos investindo nos motores a combustão.
Em qual solução de mobilidade o Zoe é muito usado?
Gondo: O Renault Zoe é o modelo mais vendido na Europa, em que já circulam mais de 400 mil unidades. Lá, soluções de mobilidade sustentável já são discutidas há dez anos e o carsharing – o compartilhamento de carros – vem ganhando espaço. Na Espanha, temos 700 Zoe no serviço de compartilhamento e, em Paris, são mais 500. O usuário faz toda a operação por aplicativo. No Brasil, o sistema de carsharing com carros elétricos começa a ser praticado.
Nesse contexto, o papel das montadoras se resume a vender veículos elétricos ou se integrar a alguns projetos?
Gondo: A Renault é parceira em projetos importantes de sustentabilidade. Em Fernando de Noronha, há o programa Noronha Carbono Zero que permitirá apenas a circulação de veículos 100% elétricos na ilha, até 2030. Atualmente, 28 modelos da Renault (três Zoe, dois Twizy e 23 Kangoo Z.E.) movidos a bateria prestam serviços para a administração local e empresários, como proprietários de pousadas. A segunda etapa do projeto foi a inauguração, em março, do ecoposto fotovoltaico público para a recarga de carros elétricos, em parceria com a Companhia de Energia Elétrica de Pernambuco. A geração de energia da ilha é feita com diesel, mas o ecoposto pode armazenar energia pela luz solar e devolvê-la ao sistema. Uma terceira etapa não está descartada: o aproveitamento das baterias dos veículos, a chamada segunda vida, para gerar energia em Noronha.
A seu ver, o que falta para o veículo elétrico engrenar com mais rapidez no Brasil?
Gondo: O governo tem dado incentivos, nos últimos anos, como isenção de Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e redução de impostos de importação. Um dos temas mais sensíveis no País é o da infraestrutura de recarga, que vem aumentando, aos poucos, nas grandes cidades. Outra questão complicada é o elevado preço dos automóveis. Não é à toa que, hoje, 90% das vendas são direcionadas às empresas com agenda de sustentabilidade. Os compradores com mais recursos adquirem o carro elétrico como segundo ou terceiro modelo da família. Se alguns países da Europa, que já dispõem de políticas públicas há dez anos, ainda dão incentivos, imagine o Brasil. O preço vai cair, mas é preciso dar tempo ao tempo. Conforme os processos de produção avançam, a escala aumenta e, consequentemente, os valores diminuem. Isso inclui as novas tecnologias no desenvolvimento das baterias, que irão proporcionar mais autonomia. O horizonte mostra que, em 2026, os preços dos carros elétricos serão similares aos térmicos.
Diversas montadoras já investem na fabricação de baterias. A Renault trabalha nesse sentido?
Gondo: A empresa vai atuar em todos os ciclos de vida da bateria. Na planta de Flins, no norte da França, a Renault tem uma gigafactory, que se dedicará às três fases da bateria. A primeira é o uso nos veículos; a segunda servirá como fonte de energia estacionária; e a terceira é a reciclagem. Os carros farão parte de um programa de economia circular, com a reciclagem e o reaproveitamento de vários de seus componentes. Além disso, há outras ações, como a parceria com a Envision, que instalará a gigafactory na cidade francesa de Douai, com capacidade de 9 GWh até 2024.
Como o recém-anunciado projeto Software République está ligado à estratégia de mobilidade elétrica da Renault?
Gondo: Tem tudo a ver. Trata-se de um programa inovador que, por enquanto, atuará na Europa. A Renault se aliou a quatro empresas – Atos, Dassault Systèmes, STMicroelectronics e Thales – para criar o Software République, ecossistema de inovação em mobilidade inteligente. Haverá intercâmbio de expertises para desenvolver e comercializar sistemas conectados, serviços e software visando a mobilidade sustentável. A princípio, serão três áreas de cooperação: sistemas inteligentes para facilitar a conectividade entre veículo e seu ambiente digital e físico, sistemas de simulação e gestão de dados para otimizar os fluxos para os territórios e empresas e ecossistema de energia para simplificar a experiência de recarga. Um dos temas em estudo chama-se Plug and Charge, que pretende desenvolver tecnologias e serviços para permitir que um carro elétrico, conectado em terminal compatível, seja reconhecido automaticamente, executando a recarga sem a intervenção do motorista.
Boa parte dos países europeus já estabeleceu prazos para proibir a circulação de automóveis com motor a combustão. Valerá a pena as fabricantes continuarem investindo nesse tipo de veículo?
Gondo: A meta da Renault é vender 65% de modelos eletrificados, na Europa, até 2025, e 90% só de elétricos até 2030. O plano global da empresa prevê o lançamento de uma série de automóveis elétricos nos próximos anos. No Brasil, porém, essa transição será bem longa e existe, no meio do caminho, a alternativa dos híbridos flex. O importante para as montadoras é ter a tecnologia dos híbridos e elétricos para colocar em prática, em cada mercado, no momento mais adequado.
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