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“Os carros elétricos impõem grandes desafios para a indústria automotiva”

Por: Mário Sérgio Venditti . 18/08/2021

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“Os carros elétricos impõem grandes desafios para a indústria automotiva”

Ricardo Gondo, presidente da Renault do Brasil, afirma que transição para eletrificação é lenta e exige investimentos

7 minutos, 19 segundos de leitura

18/08/2021

Zoe carro elétrico da Renault
Segunda geração do Renault Zoe: por enquanto, cerca de 80% das vendas são para empresas. Fotos: Divulgação Renault

Desde que a eletromobilidade se tornou pauta obrigatória da indústria automotiva, o presidente da Renault do Brasil, Ricardo Gondo, mergulhou no assunto, sempre avaliando novas possibilidades e estratégias. Em 2013, por exemplo, quando ocupava a presidência da Renault Espanha e Portugal, promoveu um braimstorming com os funcionários, levantando a seguinte questão: “Como podemos alavancar as vendas de veículos elétricos?”

O assunto era relativamente novo, mas, hoje, a eletrificação dos automóveis virou febre mundial. No Brasil, Gondo comandou a chegada de modelos movidos a bateria, como o novo Zoe, e ajudou a promover parcerias para incrementar a mobilidade sustentável no País. Uma das mais significativas é o programa Noronha Carbono Zero, na Ilha de Fernando de Noronha (PE).

Formado em engenharia mecânica , com pós-graduação em administração de empresas, Ricardo Gondo ingressou na Renault em 1996. Até nos momentos de folga, ele não se desliga totalmente da montadora. Gondo adora Fórmula 1 e assiste a todas as corridas para torcer pela equipe Alpine-Renault. Ao Mobilidade, ele concedeu a seguinte entrevista sobre o cenário da eletromobilidade.

Mobilidade: Como a Renault está alinhada com a questão da eletromobilidade no Brasil?

Ricardo Gondo: A indústria se vê diante de grandes desafios tecnológicos com os veículos elétricos e conectados e de novos serviços oferecidos ao consumidor. Há dez anos, a Renault foi pioneira no desenvolvimento de elétricos e, atualmente, a aceleração na venda de carros eletrificados, que inclui os modelos híbridos, na Europa, na China e nos Estados Unidos, impulsionou novas políticas de eletromobilidade, aplicadas também no País.

As estratégias adotadas lá fora servem para o País?

Gondo: É preciso entender que, no Brasil, o mercado de carros eletrificados é recente. Ele está crescendo aos poucos, mas ainda é pequeno. Os números são promissores: em 2021, as vendas deverão superar 50%, em relação ao ano passado. Na Europa, as políticas públicas foram implantadas há uma década e só agora observamos uma curva ascendente expressiva nas vendas. Lá, os carros elétricos já representam cerca de 5% da frota circulante. Aqui, a história só está começando e precisamos ter também o foco nas empresas comprometidas com a agenda ESG [meio ambiente, social e governança corporativa] – na qual o carro elétrico se insere – e preocupadas com os impactos ambientais.

“A Renault vai trabalhar em todos os ciclos de vida das baterias”

Ricardo Gondo: “Carsharing é uma interessante solução de mobilidade sustentável, que já vem usando carros elétricos”

Na continuação da entrevista, Ricardo Gondo, presidente da Renault do Brasil, fala sobre outros planos e desafios da montadora francesa.

As vendas, então, devem se concentrar nas empresas?

Ricardo Gondo: Veja o caso da nova geração do Renault Zoe, lançada em abril e que custa acima de R$ 200 mil. Quem compra o Zoe? Cerca de 80% das vendas são para empresas. Com o Kangoo elétrico, esse número sobe para 100%. Os elétricos se encaixam perfeitamente em novos modelos de negócio e em soluções de mobilidade. Mas isso vale também para os automóveis térmicos. Por isso, seguimos investindo nos motores a combustão.

Em qual solução de mobilidade o Zoe é muito usado?

Gondo: O Renault Zoe é o modelo mais vendido na Europa, em que já circulam mais de 400 mil unidades. Lá, soluções de mobilidade sustentável já são discutidas há dez anos e o carsharing – o compartilhamento de carros – vem ganhando espaço. Na Espanha, temos 700 Zoe no serviço de compartilhamento e, em Paris, são mais 500. O usuário faz toda a operação por aplicativo. No Brasil, o sistema de carsharing com carros elétricos começa a ser praticado.

Nesse contexto, o papel das montadoras se resume a vender veículos elétricos ou se integrar a alguns projetos?

Eletroposto em Fernando de Noronha

Gondo: A Renault é parceira em projetos importantes de sustentabilidade. Em Fernando de Noronha, há o programa Noronha Carbono Zero que permitirá apenas a circulação de veículos 100% elétricos na ilha, até 2030. Atualmente, 28 modelos da Renault (três Zoe, dois Twizy e 23 Kangoo Z.E.) movidos a bateria prestam serviços para a administração local e empresários, como proprietários de pousadas. A segunda etapa do projeto foi a inauguração, em março, do ecoposto fotovoltaico público para a recarga de carros elétricos, em parceria com a Companhia de Energia Elétrica de Pernambuco. A geração de energia da ilha é feita com diesel, mas o ecoposto pode armazenar energia pela luz solar e devolvê-la ao sistema. Uma terceira etapa não está descartada: o aproveitamento das baterias dos veículos, a chamada segunda vida, para gerar energia em Noronha. 

A seu ver, o que falta para o veículo elétrico engrenar com mais rapidez no Brasil?

Gondo: O governo tem dado incentivos, nos últimos anos, como isenção de Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e redução de impostos de importação. Um dos temas mais sensíveis no País é o da infraestrutura de recarga, que vem aumentando, aos poucos, nas grandes cidades. Outra questão complicada é o elevado preço dos automóveis. Não é à toa que, hoje, 90% das vendas são direcionadas às empresas com agenda de sustentabilidade. Os compradores com mais recursos adquirem o carro elétrico como segundo ou terceiro modelo da família. Se alguns países da Europa, que já dispõem de políticas públicas há dez anos, ainda dão incentivos, imagine o Brasil. O preço vai cair, mas é preciso dar tempo ao tempo. Conforme os processos de produção avançam, a escala aumenta e, consequentemente, os valores diminuem. Isso inclui as novas tecnologias no desenvolvimento das baterias, que irão proporcionar mais autonomia. O horizonte mostra que, em 2026, os preços dos carros elétricos serão similares aos térmicos. 

Diversas montadoras já investem na fabricação de baterias. A Renault trabalha nesse sentido?

Gondo: A empresa vai atuar em todos os ciclos de vida da bateria. Na planta de Flins, no norte da França, a Renault tem uma gigafactory, que se dedicará às três fases da bateria. A primeira é o uso nos veículos; a segunda servirá como fonte de energia estacionária; e a terceira é a reciclagem. Os carros farão parte de um programa de economia circular, com a reciclagem e o reaproveitamento de vários de seus componentes. Além disso, há outras ações, como a parceria com a Envision, que instalará a gigafactory na cidade francesa de Douai, com capacidade de 9 GWh até 2024. 

Como o recém-anunciado projeto Software République está ligado à estratégia de mobilidade elétrica da Renault?

Renault se juntou a quatro empresas para criar o Software République, programa que desenvolverá ecossistemas de inovação em mobilidade inteligente, inicialmente, em três áreas de atuação

Gondo: Tem tudo a ver. Trata-se de um programa inovador que, por enquanto, atuará na Europa. A Renault se aliou a quatro empresas – Atos, Dassault Systèmes, STMicroelectronics e Thales – para criar o Software République, ecossistema de inovação em mobilidade inteligente. Haverá intercâmbio de expertises para desenvolver e comercializar sistemas conectados, serviços e software visando a mobilidade sustentável. A princípio, serão três áreas de cooperação: sistemas inteligentes para facilitar a conectividade entre veículo e seu ambiente digital e físico, sistemas de simulação e gestão de dados para otimizar os fluxos para os territórios e empresas e ecossistema de energia para simplificar a experiência de recarga. Um dos temas em estudo chama-se Plug and Charge, que pretende desenvolver tecnologias e serviços para permitir que um carro elétrico, conectado em terminal compatível, seja reconhecido automaticamente, executando a recarga sem a intervenção do motorista.

Boa parte dos países europeus já estabeleceu prazos para proibir a circulação de automóveis com motor a combustão. Valerá a pena as fabricantes continuarem investindo nesse tipo de veículo?

Gondo: A meta da Renault é vender 65% de modelos eletrificados, na Europa, até 2025, e 90% só de elétricos até 2030. O plano global da empresa prevê o lançamento de uma série de automóveis elétricos nos próximos anos. No Brasil, porém, essa transição será bem longa e existe, no meio do caminho, a alternativa dos híbridos flex. O importante para as montadoras é ter a tecnologia dos híbridos e elétricos para colocar em prática, em cada mercado, no momento mais adequado.

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