O Dia Mundial do Pedestre,celebrado em 8 de agosto, propõe reflexões sobre mobilidade ativa e a condição da infraestrutura que caminhantes encontram no Brasil. Segundo o Instituto Caminhabilidade, tivemos avanços na área, principalmente com a promulgação da Política Nacional de Mobilidade Urbana em 2012. No entanto, ainda há muito o que avançar nesse sentido.
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“As cidades começaram a fazer projetos de caminhabilidade, mas não pararam de priorizar automóveis. É ambíguo e controverso, enquanto os municípios investem em mobilidade ativa, eles também criam avenidas, viadutos e direcionam muito dinheiro para asfalto”, afirma Letícia Sabino, diretora do Instituto Caminhabilidade.
O Instituto Caminhabilidade detectou que os projetos focados em pedestre têm aumentado no Brasil. Dentre 57 iniciativas inscritas no Prêmio Cidade Caminhável, realizado há dois anos pela ONG, apenas sete ocorreram entre 2012 e 2018. Por outro lado, entre 2019 e 2022 esse número saltou para 50.
A maior parte das políticas públicas para pedestres ocorreu na região Nordeste, sendo 26 no total. Duas cidades da região, Recife e Fortaleza, foram a que mais inscreveram iniciativas, nove de cada uma.
O foco nos pedestres vem como uma mudança de paradigma. Em 2015 Recife (PE) e Fortaleza (CE) eram as cidades mais populosas e com maior número de mortes no trânsito, segundo o ranking Retrato da Segurança Viária no Brasil do Observatório Nacional de Segurança Viária (ONSV).
Com o apoio de instituições internacionais, as capitais nordestinas conseguiram reverter esse cenário. Fortaleza, por exemplo, se tornou um destaque em segurança para pedestres e ganhou prêmios, como o Cidade Caminhável, além de ser a primeira colocada no Bloomberg Initiative for Cycling Infrastructure (Bici).
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A maior parte das iniciativas mapeadas pelo Instituto Caminhabilidade são realizadas por prefeituras. “O caminhar sempre vai ter um envolvimento municipal maior, porque é uma política muito local”, explica.
A ativista reconhece que há benefícios em “olhar de perto para a especificidade das ruas e trazer a participação social. O município é o grande promotor e tem que ser assim, porque está mais próximo da população”. No entanto, ela ainda pontua uma falta apoio nas demais esferas de governo.
“O Estado e o governo federal têm papel de fomentar políticas para pedestres, mas essa função ainda não está entendida nessas esferas. Não temos nem secretarias, nem especialistas, nem áreas com um olhar para isso.“
Letícia Sabino, diretora do Instituto Caminhabilidade
“Estamos tentado fazer com que o governo federal crie uma linha de financiamento específica para a caminhabilidade. As cidades com iniciativas na área não tiveram recursos federais”, afirma a ativista. Como solução para a falta de apoio federal, as cidades têm usado fundos próprios ou recorrido a financiadores internacionais para criar soluções de mobilidade para pedestres.
Por fim, Letícia argumenta que os Estados têm um envolvimento maior. “Muitos municípios pequenos e médios são atravessados por estradas de competência Estadual. Isso acaba sendo um desafio, porque as rodovias são vias rápidas e ruins para quem anda a pé”.
Em Conde, na Paraíba, Letícia conta que houve um diálogo forte com o governo estadual, porque uma das ruas que passava no centro da cidade era uma rodovia.”Eles fizeram todo o tratamento para pedestres, com uma travessia em lombofaixa, estrutura que faz carros tem que diminuírem a velocidade. Ao mesmo tempo, para dar prioridade a quem está a pé, os governos estadual e municipal substituíram o asfalto no trecho que passa no centro por outro pavimento”, conta.
A Política Nacional de Mobilidade Urbana, que entrou em vigor em 2012, “exige que os municípios priorizem a mobilidade ativa”, segundo Letícia. A iniciativa do Ministério das Cidades contou com parceria de várias entidades, incluindo o Instituto Caminhabilidade, para traçar metas de desenvolvimento urbano.
Em seu texto, o documento ressalta que as cidades devem levar em conta os pedestres nos seus planos de mobilidade. No entanto, Letícia acredita que apenas em 2018 a lei começou a surtir efeito e fomentar ações municipais. Antes disso, as cidades demoraram para absorver as normas.
“Falta também [na Política Nacional de Mobilidade Urbana] o monitoramento por parte do governo federal. Eles precisam entender quantas cidades fizeram seus planos e se estão de acordo”, comenta.
Dentre as leis com foco em quem caminha, a presidente do Instituto Caminhabilidade também cita o Estatuto do Pedestre da capital paulista. “Ele é um exemplo muito importante de lei. Um dos pontos mais forte é ter trazido velocidades diferentes para grupos diversos que atravessam as ruas da cidade”.
A lei prevê que crianças de até sete anos caminham em uma velocidade de 0.7 m/s (metros por segundo), idosos em 0.8 m/s e demais usuários em 1 m/s, dados que deveriam ser usados para calcular o tempo semafórico na capital paulista. No entanto, essa não é a realidade em diversos semáforos da cidade, segundo apurou o Mobilidade Estadão.
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O Instituto Caminhabilidade já promoveu duas edições do Prêmio Cidade Caminhável, em 2021 e 2023. Por meio dele, a ONG reconheceu esforços de cidades para tornar a mobilidade ativa mais segura para o pedestre.
Dentre as iniciativas premiadas, Letícia cita a Via Parque. Nesse projeto a cidade de Caruaru (PE), com cerca de 365 mil habitantes, transformou 8 km da linha férrea que cruza 16 bairros da cidade em um corredor de deslocamento.
“A linha férrea era um espaço degradado no ambiente urbano, mas eles conseguiram transformá-la em um parque que conecta muitos bairros da cidade em um eixo de deslocamento a pé e por bicicleta”, conta Letícia.
A presidente do instituto também destaca o projeto “Rua da Gente”, em Benevides (PA). A iniciativa fecha vias públicas para que crianças possam brincar em espaços públicos. “O projeto deu tão certo que começaram a fazer um rodízio e levar para a cidade toda esse programa”.
O projeto teria o papel de “fortalecer a identidade do território local, principalmente através do resgate de brincadeiras de rua”, segundo o site do Instituto. Criada em 2022, a iniciativa continua em vigor na cidade paraense.
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