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Mobilidade urbana e justiça racial: desafios e desigualdades nas cidades brasileiras

Por: Camila Dias, assessora de imprensa do Instituto Aromeiazero . Há 13 dias
Mobilidade para quê?

Mobilidade urbana e justiça racial: desafios e desigualdades nas cidades brasileiras

A luta por justiça racial é permanente, e é essencial discutir os desafios diários impostos pelas desigualdades estruturais e raciais

3 minutos, 31 segundos de leitura

19/11/2024

Mobilidade urbana reflete as desigualdades raciais e territoriais de nossas cidades. Foto: Instituto Aromeiazero/Divulgação

Novembro é conhecido como Novembro Negro, mês em que celebramos o Dia da Consciência Negra. Porém, refletir sobre questões raciais não deve ser restrito a esse período. A luta por justiça racial é permanente, e é essencial discutir os desafios diários impostos pelas desigualdades estruturais e raciais. Um campo urgente dessa luta é a mobilidade urbana, que reflete as desigualdades raciais e territoriais de nossas cidades.

A mobilidade não se resume apenas ao deslocamento, mas ao direito de estar, de existir e de acessar os espaços da cidade. Mobilidade é, acima de tudo, um direito humano. Mas será que esse direito é igual para todos? Quem tem o direito de se deslocar sem ser alvo de preconceito ou violência? Sabemos que as cidades foram projetadas para uma classe média branca, com acesso garantido a transporte, lazer e cultura, o que reflete um processo histórico de favorecimento de certos grupos e marginalização de outros.

Crescimento desigual

Como destaca o geógrafo Milton Santos (1926-2001),  a cidade não é neutra, mas fruto de processos históricos e econômicos que favorecem alguns e marginalizam outros. A urbanização nas grandes cidades brasileiras foi planejada para atender a uma elite branca, concentrando áreas de lazer e cultura nas regiões centrais, enquanto as periferias, com maior população negra, foram negligenciadas. Isso resultou em um crescimento desigual, com menos investimentos em infraestrutura e transporte de qualidade.

Joice Berth (1976-), arquiteta e urbanista, aponta que as cidades não são neutras, mas reforçam desigualdades sistêmicas, especialmente em relação à segregação racial e social. Ela argumenta que as cidades brasileiras marginalizam a população negra e limitam o acesso das mulheres negras e periféricas a serviços e oportunidades. As periferias se tornam não apenas espaços de exclusão física, mas símbolos de um ciclo contínuo de privação e opressão.

Na mobilidade urbana, a exclusão se reflete em linhas de transporte insuficientes para as periferias, passagens caras e infraestrutura inadequada. Para muitas pessoas negras, o deslocamento é marcado por obstáculos, como transporte precário e violência policial, que criminaliza o corpo negro nas ruas. Juliana Borges, pesquisadora de segurança pública, destaca que essa criminalização faz parte de uma política de exclusão racial que se estende ao espaço urbano.

A desigualdade também é visível em alternativas de mobilidade, como a bicicleta. Nas áreas de classe média, a infraestrutura é mais desenvolvida, com vias amplas, ciclovias bem estruturadas e iluminação pública de qualidade, enquanto nas periferias, as ruas são mal iluminadas, as calçadas estreitas ou inexistentes e o transporte público é escasso. A segregação geográfica e social se reflete diretamente nas políticas de mobilidade, que não garantem um acesso igualitário a todos.

Dificuldades para acessar o transporte público

Uma pesquisa da USP revelou que as populações mais marginalizadas, especialmente negras e de classes baixas, enfrentam barreiras no acesso ao transporte público de qualidade, refletindo a desigualdade social. A situação é agravada pelo tempo excessivo gasto no transporte, que impacta a rotina e o bem-estar. Além disso, a falta de segurança aumenta o medo da população negra ser abordada ou agredida pela polícia nas ruas.

Projetos como o Bike Arte Brasil, realizado pelo Instituto Aromeiazero desde 2012, mostram que a transformação dos espaços urbanos vai além da criação de infraestrutura física. Através da arte e da bicicleta, o projeto promove não só a mobilidade sustentável, mas também a construção de um senso de comunidade e pertencimento. A bicicleta, nesse contexto, torna-se uma ferramenta de emancipação, e a arte provoca uma reflexão sobre os desafios da desigualdade e da exclusão, mas também sobre as possibilidades de transformação e resistência.

Refletir sobre mobilidade urbana e justiça racial exige que enfrentemos as desigualdades estruturais e lutemos por cidades mais inclusivas, onde todos possam se deslocar e existir com segurança e dignidade.

Artigo escrito em parceria com Rogério Rai, também do Instituto Aromeiazero.

Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião do Estadão

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