As tecnologias de veículos autônomos avançam e a cada ano surgem novidades e evoluções dos sistemas, não só fora do Brasil como por aqui também. Contudo, a maioria ainda opera em ambientes fechados.
“A realidade aqui está vinculada a ambientes controlados, com aplicações no agronegócio e na mineração”, aponta Ricardo Bacellar, líder do setor Automotivo da KPMG no Brasil. De acordo com ele, o ambiente acadêmico é que tem sustentado iniciativas com os veículos, mas ainda sem aplicação de uso comercial em uma janela de tempo curto.
“A indústria faz uma estimativa, da ordem técnica, não mais do que 3 ou 4 anos. Mas a barreira não é técnica. Para ambientes urbanos vai demandar regulamentação e infraestrutura, além de altos investimentos para coexistir com veículos não autônomos”, explica o especialista.
A indústria passa por uma forte ruptura, como explica Carlos Libera, sócio da Bain & Company. “Em contexto global, haverá três grandes mudanças: evolução de tecnologias até 2022, depois mudanças drásticas até 2030 e aí a ruptura será de 2030 para a frente. Cidades inteiras não vão ter veículos a combustão e sim níveis 4 e 5 de autonomia. É algo que vai se intensificar após 2030”, estima.
Segundo Libera, para veículos comerciais há diferenças em relação a veículos de passageiros, mas vão funcionar com a mesma tecnologia e no caso dos caminhões haverá vantagens econômicas. “O payback pode ser mais rápido. Uma das coisas relevantes é que o transporte de carga já é concentrado em grandes frotistas, então o veículo autônomo mudará muito a dinâmica dos negócios”, explica.
Enquanto os caminhões autônomos não chegam às ruas e estradas, eles já são realidade em ambientes controlados. Na lavoura de cana-de-açúcar, por exemplo. A empresa Grunner, que nasceu de uma família produtora de cana, em São Joaquim da Barra, interior de São Paulo, desenvolveu em 2010 um projeto caseiro para melhorar a produtividade na colheita.
“O projeto foi baseado em um caminhão no lugar do trator, porque é mais versátil, com redução de até 60% de emissões de poluentes e maior vida útil. Em 2016, fomos campeões nacionais em produtividade. A Mercedes-Benz, então, nos descobriu e nos propôs uma parceria para desenvolver a tecnologia em escala comercial e criar um novo produto no mercado. Aceitamos o desafio e em 2017 criamos a Grunner”, explica Mateus Belei, diretor comercial e de marketing na Grunner Tecnologia.
Há cerca de um ano e meio, a empresa opera com um produto comercial, voltado ao trabalho no setor sucroenergético, em nível nacional. “Realizamos aplicações onde couber a direção autônoma, fazendo o ajuste das bitolas do caminhão para trafegar nas plantações com precisão”, afirma Belei.
Para Marcos Andrade, gerente de marketing e estratégia de caminhões da Mercedes-Benz, a tendência do transporte é conseguir uma solução eficiente. “Nós, como produtores do caminhão, demos o suporte para adequá-lo da forma mais perfeita para aquela aplicação e eles chegaram com a solução ideal. Começou com a cana, com planos de vendas crescentes nos próximos anos. Nosso foco é na agricultura de precisão em ambiente fechado, mineração e agronegócio de alta precisão”, comenta Andrade.
Os veículos adaptados são o Axor e o Atego, que tiveram mudanças com eixo adicional, ajuste das bitolas, nova suspensão e pneus adequados. “É uma inteligência brasileira simples, de resultados imediatos e eficientes, com precisão de 2,5 cm na lavoura”, afirma o gerente da Mercedes.
As expectativas são otimistas. A Granner tem 16 equipamentos já em operação, além de 50 em negociação em setembro e com previsão de vender outros 150 equipamentos no primeiro semestre de 2020. Além do setor agro, estuda-se a logística de sistemas de direção autônoma em áreas fechadas, como na manobra de docas, o que segundo Belei tem grande potencial.
O Laboratório de Robótica Móvel (LRM) do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC) da USP em São Carlos fez experimentos com um modelo Scania. O professor Fernando Osório, que liderou os trabalhos, afirma que há condições para ter caminhões e carros autônomos, mas ainda é preciso evoluir.
“Em ambiente urbano ainda há a questão da circulação de pessoas, a questão de detectar pedestres deve ser mais desenvolvida”. Na parceria com a Scania, os testes foram feitos no campus da universidade.
Outros desafios envolvem legislação, atrasada no Brasil em relação a outros países, o elevado custo dos desenvolvimentos aqui, levando em conta que boa parte dos equipamentos é importada, e enfrentar a rejeição de um público não informado, que acredita que esse tipo de tecnologia levará à redução de empregos. “Mas sempre haverá um co-piloto habilitado nesses veículos”, esclarece o professor Osório.