A mobilidade sustentável no Brasil depende da redistribuição do espaço das vias urbanas. A maior parte das nossas ruas é dimensionada, destinada e mantida para carros. Cidades sustentáveis são cidades inclusivas, que dedicam mais e melhores espaços, também, ao pedestre e ao ciclista.
Falemos do pedestre e das calçadas, por um motivo muito simples: todas e todos somos pedestres e dependemos das calçadas em nossos deslocamentos diários. Motoristas estacionam junto do meio-fio e seguem seus caminhos a pé até seus destinos – assim como os passageiros do transporte coletivo ou de aplicativo. Calçadas são locais de mobilidade, de acesso e de convivência. Mas não recebem o cuidado e o espaço devidos no País. Na cidade de São Paulo, 41% do calçamento não segue a largura mínima, de 1,90 metro, estabelecida nas regras locais, segundo dados do Instituto Cordial.
Em muitas regiões, crianças caminham até a escola e usam as calçadas para brincar, se desenvolver e se relacionar com a cidade. Infelizmente, é nas regiões periféricas e mais vulneráveis que essas infraestruturas são ainda mais precárias. Qualificar o calçamento – com pavimento, iluminação, vegetação e espaço adequados, acessibilidade universal, conexões seguras e drenagem eficiente – é um ato inclusivo e que pode contribuir para a vitalidade dos bairros. E para o aumento do acesso e da mobilidade sustentável nas cidades.
Por tudo isso, a busca por cidades caminháveis – e, portanto, menos dispersas e com calçadas de qualidade, entre outras características – é uma tendência global, inadiável para municípios comprometidos com o enfrentamento às mudanças climáticas e às desigualdades. Há mais de dez anos, o Brasil conta com uma Política Nacional de Mobilidade Urbana, que estabelece a prioridade a pedestres. Então, como promover as mudanças que nos levarão a beneficiar, de fato, essas pessoas?
Uma abordagem que vários municípios brasileiros já têm adotado é a de repensar e planejar o espaço viário com base em uma perspectiva de ruas completas. Esse conceito é usado quando essas vias atendem de forma satisfatória aos diversos usos e pessoas que nela circulam, com prioridade aos modos mais sustentáveis e aos habitantes mais vulneráveis: pedestres, ciclistas, crianças, idosos e pessoas com deficiência.
No Estado de São Paulo, desde 2021, atuamos na rede Ruas Completas SP, junto a outras quatro organizações, apoiando 20 cidades para que avancem nessa direção. Com base nas atividades de capacitação e apoio técnico da rede, Campinas, São José dos Campos e Guarulhos já requalificaram vias, alargando calçadas, diminuindo distâncias de travessias de pedestres e adequando as velocidades dos carros para um convívio mais seguro e confortável entre todas as pessoas.
Tornar as cidades mais caminháveis passa pela integração desse princípio aos planos diretores e de mobilidade urbana, reduzindo a dependência de meios motorizados. Significa promover o uso misto do solo, de forma a proporcionar para as pessoas educação, trabalho e lazer a distâncias caminháveis de casa. E passa, também, por oferecer transporte coletivo de qualidade, que garanta o acesso às oportunidades e aos serviços mais distantes.
A caminhada é um modo zero emissão por excelência. Além de contribuir para a saúde e o bem-estar das pessoas, gera externalidades positivas para toda a sociedade. Nestes tempos em que tanto se discute a mobilidade sustentável, deve-se celebrar e promover o caminhar. E, para isso, precisamos olhar para a cidade como quem nela anda: atentos ao calçamento.
*Artigo escrito em parceria com Paula Santos, gerente de mobilidade ativa do WRI Brasil